Acórdão nº 642/16.2T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Novembro de 2018
Magistrado Responsável | MARGARIDA SOUSA |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: Maria intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Rui e G. M. peticionando o seguinte: - Serem os Réus condenados a cumprir o acordo/pacto contratual, transmitindo a titularidade do prédio urbano melhor identificado no ponto 10.º da petição inicial para a sua esfera jurídica, ordenando-se o consequente averbamento de tal propriedade no registo predial a seu favor; ou, - Serem os Réus condenados a pagar-lhe o valor do prédio que quantifica pela quantia mínima de € 642.180,00 (seiscentos e quarenta e dois mil cento e oitenta euros), sem prejuízo de se vir a apurar que o real valor do mesmo é superior.
Em ordem a sustentar a sua pretensão, em síntese, a Autora alegou ter celebrado um acordo verbal com os Réus, nos termos do qual aqueles se obrigaram perante si a adquirir a terceira pessoa, por compra e venda, o direito de propriedade sobre o prédio urbano situado na freguesia de ..., do concelho de Bragança, descrito na Conservatória do Registo de Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o art. ....º, e, bem assim, a transmitir-lho em seguida logo que a mesma o solicitasse.
Segue dizendo que, na execução do sobredito acordo contratual, por escritura pública de compra e venda outorgada em 20 de Novembro de 2011, agindo em nome próprio mas por conta da autora, o Réu marido adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio urbano supra descrito, o qual passou a integrar o património comum do casal de Réus, em virtude do regime de bens do casamento.
Sucede porém que, ao arrepio da obrigação que assumiram, sem razão para tal, os Réus recusam-se a transferir para a aqui Autora, o direito de propriedade sobre o referido imóvel que adquiriram, causando-lhe um prejuízo equivalente ao valor real do prédio em questão, que não é inferior ao valor patrimonial tributário, ou seja, 642.180 € (seiscentos e quarenta e dois mil cento e oitenta euros), que corresponde ao valor do enriquecimento ilegítimo dos réus.
Regular e pessoalmente citados para os termos da ação, com as necessárias cominações legais, os Réus não ofereceram contestação no prazo legal de que dispunham para o efeito.
Em face disso, ao abrigo do disposto no art. 567º, n.º1, do Código de Processo Civil, o tribunal considerou confessados os factos alegados pela Autora. (vide despacho de fls. 93) Foi, depois, proferida sentença que decidiu: - Julgar improcedente o pedido (que se entende principal) aduzido pela autora de condenação dos réus a cumprir o acordo/pacto contratual, transmitindo a titularidade do prédio urbano melhor identificado no ponto 10.º da petição inicial para a sua esfera jurídica, ordenando-se o consequente averbamento de tal propriedade no registo predial a seu favor, e, em consequência, absolver os réus Rui e G. M. de tal pedido; - Julgar parcialmente procedente o pedido, que se entende, subsidiário, e, em consequência: * Condenar os réus Rui e G. M. a pagar à autora Maria a quantia de €140.000,00 (cento e quarenta mil euros); e, * Absolver os réus Rui e G. M. da parte restante do pedido subsidiário aduzido pela autora Maria.
Inconformada com a referida sentença, a Autora interpôs recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1.ª- A sentença de que se recorre, padece, com todo o respeito pelo tribunal a quo, de uma errónea interpretação e aplicação do direito, face à matéria de facto dado como provada, por força da não contestação da acção por parte dos aqui Apelados.
-
- Entendendo a referida sentença que o contrato em causa entre as partes não foi um contrato fiduciário, mas sim um mandato sem representação, vem a mesma condenar os Réus no pagamento à Autora da quantia de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros), por se entender ser esta a medida do enriquecimento daqueles.
-
- Com todo o respeito que merece – que é muito – a decisão enferma de um claro erro na quantificação do enriquecimento dos Réus, com o qual a Autora não se pode conformar, como não se conforma.
-
- Na verdade, deu como provado a referida sentença que valor real do prédio em causa nos autos é, pelo menos, de € 642.180,00 (seiscentos e quarenta e dois mil cento e oitenta euros), que já o era no momento da celebração da escritura.
-
Considerando depois que o prejuízo causado à Autora se traduz, no valor que a Autora não teria gasto caso não tivesse outorgado o contrato de mandato sem representação, que a sentença considera existir, com os Réus, ou seja, € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros).
-
- Mais uma vez com todo o respeito, não se pode concordar com tão enviesada construção jurídica.
-
- Para a sentença recorrida – e para o senhor juiz que a profere – já não existirá «uma situação geradora de desequilíbrio e de benefício elevado e completamente injustificado» quando alguém que incumpre uma obrigação se locupleta de um bem por menos de um quarto do seu real valor.
-
- Por outras palavras, o facto de a Autora vir exigir uma indemnização correspondente ao valor real do bem de que se viu – ilicitamente – despojada gera desequilíbrios e benefícios elevados e completamente injustificados.
-
- Já o facto de os Réus ficarem – ilicitamente – com a propriedade de um determinado bem por menos de um quarto do seu real valor é uma situação justa, equilibrada e completamente justificada.
-
- Caso para se dizer: A ilicitude compensa! 11.ª- Daí que, com todo o respeito, consideremos a construção jurídica subjacente á sentença proferida absolutamente distorcida – ELA É O CONTRÁRIO DAQUILO QUE O DIREITO DEVE SER! 12.ª- A Autora não ficou apenas despojada do valor que pagou pelo prédio, não sendo por esse valor que tem de ser indemnizada; a Autora ficou foi despojada do prédio que os Réus se tinham obrigado a transferir para a sua esfera jurídica – veja-se ponto 14) dos factos provados – e cujo valor é, pelo menos de € 642.180,00 (seiscentos e quarenta e dois mil cento e oitenta euros) – cf. ponto 25) dos factos provados.
-
- O dano sofrido pela Autora não foi o valor que pagou pelo prédio; o dano sofrido pela Autora traduz-se no valor do prédio que a mesma hoje não tem, pela conduta ilícita dos Réus 14.ª- Na óptica, e seguindo a construção jurídica subjacente à sentença proferido pelo tribunal a quo, se o negócio que os Réus outorgaram em nome da Autora tivesse sido um negócio gratuito – uma doação, por exemplo – a Autora não teria sofrido qualquer dano, uma vez que nada tinha desembolsado pelo prédio.
-
- Por outro lado, a Autora pagou ainda «todas as despesas concernentes ao referido negócio e as demais posteriores» - cf. ponto 12) dos factos provados.
-
- Quer isto dizer que a Autora pagou os emolumentos devidos pela escritura, pelo registo e ainda todas as obrigações fiscais.
-
- Que, para a sentença recorrida não consubstanciam um dano sofrido pela Autora, e, consequentemente, não merece a Autora ser indemnizada pelo mesmo.
-
- Pensamento que viola todas as regras, normas e princípios vigentes neste Estado de Direito, que ainda é Portugal.
-
- Com o qual a Autora não se pode conformar e é dever do direito, na suprema realização da justiça, afastar.
Por outro lado, 20.ª- Note-se que à obrigação de indemnização a cargo do devedor faltoso são aplicáveis as disposições dos artigos 562.º e ss. do Código Civil – Código Civil Anotado – Volume II, Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, 4ª edição, página 53, 21.ª- E que, nos termos do disposto no artigo 564.º do Código Civil, o prejuízo indemnizável compreende o dano emergente e o lucro cessante.
-
- É absolutamente provável e expectável que a Autora viesse a vender o prédio em questão nos autos, pelo seu real valor, ou seja, € 642.180,00 (seiscentos e quarenta e dois mil cento e oitenta euros).
-
- Pelo que, também por esta razão, deve a indemnização devida à Autora ser computada no referido valor de € 642.180,00 (seiscentos e quarenta e dois mil cento e oitenta euros).
-
- Deve, pois, a sentença proferida ser revogada e substituída por decisão que condene os Réus a pagar à Autora a quantia de € 642.180,00 (seiscentos e quarenta e dois mil cento e oitenta euros).
Sem prescindir: 25.ª- Não existem dúvidas que, existe um enriquecimento dos Réus e que esse enriquecimento foi feito à custa da Autora.
-
- O valor do enriquecimento dos Réus e, consequentemente, o valor do empobrecimento da Autora cifra-se em € 642.180,00 (seiscentos e quarenta e dois mil centos e oitenta euros).
-
- Sendo absolutamente espantoso (para não dizer outra coisa) que se afirme, como se faz na sentença recorrida, que o enriquecimento dos Réus, correspondente à diferença entre o valor real do imóvel e aquele que têm de pagar à Autora tenha uma causa justificativa, quando se dá como provado que estes se obrigaram a transmitir a propriedade do prédio para a Autora, quando esta determinasse.
-
- Inexistindo razão, na óptica da sentença proferida em primeira instância, para ressarcir a Autora à luz do enriquecimento sem causa.
-
- Acontece que o enriquecimento não é – nem pode ser - justificado por causas ilícitas e contrárias à boa-fé, violadoras das mais elementares regras e normas legais.
-
- No caso dos autos, como já por mais de uma vez se referiu, existe um enriquecimento dos Autores, sendo que o valor desse enriquecimento nunca será inferior ao valor real do prédio, que se provou ser € 642.180,00 (seiscentos e quarenta e dois mil cento e oitenta euros).
-
- Este enriquecimento não tem causa justificativa, desde logo porque o direito não aprova nem consente a conduta dos Réus – como não poderia nunca consentir.
-
- Tal enriquecimento foi, reitera-se, conseguido à custa da Autora.
-
- E, caso se entenda que esta indemnização não deva ser arbitrada pelo incumprimento dos Réus da obrigação a que se vincularam perante a Autora, não poderá a mesma deixar de ser arbitrada a título de enriquecimento sem causa, com carácter subsidiário.
-
- Pelo que se encontram preenchidos os requisitos do enriquecimento...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO