Acórdão nº 182/16.0GAPCR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO CUNHA LOPES
Data da Resolução09 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Proc.º 182/16.0GAPCR.G1 1 – Relatório Por sentença de 20 de Março de 2 017 depositada nesse dia, foi o arguido J. F.

condenado na pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º/1 D.L. n.º 2/98, 3/1 e na pena de 4 (quatro) meses de prisão, pela prática de um crime desobediência, p. e p. pelo art.º 348º/1, b), C.P.

Em cúmulo, foi o mesmo condenado na pena única de 8 (oito) meses de prisão, com a execução suspensa por 1 (um) ano e regime de prova.

Inconformado com a decisão proferida, recorreu o referido arguido. Sintetiza a sua discordância, nas seguintes conclusões constantes do recurso: A.

“O Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, na pena única, em cúmulo jurídico, de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 12 (doze) meses, acompanhada de regime de prova.

B.

O presente recurso tem como objecto toda a matéria da sentença condenatória proferida nos presentes autos.

C.

Salvo o devido respeito, não podia o tribunal recorrido ter dado como provados os factos: 2; 3; 4; 6 e 7 - concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados, em obediência ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal).

D.

O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de desobediência, porquanto, no dia 20/10/2016, conduziu o ciclomotor com a matrícula GM, que, em 16/04/2012 (ou seja, mais de 4 anos e meio antes) havia sido apreendido, no âmbito de um processo de contra-ordenação estradal, por circular sem seguro de responsabilidade civil, tendo o Recorrente sido designado seu fiel depositário (artigo 162.º, n.º 1, alínea f), do CE).

E.

O artigo 162.º, n.º 2, do Código da Estrada preceitua que: “Nos casos previstos no número anterior, o veículo não pode manter-se apreendido por mais de 90 dias devido a negligência do titular do respetivo documento de identificação em promover a regularização da sua situação, sob pena de perda do mesmo a favor do Estado” (negrito e sublinhados nossos).

F.

De acordo com o auto de apreensão do ciclomotor junto a fls. 36, que o tribunal a quo valorou positivamente em sede de motivação de facto, resulta que: “O veículo não pode manter-se apreendido por mais de 90 dias devido a negligência do titular do Documento de Identificação do Veículo em promover a regularização da situação, sob pena de perda a favor do Estado (art. 162º nº 2 e 3 do CE)” – sublinhado nosso.

G.

Ora, no caso em análise, tendo o ciclomotor sido apreendido em 16/04/2012, a apreensão só podia manter-se até ao dia 15/07/2012.

H.

Em resumo, de 15/07/2012 em diante, o ciclomotor deixou de estar legalmente apreendido, motivo pelo qual deixou, concomitantemente, de existir ordem de não circulação válida e legítima.

I.

Não é aceitável, de um ponto de vista jurídico-penal, que, passados mais de quatro anos e meio, se exija de alguém, que, ainda por cima, foi notificado do teor do auto de apreensão supra (“O veículo não pode manter-se apreendido por mais de 90 dias devido a negligência do titular do Documento de Identificação do Veículo em promover a regularização da situação, sob pena de perda a favor do Estado (art. 162º nº 2 e 3 do CE)” – sublinhado nosso) que considere válida a ordem de apreensão.

J.

Em consequência, por não estarem preenchidos os elementos do tipo objectivo de ilícito do crime de desobediência, mormente a “legalidade substancial do comando”, tem o arguido forçosamente que ser absolvido.

oOo K.

Mas, mais ainda, no caso em apreço, não sendo o Recorrente titular de licença de condução (motivo, aliás, pelo qual foi condenado), jamais o mesmo poderia ter celebrado qualquer contrato de seguro para o referido ciclomotor de que é proprietário, pelo que não é correcto afirmar, como efectuado na douta sentença (em linha com a jurisprudência vertida no Acórdão do TRC de 08/10/2014), que “a apreensão fundada em falta de seguro apenas cessa quando for efectuada perante a administração prova da efectivação do seguro”.

L.

Com efeito, a apreensão fundada em falta de seguro apenas cessa quando for efectuada perante a administração prova da efectivação do seguro, no caso de acidente (artigo 162.º, n.º 6, do CE), o que não se verifica no caso em análise.

M.

Por outro lado, importa salientar que em 22/05/2013 foi proferida pela ANSR decisão no âmbito do processo de contra-ordenação, pelo que, salvo melhor opinião, caso não tivesse cessado antes a apreensão do veículo, sempre cessaria nesta data, ou, pelo menos, em 17/10/2015, data em que o processo foi anulado por prescrição (fls.

.. – Fax da Unidade de Gestão de Contra-Ordenações de 13/03/2017 – registo de entrada 1438980, página 10), pelo que, também por estes motivos, teria o arguido que ser absolvido. A apreensão não pode, com o devido respeito, durar ad aeternum… N.

Em face do exposto, não podiam ter sido dado com provados os factos acima assinalados (2; 3; 4; 6 e 7), sendo que, para além disso, deveria constar dos factos provados que “o arguido até ao momento não outorgou tal contrato [de seguro]” (o que apenas consta no enquadramento jurídico-penal da sentença - folha 9 da sentença), bem ainda que o processo de contra-ordenação em causa foi “anulado por prescrição” (fls.

.. – Fax da Unidade de Gestão de Contra-Ordenações de 13/03/2017 – registo de entrada 1438980, página 10).

O.

O Recorrente entende, pelo exposto, que deve ser absolvido pela prática do crime de desobediência.

oOo P.

Por extrema cautela de patrocínio, importa referir que, mesmo que em teoria se mantenham tal e qual os factos constantes na sentença recorrida, o que apenas se admite por extrema cautela de patrocínio, a pena aplicada (pena de prisão) é completamente desproporcional, e, por isso, ilegal, por violação dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.

Q.

Embora as finalidades de prevenção geral relativamente ao crime de condução sem habilitação legal sejam relevantes, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao crime de desobediência, que, salvo o devido respeito, não é factual, conforme consta da douta sentença que se recorre, que se note “um aumento deste tipo de criminalidade no nosso país”.

R.

Com feito, segundo as estatísticas oficias que possuímos não se assiste a qualquer aumento deste tipo de crime: (crimes contra o estado - Fontes/Entidades: DGPJ/MJ, PORDATA - http://www.pordata.pt/Portugal/Arguidos+total+e+por+categoria+de+crime+(1984+)-262).

S.

Relativamente às finalidades de prevenção especial, não se descurando as condenações anteriores, importa sublinhar que as mesmas se encontram extintas pelo cumprimento.

T.

Neste cenário, entendemos ser a pena de multa aquela que de forma adequada e suficiente, preenche as finalidades de punição, acautela os bens jurídicos e previne a possibilidade de comentimento de novos factos ilícitos pelo arguido.

Termos em que e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se o Recorrente pelo crime de desobediência e condenando-se o mesmo numa pena de multa relativamente ao crime de condução sem habilitação legal”.

Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça! Contra-alegou ainda em 1ª instância, o M.P.

Em síntese, considera que não foi cometido qualquer erro na fixação da matéria de facto, que a subsunção do caso dos autos ao Direito está feita corretamente e que a pena foi escolhida de forma ajustada. Propugna pois, pela improcedência do recurso apresentado, na íntegra.

Já neste Tribunal da Relação, foi aberta vista ao M.P.

No seu parecer, o Dignm.º Procurador Geral Adjunto pronuncia-se pela improcedência integral do recurso. Com efeito, afirma que o recorrente não identifica os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, nem as provas concretas em que se apoia, não cumprindo os ónus de que trata o art.º 412º/3 C.P.P. Considera ainda que a apreensão de veículo em contra-ordenação estradal se distingue da própria contra-ordenação, pelo que aquela pode persistir enquanto não removida a causa que a determinou independentemente do determinado quanto ao processo contra-ordenacional. Sustenta ainda, que a pena está corretamente fixada. Defende pois, a improcedência integral do recurso.

Notificado nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P.

, o arguido não respondeu.

O recurso vai ser julgado em conferência, como o impõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentação Para uma melhor dilucidação do caso concreto, transcrever-se-á de seguida e na íntegra, a sentença recorrida: “I – RELATÓRIO.

O Ministério Público deduziu acusação, em processo comum e para julgamento perante Tribunal singular contra J. F., solteiro, desempregado, filho de … e de …, natural de …, nascido em …, com residência na …, Paredes de Coura, imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

*O arguido não contestou nem arrolou testemunhas.

*Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação e decisão da causa e de que cumpra conhecer.

*Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, conforme se vê da acta do julgamento.

*II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

  1. Factos provados: 1.

    No dia 16 de Abril de 2012, no âmbito do processo de contra-ordenação com o n.º 275517179, o ciclomotor com a matrícula GM foi apreendido por circular sem seguro de responsabilidade civil, 2.

    Nessa altura, o arguido ficou como fiel depositário do mesmo, ficando ciente que não o podia remover, alterar o estado, utilizar, alienar, destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer outra forma, enquanto estivesse à sua guarda, sob pena de, não o...

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