Acórdão nº 104/10.1TBCBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelLINA CASTRO BAPTISTA
Data da Resolução29 de Setembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Processo n.º 104/10.1TBCBC.G1 Comarca: [Instância Central Cível de Guimarães, Comarca de Braga] Relatora: Lina Castro Baptista Adjunta: Maria de Fátima Almeida Andrade Adjunta: Alexandra Rolim Mendes * Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I—RELATÓRIO DUARTE M, solteiro, residente no Lugar de Souto Mouro, Bucos, Cabeceira de Basto, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “COMPANHIA DE SEGUROS T, S.A.", sociedade com sede na Avenida L, nº 242, Lisboa, pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 170 523,26, acrescida de juros de mora, contados desde a citação e até integral pagamento.

Alega, em síntese, que, no dia 21 de Março de 2005, pelas 12h 15m, ocorreu um acidente de viação, em que intervieram o ciclomotor de matrícula nº 1-CBC-04-70 (doravante designado CBC), conduzido por si, e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula nº 57-51-XE (doravante designado XE), pertencente a "B-Crédito, Instituição Financeira" e conduzido por Fernando M.

Defende que o embate ocorreu por culpa exclusiva e grave do condutor do XE, por a sua conduta imperita e grosseiramente culposa ter violado as mais elementares regras estradais. Supletivamente, defende que tal culpa se presume, por condutor do XE seguir no interesse e segundo as ordens do seu proprietário.

Expõe que o dono do veículo XE mantinha um contrato de seguro, válido e eficaz, junto da Ré, titulado pela Apólice nº 04-0900133769, que cobria os respectivos danos causados a terceiros.

Invoca a ocorrência de um conjunto de danos de carácter patrimonial e não patrimonial como consequência directa e necessário do referido embate, no valor global de € 170 523,26 (correspondente a € 30 000,00 como compensação pelas dores sofridas; € 50 000,00 pelo desgosto de ter abandonado a escola e pelas frustração das suas expectativas quanto ao futuro; € 40 000,00 pelo dano estético e perda de liberdade durante os períodos de internamento e € 50 523,26 a título de Incapacidade Permanente Parcial).

A Ré veio contestar, aceitando a ocorrência do acidente, bem como a celebração e vigência do contrato de seguro invocado.

Contrapõe, em síntese, que o acidente de viação dos autos ocorreu por culpa única do Autor que, em manifesta violação das regras estradais e sem qualquer motivo, guinou à esquerda, não obstante, no momento, o XE se encontrar a circular na hemi-faixa esquerda, a executar manobra de ultrapassagem. Acrescenta que a circunstância de o Autor não possuir carta de condução faz presumir a culpa pela produção dos danos dela decorrente, dispensando-se a prova em concreto da falta de diligência.

Impugna a generalidade da matéria de facto atinente aos danos alegados na Petição.

Conclui pedindo que a excepção de prescrição seja julgada procedente, com a sua absolvição do pedido. Caso o Tribunal assim não entenda, pede que a acção seja julgada improcedente, por não provada, com a sua absolvição do pedido.

Em sede de despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de prescrição do direito do Autor, invocada pela Ré.

Através de requerimento de fls. 370 e ss., o Autor veio ampliar o pedido para a quantia de € 315 000,00, justificando que, em face do relatório pericial produzido pela perícia colegial, é adequada quantia de € 98 000,00 para indemnização pela perda de ganho futuro; a quantia de € 35 000,00 para compensação das dores sofridas; a quantia de € 20 000,00 para compensação das limitações e frustrações nas actividades desportivas e de lazer; a quantia de € 22 000,00 para fazer face às despesas que terá de suportar com consultas médicas, medicamentos e deslocações e € 50 000,00 para compensação dos demais danos morais sofridos.

Proferiu-se sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 140 700,00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, vencidos e vincendos sobre a quantia de € 108 200,00, desde a data da citação, e vincendos sobre a quantia de € 32 500,00, desde a presente data, em ambos os caos até efectivo e integral pagamento.

Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES I. O presente recurso tem por objecto a totalidade da decisão que condena a Recorrente no pagamento de uma indemnização ao Recorrido.

  1. A Recorrente considera incorretamente julgados os factos constantes dos pontos 7, 8, 10, 11, 13 (em parte), 14, 29, 30 e 34 dos factos provados.

  2. O Auto de participação de acidente de viação junto aos autos com a Contestação, o registo biográfico do Autor como aluno do Agrupamento de escolas de Cabeceiras de Basto (fls. 104 e 105), os depoimentos das testemunhas Ana F (depoimento gravado em CD, no dia 14 de Outubro de 2015, com início da gravação às 15:22:55 e fim da gravação às 15:40:15), Zeferino M (depoimento gravado em CD, no dia 14 de Outubro de 2015, com início da gravação às 15:41:08 e fim da gravação às 15:56:44), Fernando M (depoimento gravado em CD, no dia 14 de Novembro de 2015, com início da gravaçãoàs 16:01:47 e fim da gravação às 16:12:51 e reinício às 16:12:59 e fim às 16:26:19) e as declarações de parte do Autor Duarte M (depoimento gravado em CD, no dia 14 de Outubro de 2015, com início da gravação às 14:53:58 e fim de gravação às 15:20:33) impunham decisão da matéria de facto distinta relativamente aos factos identificados na conclusão precedente.

