Acórdão nº 447/17.3T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | SANDRA MELO |
Data da Resolução | 05 de Abril de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Autor e Apelante: José, casado, NIF …, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Barcelos, Réus e Apelados: Maria, viúva, …, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Barcelos, na qualidade de herdeira e cabeça-de-casal (cônjuge sobrevivo); F. F.
, casada, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, na qualidade de herdeira (descendente); Manuel, casado, residente no …, freguesia de …, concelho de Barcelos, na qualidade de herdeiro (descendente); P. F.
, casada, residente na Rua …, freguesia de …, concelho da Trofa, na qualidade de herdeira (descendente); M. F., maior, solteiro, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Barcelos; Autos de: (apelação em) ação declarativa constitutiva sob a forma de processo comum.
I.
Relatório O Autor pediu que seja reconhecido e decretado que é filho de Joaquim; que seja ordenado o averbamento de tal paternidade ao assento de nascimento do autor; que sejam os Réus condenados a reconhecer o autor como filho de Joaquim.
Alegou, para tanto e em síntese, que Joaquim é seu pai, falecido em 1 de Junho de 2015; que no período de conceção do Autor a sua mãe não teve relações de índole sexuais com mais ninguém, a qual chegou a confessar aos seus familiares mais próximos que aquele era o pai do Autor. Após a morte de seu pai, o Autor procurou junto da primeira Ré, viúva daquele, o reconhecimento da sua qualidade de filho e herdeiro de Joaquim; era do conhecimento geral entre vizinhos, familiares e amigos que o Autor era filho deste.
A 1ª Ré contestou, por impugnação e excecionando a caducidade do Autor.
Proferido despacho, ao abrigo do princípio da adequação formal, convidando o Autor para, querendo, em dez dias, se pronunciar, face à invocação da caducidade, veio o mesmo fazê-lo, alegando de direito e de facto, nos artigos 35º a 52º, afirmando em súmula, que “O conhecimento pelo autor, de que o finado Joaquim poderia possivelmente ser o seu pretenso pai, foi travado com a morte deste, quando em conversa com a sua mãe, esta lhe transmitiu que o seu pai havia falecido. Até essa data, a sua mãe havia omitido quem de facto seria o seu pretenso pai. Quer porque pretendia evitar o contacto do autor junto do seu pretenso pai, Quer porque ainda sentia mágoa por este a ter deixado a criar uma criança sozinha, sem nunca ter contribuído para o sustento, educação e desenvolvimento da mesma.” Tendo-se procedido a julgamento, veio a ser proferida saneador sentença com, entre outros, os seguintes dispositivos: “Por tal, e por inadmissibilidade legal, consideram-se como não escritos os factos contantes dos pontos 35 a 52 do requerimento de fls. 60 e ss.
Notifique.
… D) Da decisão.
Face ao exposto, julgo procedente a excepção da caducidade do direito do autor para apurar a sua paternidade.” O presente recurso de apelação foi interposto pela Autora, formulando as seguintes conclusões: I.
Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos de processo nº 447/17.3T8BCL, que julgou procedente a exceção da caducidade do direito do recorrente para apurar a sua paternidade, e consequentemente, absolveu os réus do pedido de investigação de paternidade formulado pelo ora recorrente.
II.
O tribunal recorrido não apreciou devidamente a factualidade e a prova carreada ao Processo, pelo que o recorrente não poderá, de forma alguma, aceitar o conteúdo da decisão que ora se coloca em crise.
III.
O conteúdo da decisão viola inúmeros direitos constitucionais, tais como o direito à identidade e historicidade pessoal do filho, direito este constitucionalmente consagrado no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito ao desenvolvimento da sua personalidade, no sentido da autodeterminação pessoal e do direito ao conhecimento das suas origens, e ainda, o direito a constituir família, na medida em que pretende ver o seu parentesco reconhecido, direito este que se encontra constitucionalmente consagrado no artigo 36º da CRP.
IV.
O Tribunal a quo ao considerar que se encontra caducado o direito do recorrente intentar a acção de investigação de paternidade, nos termos do artigo 1817º nº 1 e nº 3 al. c) do Código Civil, viola direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.
V.
Assim, tendo em conta que o teor da douta decisão poderia e deveria, eventualmente, ser outro, suscita-se e requer-se a reapreciação da mesma através do presente recurso.
VI.
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, que ora se pretende a revogação, em duas partes constituída a primeira pela “alegada ampliação da matéria de facto” por parte do recorrente, e uma segunda respeitante à caducidade do direito do recorrente em ver estabelecida a sua paternidade biológica.
VII.
Pronunciou-se quanto a um aproveitamento por parte do recorrente relativamente ao requerimento de exercício do contraditório, para, alegar factos novos quanto ao momento em que teria conhecimento de que o finado Joaquim seria efectivamente seu pai, ou seja, para do mesmo corrigir a sua petição Inicial.
VIII.
Não pode o recorrente concordar com o quanto alegado pelo Tribunal a quo, IX.
Face à possibilidade que lhe foi conferida pelo Tribunal, é certo que o recorrente pronunciou-se quanto à referida Inexistência de Caducidade, para tanto, constante de itens 1 a 34 do aludido requerimento.
X.
Contudo, pelos itens 35 a 52 do requerimento supra, não procurou o recorrente, em aproveitamento da contestação apresentada, corrigir a sua petição inicial.
XI.
O recorrente lançou mão do referido requerimento não para aditar factos novos, pois que os mesmos já eram de possível conhecimento aquando da propositura da petição Inicial, mas sim, para esclarecer o Tribunal que, de facto, o finado Joaquim é o seu pretenso pai, ainda que indirectamente se subentenda nos pontos 21 a 23 da Petição Inicial que o seu conhecimento se deu à morte do finado, e não antes.
XII.
Pois caso assim não o fosse, já muito antes o recorrente teria lançado mão dos meios judiciais por forma a efectivar o seu direito a ver constituída a sua família.
XIII.
O Tribunal fundamentou a sua decisão com base em fundamentos constantes da Petição Inicial do recorrente quando, em nenhum momento, o recorrente referiu precisamente quando obteve conhecimento de que o finado Joaquim era efetivamente seu pai.
XIV.
A retirar esse efeito conclusivo, deveria de o ser dos itens 21 a 23 da Petição Inicial, os quais apontam para um conhecimento post mortem do pretenso pai, e não como o fez o Tribunal nos pontos 24 a 26 do petitório, retroagindo esse conhecimento a muito antes, contudo não precisando o momento exato desse conhecimento.
XV.
Ao considerar o Tribunal como considerou não escrita a matéria quanto alegada no requerimento, sob itens 35 a 52, conclui-se que ficou aqui por aferir o momento exato do conhecimento, por parte do recorrente, de que o finado seria efetivamente o seu pretenso pai, para efeitos de aplicação do prazo especial da al. c) do n.º 3 do artigo 2817º do Código Civil.
XVI.
O que faz improceder o instituto da caducidade invocado em sede de contestação, não se menosprezando o facto de o recorrente ver goradas as suas expectativas de ver reconhecido no seu assento de nascimento a paternidade na medida em que, o Tribunal, ao decidir como decidiu, desconsiderou o vínculo biológico eventualmente existente, e que só seria possível apurar através do recurso a exames científicos, conforme se logrará demonstrar.
XVII.
Destarte, e ainda que se considerem como não escritos os factos constantes dos pontos 35 a 52 do requerimento apresentado pelo requerimento, o que apenas por mera hipótese académica apenas se aceita, sempre se coloca em causa o facto de o Tribunal, na sua decisão, desvalorizar a descoberta da verdade biológica do recorrente, violando dessa forma diversos princípios constitucionais relevantes no direito da família, máxime direito da filiação.
XVIII.
O nascimento, por si só, tem relevância jurídica daí que se releva de extrema importância determinar e estabelecer vínculos de maternidade e paternidade, por via do direito à filiação.
XIX.
O direito da filiação trata-se do ramo do Direito da Família que tem por objecto as relações de Filiação, os modos por que uma ou outra se estabelecem, convertendo-se os vínculos biológicos em relações jurídicas, e os efeitos que produzem, uma vez estabelecidas, em relação aos bens dos filhos.
XX.
A respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2010, no qual se refere que o direito ao reconhecimento da filiação biológica é pessoalíssimo, incluindo o direito à identidade genética, sendo irrepetível e com dimensão permissiva alcançar a história e identidade próprias, já que aquele factor condiciona a personalidade.
XXI.
Trata-se de um direito fundamental constitucionalmente consagrado como de identidade pessoal (artigo 26º nº 1 da CRP) que adquire a dimensão de desenvolvimento da personalidade e um relevante valor social e moral.
XXII.
O direito à filiação consubstancia-se assim, em vários princípios constitucionais tais como o direito a constituir família previsto e regulado pelo artigo 36º nº 1 da CRP, na medida em que todos têm o direito de ver juridicamente reconhecidos os seus laços de parentesco, a atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos (artigo 36º nº 5 CRP), a inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores, a não descriminação entre filhos nascidos do casamento e fora deste (artigo 36º nº 4 CRP).
XXIII.
Além destes princípios, existem outros tantos, com elevada relevância no estudo do direito da filiação, o que é o caso do direito à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade, previsto no artigo 26º da CRP.
XXIV.
Ainda que se possibilite diferentes modos de estabelecimento da filiação, não podem as leis dificultar, injustificadamente, o estabelecimento da filiação fora do casamento.
XXV.
A reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, procurou combater a...
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