Acórdão nº 108429/17.2YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDA PROEN
Data da Resolução15 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.

Na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que corre termos no Juízo Local Cível de Fafe, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob n.º 108429/17.2YIPRT, em que é autora Águas X, S.A. e réu José, foi proferida decisão que julgou aquele Juízo Local Cível de Fafe do Tribunal Judicial de Braga materialmente incompetente para conhecer da presente acção e, em consequência, absolveu o réu da instância.

Nestes autos, a autora Águas X, S.A., pediu a condenação do réu José a pagar-lhe a quantia global de € 899,31, correspondendo a € 738,87 de capital, € 56,99 de juros de mora, € 52,45 de outras quantias e € 51,00 de taxa de justiça paga.

Invocou, para tanto e em síntese, que forneceu ao réu os serviços públicos essenciais de água e saneamento constantes das facturas que identifica cujo pagamento não foi efectuado pelo réu.

Suscitando-se a excepção da incompetência material desse Juízo Local Cível de Fafe para conhecer da presente acção, foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto a esta matéria, nada tendo as mesmas dito ou requerido.

Foi então proferida decisão, a 10.09.201818, com o seguinte teor: “…Cumpre, assim, apreciar e decidir qual o Tribunal competente para conhecer da presente acção.

Os Tribunais Judiciais têm uma competência residual, porquanto são competentes para conhecer as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (cfr. artigo 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, artigo 64.º do Código de Processo Civil e artigo 40.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário). Por sua vez, compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (cfr. artigo 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa), mais concretamente, os litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (cfr. artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

A competência de um Tribunal afere-se em função da identidade das partes, do pedido e da causa de pedir tal como é configurada pelo autor na petição inicial, fixando-se no momento em que acção é proposta (cfr. artigo 38.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário e artigo 5.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

Volvendo ao caso em apreço, verificamos que pretende a autora com a presente lide, cobrar quantias atinentes a serviços públicos de água e saneamento prestados ao réu. Ora, a sociedade autora ÁGUAS X, S.A. é concessionária do serviço público de saneamento, ademais, do Município Y e, nessa medida, actua em substituição deste Município, tratando-se, assim, inequivocamente, de uma entidade particular no exercício de um poder público e actuando com vista à realização de um interesse público (cfr. artigos 13.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro e 9.º do Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de Maio). Com efeito, os municípios dispõem de atribuições, ademais, no domínio do saneamento básico, em conformidade com o disposto no artigo 23.º, n.º 2, alínea k), da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, sendo certo que a ligação dos utilizadores ao sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento é obrigatória (cfr. artigo 3.º, n.º 6, do citado Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de Maio). Sem prejuízo das aludidas atribuições dos municípios, podem tais serviços de saneamento ser geridos por entidades privadas, através de contrato de concessão, como sucedeu, in casu, com a sociedade autora. Todavia, a circunstância de um serviço público passar a ser gerido por uma entidade privada, não faz com que perca a sua natureza de serviço público, continuando o concessionário a desempenhar uma função pública, implicando a concessão apenas uma transferência temporária do exercício dos direitos e poderes da pessoa colectiva de direito público necessários à gestão do serviço pelo concessionário, mas permanecendo, todavia, a titularidade desses direitos e poderes na entidade concedente (vide, Marcello Caetano in “Manual de Direito Administrativo”, 9.ª edição, vol. II, páginas 1099 e 1100). Acresce que se nos afigura que as quantias peticionadas pelos serviços de água e saneamento, consubstanciam verdadeiras tarifas unilateralmente fixadas e reguladas por normas de direito público (cfr. artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de Maio). Por conseguinte, considerando a concreta natureza da relação jurídica em crise nestes autos – pretendendo a autora, enquanto sociedade concessionária de serviços públicos essenciais de água e saneamento, cobrar a um utente a quem alega ter prestado esses serviços, tarifa relativa aos mesmos –, e na senda do entendimento jurisprudencial largamente maioritário e mais recente, afigura-se-nos que a matéria em causa nestes autos insere-se no âmbito dos litígios cuja apreciação compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais, mais concretamente, aos Tribunais Tributários, nos termos previstos nos artigos 1.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, alínea d), e 49.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (vide, em sentido idêntico, Acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 19.06.2014, processo n.º 022/14, e de 30.10.2014, processo n.º 047/14, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 04.11.2015, processo n.º 0124/14, de 17.05.2017, processo n.º 01174/16 e de 31.05.2017, processo n.º 0441/17, Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 28.06.2013, processo n.º 02708/11.6BEPRT, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.07.2014, processo n.º 1396/12.7TBFAF.G1, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.01.2017, processo n.º 106973/15.5YIPRT.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt). Concluímos, assim, ser este Juízo Local Cível de Fafe do Tribunal Judicial da Comarca de Braga materialmente incompetente para conhecer da presente causa.

A incompetência absoluta em razão da matéria configura uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso e que tem por consequência a absolvição do réu da instância (cfr. artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea a), e 578.º, todos do Código de Processo Civil).

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se declarar este Juízo Local Cível de Fafe do Tribunal Judicial da Comarca de Braga materialmente incompetente para conhecer da presente acção e, em consequência, absolver o réu da instância.

Custas a cargo da autora, fixando-se o valor da causa em € 848,31 – cfr. artigos 297.º, n.ºs 1 e 2, 306.º, n.ºs 1 e 2, 527.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.” *Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a autora, a qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões: “A. A Recorrente assume a exploração e a gestão do sistema de águas da região do Noroeste, em resultado da celebração de um Contrato de Parceria entre o Estado Português (Administração Central) e os Municípios de (...).

  1. A exploração e a gestão do sistema em “baixa” são realizadas em exclusividade pela Recorrida em regime de parceria, nos termos da na alínea c), do n.º 2 do Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril e do Contrato de Parceria e do Contrato de Gestão.

  2. Os Municípios, supra mencionados, delegaram no Estado, as respectivas competências municipais relativas à gestão e exploração dos serviços públicos de abastecimento de água para consumo público e saneamento de água residuais urbanas aos utilizadores finais.

  3. O Recorrido outorgou...

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