Acórdão nº 340/16.7T8MNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução05 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A autora Banco X, CRL, instaurou, em 20-09-2016 a presente acção declarativa com processo comum contra as rés: 1ª – Terras Y – Agro-Turismo, Lda.

; e 2ª– Massa Insolvente de José, representada pelo respectivo Administrador.

Pediu que: a) seja declarada a nulidade, por vício do simulação, do contrato de arrendamento rural descrito; ou b) subsidiariamente, seja declarada a caducidade do mesmo negócio, com referência à data de compra pela autora dos prédios objecto daquele; c) sejam as rés condenadas a entregar à autora os ditos prédios; e d) bem assim, no pagamento de uma indemnização no valor mensal de €750,00, a contar de 1 de Junho de 2016, até à efectiva entrega dos prédios.

Alegou, para tanto, na petição inicial, resumindo, que em 08-06-2012 instaurou contra a ré “Terras Y” (mutuária) e réus José e seu filho J. P. (avalistas) execução (nº 258/12), na qual foram penhorados os prédios rústicos ..., 2407, 2412 e 2404, já hipotecados a seu favor desde 12-05-2004 conforme escritura do empréstimo. Em 28-02-2013 instaurou outra execução (nº 2899/12), onde foi efectuada idêntica penhora e na qual, uma vez citada para o efeito, reclamou, em 06-05-2013, o crédito de 228.859,30€ e juros. Em 10-12-2015, o réu José requereu processo de revitalização (nº 615/13), estando já designada a venda dos quatro prédios. Tendo tal processo fracassado, em 02-09-2014, aquele foi declarado insolvente. No âmbito desta insolvência, em 03-05-2016, a autora adquiriu e registou a seu favor a propriedade dos 4 prédios. Tendo querido, em 01-06-2016, deles tomar posse, foi disso impedida pelo José, com a alegação, por este, de que havia um contrato de arrendamento rural a favor da ré Sociedade, sociedade esta cuja constituição foi registada em 28-04-2009, tendo ele apresentado uma cópia do alegado contrato e dito que explorava os prédios.

Segundo o respectivo documento, tal contrato foi outorgado naquela mesma data – 28-04-2009 – e apenas participado às Finanças em 11-04-2011, intervindo nele, como outorgantes, o referido réu José, enquanto proprietário e locador, por si e como sócio-gerente da sociedade, e o réu seu filho J. P., igualmente sócio-gerente daquela, pelo prazo de 10 anos, renovável por períodos de 3, pela renda de 250,00€/ano.

Sucede que tal negócio foi combinado entre os outorgantes com o intuito de enganar os credores do José, nem este tendo querido verdadeiramente arrendar nem a Sociedade tornar-se locatária dos prédios, assim afugentando possíveis interessados na compra, permitindo eventual exercício do direito de preferência ou pelo menos que aquele (insolvente) permanecesse no prédio durante 10 anos.

Tal Sociedade fora constituída pelo José e pelo seu filho J. P., a este tendo sido cedida em 05-06-2014 a quota daquele, e as de ambos, em 10-09-2014, a Maria, a qual é estranha àquela e ao seu giro, apenas amiga do insolvente José. Jamais por tal arrendatária foi paga qualquer renda, fosse ao então senhorio José, ao Administrador da Massa Insolvente (onde os bens locados foram apreendidos) ou agora à autora adquirente destes (no respectivo processo).

A renda é manifestamente reduzida em função da rentabilidade dos prédios. Nunca a existência de tal arrendamento foi mencionada em qualquer circunstância respeitante aos mesmos. As duas hipotecas referidas foram constituídas pelo José em garantia de dois empréstimos (escritura de 12-05-2004) contraídos ante a autora aquando da compra por ele dos prédios, no respectivo contrato tendo ficado estipulado que aquele se obrigava a não locar os bens sem autorização da autora, disso estando, ele e o filho, conscientes quando formalizaram o arrendamento e, em consequência, as rés (Sociedade e Massa Insolvente).

Sendo assim, este contrato, se não nulo, sempre será ineficaz ou inoponível em relação à autora e, não tendo aquele sido registado, também terá caducado.

Recusando-se a ré Sociedade a entregar os prédios à autora e continuando ela desde 01-06-2016 a ocupá-los e a usufruir dos mesmos (1) como bem entende, está a autora, pela indisponibilidade deles e porque a Massa Insolvente também nada fez (2) para aquela lhos entregar, prejudicada na medida das rendas que poderia realmente receber se os arrendasse.

Juntou documentos.

A 1ª ré “Terras Y”, contestando, impugnou parte da factualidade alegada, salientando que não impediu a entrega dos prédios e que José apenas informou e explicou cordialmente o contrato e respectivas circunstâncias, maxime que o mesmo foi necessário devido a uma candidatura a um projecto europeu desenvolvido por ela e apresentado no âmbito do PRODER, pelo que é verdadeiro e não simulado. Acrescentou que passaram mais de cinco anos desde a sua outorga até à insolvência. Explicou que as rendas não foram pagas por acordo e em razão dos investimentos que teve de fazer nos prédios e que, além disso, não recebeu qualquer comunicação da transferência da propriedade nem instruções sobre como depositar a renda. Refutou que tenha ocorrido caducidade do arrendamento, apesar da transmissão da posição de locador. Não se verificam, quanto a si, fundamentos para ser obrigada a pagar qualquer indemnização.

Juntou documentos.

Por sua vez, a 2ª ré “Massa Insolvente”, deduzindo também oposição, impugnando a factualidade alegada. Salientou que, no âmbito do processo de insolvência, o contrato de arrendamento questionado (tal como um outro de 11-04-2011 sobre outros bens igualmente apreendidos), foi dado a conhecer aos credores, nenhum o tendo impugnado, bem sabendo, portanto, a autora, mesmo quando adquiriu os prédios, da existência de tal negócio. Não há, pois, fundamentos para lhe ser imposta qualquer indemnização.

A autora, em resposta, manteve a sua versão, impugnou a das contestantes e referiu que nunca aceitou a validade do contrato de arrendamento.

Foi fixado o valor da acção, proferido saneador tabelar – nada nele se referindo quanto à legitimidade ad causam –, indicado o objecto do processo, enunciados os temas da prova e apreciados os meios indicados para tal.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento nos termos e com as formalidades descritas na acta respectiva, no seu decurso tendo o tribunal comunicado a possibilidade de existir litigância de má-fé e haver lugar a condenação, tendo facultado às partes oportunidade de sobre o tema se pronunciarem, o que fizeram.

Por fim, com data de 19-11-2017, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

  1. Declaro nulo o contrato de arrendamento celebrado entre o insolvente José e a ré, Terras Y – Agro-Turismo, Lda., em 28 de Abril de 2009, por vício de simulação; b) Condeno a ré, Terras Y – Agro-Turismo, Lda., a entregar à autora os prédios identificados em 2), livres de pessoas e bens e em normal estado de conservação; c) Condeno a ré, Terras Y – Agro-Turismo, Lda., no pagamento à autora de uma indemnização no valor mensal de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), contada desde 1 de Junho de 2016 até efectiva entrega dos prédios descritos em 2); d) Condeno a ré, Terras Y – Agro-Turismo, Lda., no pagamento de uma multa processual no valor de quatro UC’s cada, por litigância de má-fé; e) Absolvo a ré, Massa Insolvente de José, do pedido.

    *Custas da acção pela Autora e pelas Rés, na proporção do respectivo decaimento, ao abrigo do disposto nos artigos 527.º, n.º 1, 1.ª parte e n.º 2, do Código de Processo Civil.” A ré “Terras Y” não se conformou e apelou a esta Relação, alegando e concluindo: ”1. A Mma. Juiz “a quo” julgou, em nossa opinião, incorrectamente a matéria de facto e de direito alegada nos presentes autos.

    QUESTÃO PRÉVIA 2. A A. propôs a presente acção contra a R. Terras Y, ora recorrente, e contra a Massa Insolvente, sucede que, na petição inicial da A., no decorrer da produção da prova e na própria Sentença é consecutivamente referido e apontado como responsável pela alegada simulação do contrato de arrendamento em causa nos autos o Sr. José, também diversas vezes mencionado como o Insolvente.

    1. Sucede que, o mencionado Sr. José nunca foi parte na presente acção, nunca teve oportunidade de se defender, nem de apresentar, processualmente, a sua versão dos factos, pese embora, seja constantemente apontado como responsável por ter simulado um negócio, o que em nosso entender resulta numa preterição do litisconsórcio necessário natural passivo o que determina uma ilegitimidade processual, com todas as consequências legais.

    2. Salvo o devido respeito por opinião diversa, o efeito útil normal de uma decisão judicial consiste numa ordenação absoluta da situação concreta, debatida entre as partes, no entanto, para uma boa decisão da causa em apreço e a efectiva concretização da Justiça, teria necessariamente que ter intervindo no processo o alegado e supra referido simulador.

    3. A aplicabilidade das regras de litisconsorcio necessário afere-se pela causa de pedir e pedido invocados na acção, ora com o pedido de nulidade do contrato de arrendamento, por alegada simulação do negócio, entendemos que tal acção sempre teria que ser proposta contra os eventuais simuladores sob pena de ilegitimidade processual, isto é, houve no caso em apreço insuficiência de RR.

    4. Nos presentes autos, parece existir uma confusão entre a R. Massa Insolvente com o Insolvente, mas na verdade não é a mesma coisa, a Massa Insolvente é tão só o património do devedor e destina-se à satisfação dos credores. É um património autónomo que inclui os direitos patrimoniais privados penhoráveis do Insolvente e o Administrador de Insolvência assume a representação para todos os efeitos de carácter patrimonial.

    5. Assim, para a avaliação de uma eventual simulação, é indispensável a análise da vontade real e a vontade declarada entre as partes que concretizaram o negócio, vontade essa que é um facto processual relevantíssimo em matéria de concretização da existência ou não de um...

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