Acórdão nº 119/15.3T8CBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | ESPINHEIRA BALTAR |
Data da Resolução | 26 de Abril de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães (1) António e Maria propuseram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. F., pedindo a condenação da Ré a reconhecer os Autores como legítimos proprietários do bem imóvel respeitante ao prédio misto denominado “Casal Xs”, descrito na Conservatória sob o nº ... e inscrito na matriz urbana no artigo 231 e na matriz rústica no artigo 219, a ser declarada e reconhecida a constituição de uma servidão, a favor do prédio dos Autores, de passagem a pé, com animais, veículos de qualquer natureza de tração animal ou mecânica por destinação de pai de família e por usucapião, a ser a Ré condenada a ver reconhecido tal direito de servidão e, em consequência, a repor o caminho na situação em que se encontrava antes das obras realizadas, a condenar a Ré a repor a faixa de terreno que destruiu com as obras por si realizadas e a retirar o aterro que colocou junto à margem esquerda do regato que divide o prédio dos Autores com o da Ré, bem como a pagar aos Autores uma indemnização pelos prejuízos sofridos pela inutilização da servidão, a liquidar em execução de sentença, acrescido de € 1.000,00 pelo dano causado com o arranque de árvores e uma cancela, e que os Autores têm direito ao uso da água existente no regato que divide ambos os prédios, assim como a indemnizá-los pela privação do uso da água.
Para tanto, os Autores alegaram que o prédio em causa, bem como o prédio denominado “Casal Y”, pertenciam a Joaquim; que ambos os prédios estão separados por um regato; que em tal regato existia um passadiço em pedra e terra, através do qual era feito o acesso ao prédio que atualmente pertence aos Autores; que em 1996 o Autor concordou com o anterior proprietário na compra do seu prédio, na condição de ser melhorado o leito do caminho de acesso a tal prédio; que durante o ano de 1997 o caminho foi melhorado e construídas manilhas na zona do regato; que posteriormente foi celebrada escritura pública de compra e venda; que o aludido prédio se encontra registado a seu favor, sob o n.º ..., e que há mais de 20 anos, por si e antepossuidores utilizam o mesmo, exercendo a posse sem a oposição de quem quer que seja; que a água do regato sempre foi utilizada pelos proprietários do terreno; que a Ré adquiriu, em 2014, o prédio denominado “Casal Y”; que a Ré procedeu à terraplanagem do terreno por si adquirido, tendo em consequência destruído a passagem, bem como as manilhas e pedras construídas pelo Autor, uma cancela e diversas árvores; e que bloqueou, com pedras, o acesso aos Autores através de tal caminho; e que tiveram prejuízos com a conduta da Ré.
Citada a Ré, veio a mesma apresentar contestação, negando a existência de um caminho de servidão e referindo que os Autores tinham acesso ao seu prédio através de outro caminho.
Foi realizada audiência prévia, na qual foram fixados os termos do litígio e os temas de prova.
Em sede de audiência prévia, os Autores apresentaram articulado superveniente, no âmbito do qual alegaram que a Ré construiu viveiros para peixes no leito do caminho, durante a pendência da presente ação, vindo tal articulado superveniente a ser admitido.
Foi requerida a prestação de depoimento antecipado da testemunha M. M., tendo a mesma sido deferida e realizada anteriormente ao julgamento.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo a mesma decorrido sob a observância de todo o formalismo legal, como da respetiva ata consta.
Em sede de julgamento, foi apresentado novo articulado superveniente, motivado pelo facto de, segundo os Autores, a Ré ter construído três portões no leito do caminho.
O articulado superveniente apresentado foi julgado improcedente, por inócuos para a apreciação da causa, sem prejuízo da apreciação dos factos constantes nos mesmos.
Foi proferida sentença que decidiu da forma seguinte: “Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação totalmente procedente e, em consequência: “
-
Declarar que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio misto denominado “Casal Xs”, abaixo da estrada, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de 40 m2 e terreno de cultivo com 35.400 m2, descrito na Conservatória sob o nº ... e inscrito na matriz urbana no artigo 231 e na matriz rústica no artigo 219; b) Declarar que o terreno se encontra delimitado, do lado nascente, por uma cancela construída pelo Autor; c) Declarar que sobre o prédio da Ré, composto por terreno culto e inculto denominado de “Casal Y, abaixo da estrada”, descrito na Conservatória sob o nº ... e inscrito na matriz nos artigos 241, 242 e 243, está constituída uma servidão de passagem para veículos de tração mecânica, pessoas a pé e animais, a favor do prédio dos Autores, por destinação de pai de família, através de um caminho em terra batida com a largura de cerca de 4 metros, com início no prédio dos Autores, passando sobre o regato existente, atravessando o prédio da Ré em toda a sua extensão, no sentido poente/nascente, até atingir o caminho público; d) Condenar a Ré a repor o caminho na situação em que se encontrava antes das obras por si realizadas e a não mais perturbar, por qualquer modo, o livre exercício de tal servidão; e) Condenar a Ré a repor a faixa de terreno que pertence ao prédio dos Autores que desaterrou com as obras por si realizadas; f) Condenar a Ré a retirar o aterro que colocou junto á margem esquerda do regato que divide os dois prédios, de modo a que tal regato fique com o mesmo percurso que tinha antes das obras por si realizadas; g) Declarar que os Autores têm direito ao uso da água existente no regato que divide o prédio dos Autores e da Ré, por serem proprietários de metade e, quanto à restante metade, pelo exercício de uma servidão constituída por destinação do pai de família; e h) Condenar a Ré a indemnizar os autores em quantia a liquidar em execução de sentença para reparação dos danos causados pela privação do uso da servidão de passagem, da água do regato e pela remoção da cancela, das árvores e danificação dos tubos de condução de água;” Inconformada com o decidido a ré interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões: “a) Considera a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade por violação do disposto nos artigos 5.°, 608.°, n.º 2 e 609.°, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, ao ter reconhecido e declarado "que os Autores têm direito ao uso da água existente no regato que divide o prédio dos Autores e da Ré, por serem proprietários de metade e, quanto á restante metade, pelo exercício de uma servidão constituída por destinação do pai de família'. (Vide ponto g) da sentença).
-
Sobre a questão da água, o Tribunal a quo propôs-se decidir "Do direito dos Autores á utilização da água existente no regato”.
-
Os Autores alegaram factos que, se provados, levariam à procedência do pedido "h) Declare e reconheça que os autores têm direito ao uso da água existente no regato que divide o prédio dos autores e da ré!' O que os Autores peticionaram foi o reconhecimento do direito a fazer uso da água do regato nos termos que vinha sendo feita pelos anteriores proprietários dos prédios rústicos que com o regato fazem margem, conforme decorre da Petição Inicial.
-
Em momento algum, os Autores alegaram factos conducentes ao reconhecimento do direito de propriedade de metade da água do regato, e factos conducentes ao reconhecimento de uma servidão por destinação do pai de família sobre a outra metade da água do mesmo regato. Nem foram feitos pedidos nestes sentidos.
-
Tratam-se de direitos com conteúdo diverso e com causas de pedir diversas - artigos 1400.°, 1305.° e 1549.° do Código Civil.
-
o Tribunal a quo, ao ter condenado em coisa diversa do peticionado, incorreu em nulidade prevista no artigo 615.°, n.º 1, e), do Código de Processo Civil. Nulidade que se requer com as legais consequências legais.
-
Considera a Apelante que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida, na atribuição de força probatória às diferentes provas, errou na sua decisão e respetiva fundamentação.
-
No que concerne à matéria de facto, encontram-se incorretamente julgados os factos vertidos na fundamentação de facto sob os pontos 3, 9, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 32 e 35 (factos provados), da sentença recorrida, porquanto deveriam ter sido julgados não provados.
-
No que diz respeito ao ponto 3 (provado), o Tribunal a quo fundou a sua convicção nos depoimentos do Autor e das testemunhas Nuno e A. V.. Sendo que o Autor prestou declarações, depois de ouvidas as suas testemunhas. Limitando-se a reiterar o que havia vertido na Petição Inicial e a tentar colmatar falhas das testemunhas por si arroladas. No entanto, não deixou de manifestar diversas contradições e de afirmar factos que são completamente destituídos de verdade e afastados de qualquer realidade.
-
Quanto às outras duas testemunhas, o primeiro é amigo desde infância do Autor, com que convive nas "tainadas", e a outra foi contratada, e paga, pelo Autor para abrir o caminho por entre o prédio "Casal Y" até ao prédio do Autor, "Casal X".
-
Com relevância para este ponto em concreto, referiu a testemunha Nuno que antes não havia nenhuma passagem e para passar de um lado para o outro tinha de saltar sobre o regato. Quando o Autor comprou o imóvel "aquilo estava tudo a monte", por fim, referiu que não havia caminho de carros de bois. Por sua vez, a testemunha A. V. apenas conhecia os imóveis por lá ter andado a fazer o caminho para o Autor. Referiu ainda que o prédio por onde abriu o caminho estava coberto de silvas e árvores mais altas que a máquina retroescavadora que usou nos trabalhos. E não dava ideia de haver trilho de caminho de carro de vacas. Mais referiu que em 1997, o prédio por onde abriu o caminho estava abandonado há mais de 30 anos. (Depoimentos com referência às concretas passagens dos mesmos que infirmam o ponto aqui em causa encontram-se identificados e descritos no corpo das...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO