Acórdão nº 653/14.2TBGMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | EUG |
Data da Resolução | 05 de Abril de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I.
RELATÓRIO F. C.
deduziu os presentes embargos de executado por apenso à execução n.º 653/14.2TBGMR em que é Exequente Banco X, pedindo a extinção da execução.
Alega, em síntese, que: - a Exequente não figura no título dado à execução e que a cessão de créditos é alheia à Embargante; - não consta da livrança qualquer endosso à exequente pelo que esta não pode acionar a Embargante; - não sabe que cálculos fez a Exequente para atingir os valores que refere, nem sabe se esses valores, e todos eles têm algum suporte legal, ou se o mútuo subjacente à livrança está vencido, e quando, ou desde quando.
Mais alega que se é verdade que a embargante terá entregue a livrança em questão ao Banco A, e se é verdade que lhe terá concedido o direito de preencher essa livrança, nos espaços em branco, já não é verdade que lhe tenha concedido o direito de a preencher sem informar previamente a embargante dos valores que apurar, nem é verdade que tenha, ao Banco A, consentido o direito - rigorosamente “intuitu personae” - de caber a outrem o direito de a preencher, não sendo admissível conceder esse direito anonimamente a um funcionário qualquer da Exequente, e menos ainda a esta, genericamente.
A Embargada veio contestar alegando ser justificado o preenchimento da livrança, atento o pacto de preenchimento que faz parte integrante do contrato, mais concretamente a Convenção de Preenchimento da Livrança em Branco com o N.º ...9 e que o embargante foi devida e efetivamente interpelado, para o domicílio convencionado, relativamente ao incumprimento do contrato, agindo com má fé.
Foi realizada tentativa de conciliação, foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido saneador-sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, decido: 9.1- julgar os presentes embargos de executado improcedentes e, em consequência, determino o prosseguimento da execução apensa contra a ora embargante.
9.2.- Custas pela executada/embargante.
9.3.- Registe e notifique, sendo a embargante para se pronunciar sobre o pedido de litigância de má-fé deduzido pela embargada.
9.4.- Informe a AE do teor da presente sentença.” Inconformado, apelou o Embargante da sentença, pugnando pela integral procedência do recurso, devendo conhecer-se das apontadas nulidades, e julgar-se, desde já, a ação executiva improcedente e não provada, ou ordenar os posteriores termos do processo, com julgamento, para aí se demonstrar qual é a quantia exequenda e se era legítima a transmissão para a exequente do direito de preencher a livrança. Conclui as suas alegações da seguinte forma: CONCLUSÕES 1- A sentença recorrida sustenta erradamente que nos embargos, o embargante “alega, em síntese, que a exequente é parte ilegítima porquanto nunca teve conhecimento da cessão de créditos que a mesma alega no requerimento executivo”, quando a verdade é que o embargante invocou a ilegitimidade da exequente, mas com base no facto de a mesma não constar do título executivo, nem de qualquer dos documentos posteriormente juntos aos autos.
2- Assim, ao fazer aquela referência e ao omitir decisão sobre as demais questões postas, cometeu a sentença a nulidade prevista pelo n.º1, al. b) do artigo 615º do Código de Processo Civil, de que importa conhecer, com as necessárias consequências, designadamente a de se julgar a sentença nula, a fim de serem conhecidas as demais questões que devia ter abordado.
3- Com efeito, alegou o embargante que a exequente não é portadora legítima do título dado à execução, uma livrança, pois desta não consta qualquer endosso a favor da mesma exequente, e no texto da petição refere-se expressamente que os factos que constituem a causa de pedir da execução “constam exclusivamente do título executivo”, e deste não consta qualquer alusão ou referência à exequente, sendo certo que a exequente teria de justificar o seu alegado direito de acionar com base na livrança, por uma série ininterrupta de endossos (artigo 16º da LULL e Vaz Serra BMJ, 61,181), questão que o tribunal devia ter abordado e conduz necessariamente à improcedência da execução.
4- Alegou ainda o embargante que, para além da insuficiência do título dado à execução, nem do contrato de trespasse nem do contrato de cessão de créditos consta qualquer referência à transmissão do crédito do Banco A para a exequente, como claramente resulta dos textos respetivos que acima se resumem, e pediu a notificação da exequente para comprovar documentalmente a invocada cessão do crédito, o que a exequente, apesar de notificada por duas vezes, não fez, pelo que a sentença não podia dar por assente, como deu, que ocorreu a indicada transmissão do crédito, e antes devia julga-la não provada.
5- O embargante, posto ante o preenchimento da livrança com os valores que dela constam, impugnou esse valor por não ter elementos para saber que cálculos foram feitos pelo exequente, pelo que também por isso o tribunal não podia considerar assente como devido o valor que foi dado à execução e pelo qual foi preenchida a livrança, pois o mesmo não pode ter-se por assente.
