Acórdão nº 6341/16.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelAFONSO MANUEL ANDRADE
Data da Resolução26 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: 1. Quando num contrato de seguro de responsabilidade civil são inseridas cláusulas não negociadas entre as partes, quer de cobertura, quer de exclusão, que pelo seu funcionamento, afastam da cobertura contratual a totalidade ou a esmagadora maioria dos danos decorrentes da actividade que se pretendeu segurar, estamos perante contrato não sinalagmático, em que apenas uma prestação (o pagamento do preço) existe e é determinável. E tal implica que se considere que as cláusulas abusivas são nulas, por aplicação do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro), mormente dos seus arts. 15º e 16º, por clamorosa violação dos ditames da boa-fé.

I- Relatório Empresa X, Lda., instaurou a presente acção sob a forma de processo comum contra Y - Companhia de Seguros, SA, pedindo que, por força do contrato de seguro celebrado entre ambas, a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 8.534,60, acrescida dos juros vincendos contados desde a citação, devidos até efectivo e integral pagamento da aludida quantia.

A Ré contestou, alegando, em síntese, que no âmbito do contrato de seguro celerado entre as partes foi convencionada uma franquia, que sempre deveria ser descontada ao montante peticionado pela A. Alega, ainda, a R. que o sinistro invocado pela A. se insere no âmbito da responsabilidade civil contratual, sendo que o contrato de seguro apenas cobre a responsabilidade civil extracontratual, pelo que nunca assistiria à A. o direito de obter da R. o pagamento da quantia peticionada. Por fim, alega a R. que os danos invocados pela A. estão excluídos do dito contrato de seguro, já que se inserem no âmbito de cláusulas de exclusão previstas nas condições particulares desse contrato. Conclui, assim, a R., em face do por si alegado, no sentido da improcedência da acção.

Houve resposta às excepções e contra-resposta.

Foi realizada audiência prévia, tenho sido proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, se identificou o objecto do litígio e se seleccionaram os temas de prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Ré Y - Companhia de Seguros, SA, do pedido contra si formulado pela autora Empresa X, Lda.

Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs o presente recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto nos artigos 644º,1,a, 645º,1,a e 647º, todos do Código do Processo Civil.

Termina as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrição): 1.

Ao abrigo do art. 644º,1,a do CPC, vem o presente recurso interposto da douta sentença de 10/08/2017, que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido; 2.

É incumbência do Juiz convidar as partes a suprir insuficiências na exposição da matéria de facto alegada (art. 590º,4 do CPC); 3.

Ao proferir a douta sentença recorrida, onde afirma que os factos alegados pelo A. são insuficientes para “concluir no sentido de que o sinistro acima aludido tivesse sido devido a dolo ou mera culpa sua”, o Tribunal abre mão de uma decisão surpresa de cujo objecto e conteúdo o A. não teve, sequer, oportunidade de se pronunciar (art. 3º,3 do CPC); 4.

O disposto nos arts. 5º,2,b e 607º,1 habilita o Juiz a ordenar a reabertura da audiência para submeter ao contraditório os factos que sejam complemento dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa; 5.

A douta sentença recorrida padece de nulidades (art. 195º,1,2 do novo Código de Processo Civil), sendo que os vícios se verificam tanto a montante da audiência de julgamento (na omissão de despacho de convite ao aperfeiçoamento da Petição Inicial), como a jusante do mesmo (na omissão de despacho de reabertura da audiência de julgamento) e também na douta sentença recorrida (com a prolação de decisão surpresa, com a qual a A. não podia razoavelmente contar); 6.

Fundando-se o pedido na celebração de um contrato de seguro e na ocorrência de um sinistro coberto pelas cláusulas daquele, incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações hipotéticas configuradas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos que são do direito de indemnização; Por seu turno, incumbe à seguradora provar os factos ou circunstâncias excludentes do risco ou aqueles que sejam susceptíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos revelem na sua aparência factual, a título de factos impeditivos; 7.

Era à Ré que competia alegar e provar que o sinistro se deveu a uma conduta dolosa e, nessa medida, não fortuita e excluída da cobertura do contrato de seguro; 8.

A A. apenas reclama da Ré os danos que, mercê da conduta dos seus trabalhadores, foram causados nas mangueiras eléctricas e hidráulicas, nas caixas que contêm os cabos eléctricos, no quadro eléctrico que está ligado aos fornos e demais objectos estranhos à empreitada danificados ou destruídos com o incêndio que deflagrou, que são absolutamente estranhos à obra.

  1. Constatando-se que durante a realização dos trabalhos os empregados da empreiteira testaram o forno de fusão e este vazou alumínio a alta temperatura (680º Celsius), que derramou sobre uma calha de conduta com mangueiras eléctricas e hidráulicas, o que deu azo a que se incendiassem, tendo o incêndio se prolongado às caixas que contêm os cabos eléctricos e as informações para os outros equipamentos e abastecedor eléctrico ao fornecimento da empresa, acabando por queimar o quadro eléctrico que está ligado aos fornos, a empreiteira incorre em responsabilidade civil extracontratual para com o dono da obra; 10.

    O Tribunal a quo confunde o erro ou omissão de quem é parte num contrato e que origina o incumprimento do mesmo, com o erro ou omissão dos denominados deveres de prevenção do perigo de dano (que também cabem na modalidade de ilicitude a que se reporta o nº 1 do art. 483º do Código Civil) que originam a violação de direitos subjectivos alheios; 11.

    A douta sentença recorrida viola os arts. 342º e 798º do Código Civil.

    A recorrida contra-alegou, sustentando a manutenção da sentença recorrida, e terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões (transcrição): 1ª.

    A douta sentença recorrida está em conformidade com a matéria de facto provada e com o direito aplicável, pelo que não merece censura.

    1. A Ré, independentemente da apelante provar o dolo ou mera culpa sua na produção do sinistro, nunca poderia ser condenada ao pagamento de qualquer quantia, uma vez que os danos causados à autora não estão cobertos pelo contrato de seguro invocado.

    2. Nos termos do disposto nos arts. 1º e 32º da Lei do Contrato de Seguro, Decreto-Lei n º72/2008, para sabermos qual o risco que o segurador cobre temos necessariamente de recorrer ao que consta da apólice.

    3. Ora, conforme resulta da matéria de facto provada, pontos 1) a 11), nenhuma dúvida de que estamos perante um caso de aplicação das regras da responsabilidade civil contratual da autora perante aquele cliente e não no domínio da responsabilidade civil extracontratual.

    4. Uma vez que, tal como consta do ponto 17) dos Factos Provados, o contrato de seguro invocado apenas “garante a responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado”, os danos descritos na presente acção sempre estariam fora do âmbito da cobertura da apólice.

    5. Por cautela, caso se entenda necessário, ao abrigo do disposto no art. 636.º, nº 2, do CPC, requer a ampliação do âmbito do recurso, nos termos que seguem.

    6. Salvo o devido respeito, entende a ora recorrida que a factualidade constante do Ponto 22) dos Factos Provados não podia ser dada como provada nos termos em que o foi, uma vez que, pelo menos, no que diz respeito à cláusula reproduzida no ponto 17) dos Factos Provados, resultou provado que o seu teor foi comunicado ao representante da apelante.

    7. Contrariamente ao exposto na douta sentença recorrida, a matéria constante do ponto 22) dos Factos Provados foi impugnada pela ora recorrida, mais concretamente em sede de audiência prévia.

    8. Sobre esta matéria, e tal como consta da fundamentação da matéria de facto, apenas depôs a testemunha Aurora Maria, arrolada por ambas as partes, que acabou por referir expressamente matéria que infirma ainda que parcialmente o que foi dado como provado no ponto 22) dos Factos Provados.

    9. Deste modo, do ponto 22) dos Factos Provados deve passar a constar: “No âmbito do dito contrato, a A. limitou-se a aceitar o clausulado acima aludido, constante das condições gerais, particulares e especiais, as quais foram previamente elaboradas pela aqui R., sendo que, pelo menos, a cláusula respeitante ao objecto do contrato de seguro (Ponto 17 dos Factos Provados) foi-lhe individualmente comunicada e explicada.” 11ª.

    Atendendo a esta alteração, sempre se teria de manter a solução de direito já atrás exposta e que por economia de tempo e espaço aqui se dá por reproduzida.

    II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se: a) o sinistro ocorrido e descrito nos factos provados é coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as partes; b) se o Tribunal devia ter proferido despacho a convidar a autora a aperfeiçoar a petição inicial, alegando factos para preencher o conceito de culpa (dolo ou negligência).

    III A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: 1.

    A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao desenvolvimento de isolantes refractários para utilização em fundições, cimenteiras, vidreiras, siderurgias, refinarias e outros.

  2. ...

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