  3. Do depoimento da testemunha Ana F (em especial minutos 01:58 a 09:35 e 11:40 a 14:00) resulta que esta apenas viu passar o Autor no veículo CBC e não mais olhou para a estrada até ter sido alertada pelo barulho do embate, pelo que não prestou atenção à condução de cada um dos intervenientes, não prestou atenção ao XE e não viu o momento em que ocorreu o embate, apenas olhando para os veículos depois de o embate já ter sucedido V. Do depoimento da testemunha Zeferino M (em especial minutos 01:48 a 15:05) resultam dúvidas sobre a respectiva isenção, dado que a testemunha diz ter assistido ao acidente mas nunca se aproximou do local do mesmo e não falou com as autoridades policiais, limitando-se a recolher à sua habitação após a ocorrência.

  4. A testemunha Zeferino M também não identifica a concreta manobra que provoca o embate, apenas referindo que quando se apercebe o veículo já levou o Duarte na frente dele sem conseguir explicar qual a manobra que explica o sucedido.

  5. Do depoimento da testemunha Fernando M (em especial minutos 05:10 a 08:58 da primeira parte e minutos 18:00 a 18:55 da segunda parte) resulta que a razão pela qual este referiu não se lembrar da manobra causal do acidente não é o facto de não pretender agora vincular-se à descrição do acidente que fez em tempos perante a GNR, que não repudiou e considerou ser natural, mas antes a falta de vontade em colaborar com o Tribunal e, em particular, com a ora Recorrente.

  6. Das declarações de parte do Autor (em especial minutos 05:10 a 08:58 e 18:00 a 18:55) resulta que este apenas se recorda de ver um carro branco ao seu lado e de, depois, cair, sem que este identifique a manobra causal dessa queda, ao que acresce que o Autor, logo após o evento, perdeu a memória do mesmo, só a vindo recuperar posteriormente, sem que seja seguro que se recorda do evento tal como este sucedeu.

  7. A prova relativa à dinâmica do acidente, analisada toda ela conjuntamente e de acordo com as regras da experiência comum, não permite concluir de que modo circulavam os veículos antes do embate, qual a velocidade que os condutores imprimiam aos veículos, qual o local do embate e, acima de tudo e independentemente de tudo o mais, qual a concreta manobra que originou o acidente.

  8. O Tribunal a quo deveria ter julgado não provados os pontos 7 (artigo 1.º da base instrutória), 8 (artigo 2.º da base instrutória), 10 (artigo 4.º da base instrutória) e 11 (artigo 6.º da base instrutória) dos factos provados.

  9. No ponto 13 dos factos provados, o Tribunal deveria ter mantido apenas a matéria dada por assente na alínea H) dos factos assentes, julgando não provado o que resulta do artigo 5.º da base instrutória (isto é, provado apenas que “o XE, após o embate, entrou em despiste, indo embater no muro do lado esquerdo, atendendo ao seu sentido de marcha, e, ainda, depois, no muro do lado direito”).

  10. O ponto 14 da resposta à matéria de facto invoca os conceitos “no interesse” e “segundo as ordens do seu proprietário”, que constituem a própria definição de relação de comissão e não factos materiais de que se possa concluir pela existência dessa mesma relação.

  11. Para que se concluísse que o condutor do XE conduzia no interesse e segundo as ordens do seu proprietário, de modo a que se pudesse preencher o requisito do artigo 503.º, n.º 3 do Código Civil, teria que se ter alegado e provado para onde se dirigia ocondutor, o que iria a fazer, a mando de quem e com que propósito.

  12. Que a integração do Autor no mercado de trabalho está condicionada às habilitações escolares não se trata de um facto mas de um mera conclusão do Tribunal, conclusão essa que é, aliás, salvo o devido respeito, pouco ou nada relevante para a decisão da causa.

  13. Nos termos do artigo 607.º, n.º 4 do CPC, na fundamentação da sentença o Juiz declara quais os factos que considera provados e quais os que julga não provados, estando-lhe vedada a utilização de conclusões ou conceitos de Direito.

    XVI.Devem ter-se por não escritos os pontos 14 e 34 dos factos provados, por configurem matéria meramente conclusiva.

  14. O registo biográfico do Autor enquanto aluno do Agrupamento de Escolas de Cabeceiras de Basto (fls. 104 e 105) evidencia uma melhoria das suas notas após o acidente, quer comparando o primeiro e o segundo períodos do ano lectivo em que o acidente ocorreu, quer comparando os anos lectivos anteriores e o ano lectivo posterior ao do acidente, pelo que não é possível estabelecer uma relação de causalidade entre o acidente e o aproveitamento escolar do Autor ou mesmo o abandono escolar.

  15. O Tribunal deveria ter julgado não...

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