Acórdão nº 2395/17.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA PURIFICA
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

RELATÓRIO A presente acção declarativa comum foi intentada por Massa Insolvente de P. M. contra I. C., J. R. e C. A. pedindo que seja: - declarado nulo o negócio de doação do prédio rústico, denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de € 3.000,00, celebrado pelo insolvente a favor da 1ª ré.

- declarada a oponibilidade da nulidade declarada nos termos referidos na alínea anterior, em relação aos segundos réus, devendo estes restituir o bem em causa, com o consequente cancelamento dos registos de aquisição efectuados.

A fundamentar estes pedidos alegou em síntese a simulação da doação efectuada por P. M. à sua filha, aqui 1ª ré, do prédio rústico denominado "X", com a consequente nulidade daquela doação e do subsequente contrato de compra e venda celebrado em 30 de Março de 2015. No âmbito do processo de insolvência de P. M. o negócio de doação foi declarado resolvido em benefício da massa insolvente relativamente à ré I. C., que impugnou judicialmente, sem sucesso, essa resolução. Contudo, no âmbito dessa insolvência os ora réus J. R. e C. A. também impugnaram a resolução do negócio referido em 2), na qualidade de terceiros adquirentes, tendo essa a acção logrado a procedência. Daí que, tendo havido divergência entre a vontade real e a declarada no âmbito da doação, pretenda agora a massa insolvente obter a declaração de nulidade, com os efeitos daí decorrentes para os terceiros adquirentes, independentemente da sua boa ou má-fé, atenta a data da celebração do contrato de compra e venda.

Os réus apresentam contestações.

Com relevo defende a ré I. C. que a decisão proferida no âmbito das impugnações da resolução em benefício da massa ainda não transitou em julgado. Mais alegou que a massa insolvente tem bens suficientes para satisfazer a totalidade dos créditos do insolvente, seu pai, que, na verdade, não deveria ter sido como tal declarado, já que apenas se apresentou à insolvência com o intuito de a prejudicar, não se mostrando incapaz de cumprir as obrigações vencidas, como seria exigível àquela declaração. Esclareceu também que actualmente está em conflito com o pai, mas que a doação foi querida na altura por ambos, acrescentando que seria muito ingénuo simular esse negócio, criando evidentes facilidades para quem o quisesse impugnar, dada a relação pai/filha.

Os réus J. R. e C. A. defendem-se dizendo que as declarações de vontade emitidas aquando da compra e venda correspondem à vontade real das partes, esclarecendo que desconheciam as circunstâncias em que a doação foi efectuada à 1ª ré, bem como a situação patrimonial do insolvente, não tendo pretendido prejudicar credor algum.

Na sequência da contestação da ré I. C. a autora pediu a respectiva condenação como litigante de má-fé.

A 1ª ré pronunciou-se no requerimento de fls. 122 ss.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que terminou com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, o tribunal julga a acção totalmente procedente e, em consequência: i) Declara nula a escritura pública datada de 19 de Setembro de 2013, na parte em que P. M. declarou doar à sua filha I. C., aqui 1ª ré, o prédio rústico denominado "X", composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de € 3.000,00.

ii). Declara aquela nulidade oponível aos réus J. R. e C. A., ficando estes obrigados à entrega do referido prédio à ora autora.

iv).

Determina o cancelamento das inscrições correspondentes à doação do prédio referido em 1) e à venda do mesmo aos réus J. R. e C. A..

v). Condena a ré I. C. como litigante de má-fé, numa multa de valor correspondente a 6 (seis) U.C. Não há lugar a qualquer condenação da autora ou dos demais réus a título de litigância de má-fé.

Custas pelos réus – art. 527, nº1, do Código de Processo Civil.

Notifique, comunique à Conservatória do Registo Predial e registe.

Inconformados com o assim decidido os réus I. C. e J. R. e Esposa interpuseram o vertente recurso de apelação, cujas alegações encerram com as seguintes conclusões (transcrição): a).

Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., que julgou a acção procedente e em consequência: a).

Declarou nula a escritura pública datada de 19 de Setembro de 2013, na parte em que P. M. declarou doar à sua filha I. C., o prédio rústico denominado “X”, composto de terreno, sito no lugar (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o numero (...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de €3.000,00.

b).

Declarou a nulidade oponível aos réus J. R. e C. A., ficando estes obrigados à entrega do referido prédio à ora autora.

c). Determinou o cancelamento das inscrições correspondentes à doação do prédio referido em 1) e à venda do mesmo aos réus J. R. e C. A..

d). Condenou a ré I. C. como litigante de má-fé, numa multa de valor correspondente a 6 (seis) unidades de conta.

b).

Porém, entendem os apelantes que tal decisão não está correcta, tendo o Meritíssimo Juiz “a quo”, incorrido além do mais, em erro de julgamento e violação do caso julgado; c).

Nos autos, não se verifica ter sido proferido despacho tabelar quanto à legitimidade das partes e constituindo a falta de legitimidade de alguma das partes, uma excepção dilatória, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, sendo a mesma do conhecimento oficioso, cf. artigos 576º, 577º e 578º do CPC.; e).

Sem prejuízo da falta de tal despacho tabelar, é facto que se depreende que o Tribunal “a quo” considerou existir legitimidade das partes, tanto mais face á audiência prévia que teve lugar em 09/11/2017 e na qual foi além do mais proferido despacho saneador; f).

Como resulta do art.º 595.º, n.º 3 do CPC (redigido em termos semelhantes ao art.º 510.º, n.º 3 do anterior CPC), só constitui caso julgado formal a apreciação e decisão, no despacho saneador, das excepções dilatórias e das nulidades processuais suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso.

“O despacho saneador tabelar ou genérico quanto à verificação dos pressupostos processuais não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade” – Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-09-2006, no proc. 0633963 (www.dgsi.pt).

g).

Pelo que, sempre esta situação pode ser agora apreciada em sede de recurso.

h).

Entende-se que a Massa Insolvente carece de legitimidade, pois homologado o plano de insolvência como aqui aconteceu, a Massa Insolvente deixa de ter interesse na prossecução da acção para a declaração da nulidade de negócios jurídicos celebrados pelo insolvente; i). Por outro lado, estabelecendo um paralelismo entre a acção de arguição de nulidade no negócio por simulação e a impugnação pauliana, também é patente a falta de legitimidade do administrador da massa insolvente, para a instaurar e nela intervir; j).

Actualmente, face ao CIRE, aproveitando a procedência da acção pauliana somente ao credor impugnante, o administrador de insolvência carece de legitimidade para deduzir este tipo de acções ou nelas intervir; k).

E, fazendo um paralelismo entre a acção de arguição de nulidade no negócio por simulação e a impugnação pauliana, é patente a falta de legitimidade do administrador da massa insolvente, para a instaurar e nela intervir, o que podia e devia ser considerado pelo Tribunal “a quo”; l).

Para o caso de assim não se entender, sempre a decisão proferida é errada e padece de outros vícios legais, como a admissão e valoração de prova que a lei proíbe e ainda a violação da autoridade do caso julgado; m). Na verdade, mesmo que se entenda que a Massa Insolvente e ou o insolvente, pode arguir a nulidade do negócio simulado, nos termos do artigo 242º, nº 1 do C.C., importa considerar que existe uma identidade entre a massa insolvente e o insolvente, pois a transmissão/conversão dos bens do insolvente em massa insolvente não confere a esta massa uma identidade distinta para efeitos de arguição de nulidade. Aliás, nos termos dos artigos 81º, nº 4 e 82º do CIRE, tendo o administrador a exclusiva responsabilidade para propor e fazer seguir acções, por os poderes de que o insolvente é privado lhe serem atribuídos a ele, o administrador passa a ser o seu representante, podendo ser-lhe opostos todos os meios de defesa que lhe seja licito invocar contra o insolvente, sem se protestar que esses meios não podem já ser invocados por a massa insolvente e o insolvente serem pessoas e patrimónios distintos; n).

Esta situação tem todo o relevo, dado que esta acção de arguição de nulidade do negócio por simulação, embora intentada pela massa insolvente é efectivamente uma acção intentada pelo próprio insolvente, ou seja, o alegado simulador; o).

Com efeito, o nº 2 do artigo 394º do CC proíbe a prova testemunhal quanto ao acordo simulatório e também quanto ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores; p). Sendo inequívoco que a simulação é invocada pelo próprio simulador (o insolvente representado pelo administrador da massa insolvente), a regra da proibição de prova imposta naquele normativo tem aqui a sua aplicação, obstando assim, que possa ser positivamente valorada prova testemunhal para comprovação da existência do acordo simulatório, existindo o obstáculo legal à valoração do depoimento de quem interveio nesse acordo, como aqui sucede com o insolvente; q) Ao Tribunal “a quo” estava...

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