6- Para além disso, partindo do princípio de que a executada F. C. & Cª. Lda. entregou a livrança em branco ao Banco A, para que este a preenchesse de acordo com um pacto de preenchimento entre ambos celebrado, alegou o embargante que esse direito concedido ao Banco A devia ter-se por um direito estritamente pessoal, que só se confere em razão de grande confiança pessoal, e que, por isso, não podia ter-se transmitido para a exequente, o que ou permitia ao tribunal desde já julgar a execução improcedente, ou, no mínimo, devia levá-lo a considerar a matéria contravertida e proceder a julgamento.
A Embargada contra alegou pugnando pela improcedência do recurso. Formulou as seguintes CONCLUSÕES 1. Na acção executiva, a legitimidade das partes retira-se pela simples observação do título executivo, atendendo ao disposto no artigo 53.º do CPC. Contudo, a instauração de uma execução por pessoa que não figure no título executivo como credor não implica, necessariamente a ilegitimidade da exequente.
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Ao abrigo do disposto no artigo 11.º da LULL, verificamos que as letras e livranças podem ser transmitidas por endosso. Porém, o endosso é apenas um dos meios de transmissão de letras e livranças.
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As letras e livranças podem ainda ser transmitidas “por outro meio diferente do endosso, como é o caso da transmissão por acto entre vivos, com os efeitos de uma cessão ordinária de créditos, por sucessão mortis causa, transmitindo-se aos herdeiros a posse legítima da letra [e livrança] e do crédito que ela encerra, e por trespasse do estabelecimento, quando este abrange todo o acto do transmitente da organização comercial ou quando, no activo, se compreende a sua carteira de títulos, e também pode ser transmitia por meio de uma cessão ordinária de créditos (art.ºs 577.º e segs. Do Cód. Civil). Quando a letra é transmitida por meio de uma cessão ordinária de créditos, o cessionário adquirente da letra nunca é um endossado (um portador autónomo).” (1).
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Por escritura pública celebrada em 4 de Abril de 2011, foi celebrado um contrato de trespasse entre a ora Recorrida e o credor originário “Banco A, S.A.”. Conforme de depreende da redação da escritura, o “Banco A, S.A.” quis transmitir à Recorrida a totalidade do seu estabelecimento comercial; quiseram ainda as partes englobar os créditos do primeiro sobre terceiros na transmissão do estabelecimento.
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Conforme entendeu o douto Tribunal da Relação de Guimarães (2), que teve oportunidade de se pronunciar sobre o negócio em apreço, “o que está aqui em causa é uma cessão de créditos por efeito de um trespasse do estabelecimento comercial, que inclui esses créditos e que no caso destes operou através de um contrato de compra e venda aplicando-se a esta transmissão o regime próprio deste contrato e ainda o previsto nos arts. 577.º a 587.º do C. Civil. A transmissão verifica-se com todas as garantias do contrato, nos termos do disposto no art. 582.º, n.º 1 do C. P. Civil, desde que as mesmas não sejam inseparáveis da pessoa do cedente.” 6. A livrança em crise nos presentes autos foi transmitida para a ora Recorrida por via do contrato de trespasse celebrado com o “Banco A, S.A.”.
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A Recorrida, no próprio requerimento executivo, deduz sumariamente os factos constitutivos da sucessão, juntando, para prova do alegado, a documentação de suporte, em cumprimento do disposto no artigo 54.º, n.º 1 do CPC, sendo, assim, parte legítima na presente execução.
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Sem prejuízo do trespasse do estabelecimento comercial do “Banco A, S.A.” à Recorrida ter sido amplamente noticiado pela comunicação social – sendo, portanto, de conhecimento público e geral – e ainda, de ter o Recorrente sido interpelado para pagamento das quantias em dívida pela própria Recorrida em 2013, deverá considerar que a notificação ao Recorrente foi efectivamente realizada, pelo menos com a citação para a presente acção executiva (3).
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A douta sentença em crise não padece de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC pois o Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões levantadas pelo Recorrente, nomeadamente no que respeita à questão da legitimidade da exequente.
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O Recorrente não deduziu uma verdadeira impugnação dos valores reclamados, bastandose com uma alegação vaga e genérica de desconhecimento dos cálculos elaborados pela Recorrida.
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Aquando da celebração do contrato de mútuo e hipoteca em causa, a Executada F. C. & Ca subscreveu uma livrança em branco, avalizada pelo ora Recorrente para garantia das responsabilidades assumidas.
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A livrança em branco pode definir-se como sendo aquela a que falta algum dos requisitos indicados no artigo 75.º da LULL, mas que incorpora, pelo menos, uma assinatura que tenha sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária (4).
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O preenchimento de uma livrança em branco, condição...
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