Acórdão nº 90/14.9GAMGD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDO CHAVES
Data da Resolução26 de Setembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO 1.

Nos autos de instrução n.º 90/14.9GAMGD que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Mogadouro – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1 foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos Rui L. e Conceição C., no termo da instrução requerida pelo assistente António J. – visando a pronúncia dos arguidos pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples – face ao despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público.

2.

Inconformado com a decisão, recorreu o assistente António J., retirando da sua motivação as seguintes conclusões: «1- A Ilustre Decisora não captou com fidelidade o conteúdo do requerimento de abertura de instrução: aí o recorrente não defendeu que a legitimidade e a extensão dos efeitos da queixa se bastarem com a apresentação de queixa contra um dos comparticipantes para tornar o procedimento criminal extensivo aos restantes nem se limitou a discutir a extensão dos efeitos da queixa; 2- O entendimento prévio do Tribunal de que o assistente, António J. configurando embora uma comparticipação criminosa apenas apresentou queixa contra Luís L., sendo que só contra ele o Ministério Público tinha legitimidade para investigar, mas não a apresentou contra a irmã Conceição C. inquinou irremediavelmente os autos de instrução e a decisão final; 3- De acordo com o estatuído nos arts. 113.º e 114.º do C. Penal, a legitimidade e a extensão dos efeitos da queixa dizem-nos que basta a sua apresentação contra um dos comparticipantes para tornar o procedimento criminal extensivo aos restantes; mais do que o autor do crime, nessa fase interessa essencialmente a queixa pelo crime; 4- Em crimes de natureza semi-pública o M.P. tem o dever de praticar os actos de inquérito necessários ao apuramento da responsabilidade daqueles que se indicie terem sido comparticipantes do crime, ainda que contra eles não tenha sido apresentada queixa, se vierem a ser identificados no decurso do inquérito; 5- A validade da queixa não exige nenhuma fórmula nem uma declaração expressa com utilização do termo «queixa»; nem exige a forma escrita, mas apenas uma manifestação de vontade inequívoca de pretender desencadear o procedimento criminal; 6- O recorrente manifestou a sua vontade de que fosse instaurado procedimento criminal contra ambos os agressores, Conceição C. e Rui L., pela ocorrência que narrou; é quanto basta para se concluir que foi exercido o direito de queixa; 7- O facto de a interveniente Conceição não ter sido constituída arguida não impede que seja pronunciada; 8- No caso presente, o receptor da queixa incluiu no auto actos de comparticipação de ambos os elementos do casal agressor; 9- Assinalou com uma cruz o item do formulário onde consta que "declara desejar procedimento criminal contra o(s) autor(es) do crime"; 10- Não aparece nesse formulário nenhuma hipótese de desejo de procedimento criminal apenas contra algum ou alguns dos autores do(s) crime(s), nem tal faria sentido; 11- Não consta do auto nenhuma referência ou indício de manifestação de vontade do denunciante no sentido de renunciar ao direito de queixa contra nenhum dos comparticipantes; 12- Resulta evidente que o guarda da GNR não estava familiarizado com o tema das denúncias e por isso referiu no local do formulário destinado à identificação dos denunciados apenas um dos comparticipantes, por mero lapso; 13- Apesar de diversos erros e lapsos formais, o inquérito contém elementos consistentes e suficientes quanto aos actos praticados e quanto à participação das três pessoas envolvidas; 14- Numa primeira fase do inquérito o M.P. tomou a queixa do recorrente como válida e ordenou a organização do respectivo inquérito; 15- Quando ordenou a realização de um encontro entre os três intervenientes a que chamou "acareação", tendo-se apercebido de que a interessada Conceição não fora constituída arguida, tinha que ter esclarecido a situação, mas actuou no sentido contrário, servindo-se da ignorância do recorrente sobre o conteúdo do inquérito; 16- Nessa "acareação" os intervenientes apenas declararam que não tinham nada a acrescentar ao que já tinham expressado no inquérito e o recorrente fê-lo no pressuposto de que a sua irmã e o seu cunhado tinham o estatuto de arguidos; 17- A testemunha H. confirmou firmemente e sem dúvidas quanto à credibilidade das suas declarações que a queixa foi verbalizada contra os dois participantes Conceição e Rui; 18- O mesmo fez o guarda que recebeu a queixa, espontaneamente, na instância do advogado do recorrente, antes de perceber que o seu trabalho de elaboração do auto de denúncia estaria a ser posto em causa; 19- Na instância do M.P. foi conduzido a desdizer essa primeira versão genuína; 20- As declarações que prestou nessa fase não têm o mínimo de credibilidade; 21- Resulta claro que o recorrente efectuou atempadamente a queixa, sem exclusão de nenhum dos participantes no cometimento dos crimes que ele afirma terem sido praticados contra si; 22- Os indícios de prática de crime são idênticos a respeito de cada um dos três intervenientes; 23- Existem indícios suficientes da prática de crime de ofensa à integridade física do recorrente por parte dos intervenientes Conceição e Rui, pelo que devem ser como tal pronunciados; 24- A decisão recorrida, para além de errónea quanto à matéria de facto conforme se ressaltou no texto desta peça e nas conclusões anteriores, violou ainda designadamente o preceituado nos arts. 113.º, n.º 1, 114.º e 116.º, n.º 1, do C. Penal; 25- Essas normas foram interpretadas no sentido de que o recorrente não se queixou dos actos praticados pela interveniente Conceição e deviam ter sido aplicadas no sentido contrário e de que não existiu renúncia de queixa em relação a ninguém.

JUSTIÇA» 3. O Ministério Público respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: «1. A Ilustre Decisora não podia apreciar a questão indiciária dos factos praticados, porque desde logo faltava um dos pressupostos essenciais no crime semi-público que era o exercício do direito de queixa; 2. O entendimento do Tribunal foi consistente ab initio porquanto não constituiu a Conceição como arguida, assumindo não existir queixa contra a mesma; 3. O art. 115º, n.º 3 do Código Penal diz "O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa", sendo que esse direito de queixa foi feito apenas contra o Luís e não a Conceição, não funcionando o Processo Penal em presunções de queixas; 4. Efectivamente, a queixa pode ser contra desconhecidos, mas nesse caso, há um número indeterminado de pessoas, e quando há uma queixa o queixoso não indica ninguém de forma expressa, antes se refere que não sabe quem cometeu o crime e que deseja procedimento criminal contra quem o fez, deixando em aberto o número de perpetradores; 5. A vontade inequívoca do procedimento criminal implica...

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