Acórdão nº 10/10.0GBPVL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução05 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 10/10.0GBPVL, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo de Competência Genérica de Amares, por despacho de 16-05-2014, apenas notificado ao arguido A. O. em 06-06-2018, o Mm.º Juiz determinou, ao abrigo do disposto no art. 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal, a revogação da suspensão da execução da pena aplicada e determinou que o mesmo cumpra a pena de 2 anos e 6 meses de prisão fixada na sentença.

  1. Inconformado com esse despacho, o arguido interpôs o presente recurso, concluindo a sua motivação nos seguintes termos (transcrição): «CONCLUSÕES: 1º Nos presentes autos, a Mmª Juíza “a quo” fundamentou a douta decisão ora em crise, com base na falta de colaboração do arguido com a DGRSP e nas tentativas frustradas de notificação, através de OPC, na morada indicada pelo Arguido, considerando ter havido violação do disposto no artº 56º, do C. Penal.

    1. Decorre do disposto nos artºs 55º e 56º, do C. Penal, que a “ratio” da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão reside no prognóstico favorável, feito pelo tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias dos factos, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, acompanhada ou não da imposição de deveres ou regras de conduta, sejam bastantes para o afastar da delinquência e satisfazer as necessidades da punição.

    2. Da análise destes normativos, resulta inequivocamente que só se justifica alterar ou revogar a suspensão da execução da pena de prisão, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, quando houver culpa do arguido, no incumprimento da obrigação, sendo que, nos casos de revogação da suspensão da execução da pena, essa culpa tem de ser grosseira ou reiterada.

    3. Ou seja, o condenado age com culpa ao violar as condições que foram impostas à suspensão da execução da pena de prisão quando, fundamentalmente, ficar demonstrado que tinha condições para as cumprir e não o fez e/ou se colocou voluntariamente em situação de não as poder cumprir.

    4. O artº 56º nº 1 alínea a), do C. Penal, ao referir-se a infração grosseira ou reiterada, pretende equipará-la a um comportamento, medido pelo comum dos cidadãos como injustificável ou imperdoável.

    5. A revogação da suspensão da pena de prisão não constitui, nem pode constituir, um efeito automático provocado pelo incumprimento respetivo, antes, deve implicar uma dupla realidade complementar.

    6. Ou seja, devem coexistir as características graves ou reiteradas da violação, por parte do arguido, do dever ou da regra de conduta, acrescidas do carácter culposo daquele incumprimento, requisitos ligados estruturalmente à natureza e ao escopo da suspensão da execução da pena de prisão.

    7. O artº 55º do C. Penal, perante a falta de cumprimento das condições para a suspensão da execução da pena de prisão, atribui ao juiz a opção por várias possibilidades de modificação e de adaptação ao caso concreto, antes de decidir revogar a suspensão da execução da pena.

    8. Veja-se decidido no Ac. do TRC, de 09/09/2015 (in Proc. nº 83/10.5PAVNO.E1.C1, disponível em http://www.pgdlisboa.pt), onde, além do mais, se sumariou: “(…) III - A infração grosseira é a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção”.

    9. É necessário que o juiz reúna os elementos necessários para, em consciência, tomar uma decisão que vai afetar a liberdade do condenado, já que a prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário.

    10. A violação dos deveres tem de assumir certa gravidade, compreendendo-se, por isso, que a lei coloque, como um dos pressupostos da intervenção judicial que prevê no preceito em referência, uma violação culposa.

    11. Sendo necessário que fique demonstrado que o condenado não cumpriu, falhou, por vontade própria, é necessário apreciar a sua culpa, impondo-se um poder-dever ao julgador, como em sede de julgamento, de procurar reunir todos os elementos para aquilatar da situação que determinou o incumprimento e tomar uma das medidas do artº 55º ou 56º, ambos do C. Penal, não se podendo ignorar esse poder-dever (imposto até pelo artº 340º nº 1 do C. P. Penal, isto é, ordenar a produção de todos os meios com vista à boa decisão da causa).

    12. Assim, não é sobre o condenado que deverá recair o ónus de promover a justificação dos factos que o impossibilitem de cumprir, já que neste âmbito, não existe, em rigor, qualquer ónus da prova, cabendo ao juiz, oficiosamente, o dever de indagar e esclarecer o feito sujeito a julgamento.

    13. “In casu”, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, aqui recorrente, ficou subordinada a regime de prova.

    14. O Acórdão condenatório da 1ª Instância foi proferido em 03 de Março de 2011.

    15. Logo nessa altura, o arguido ausentou-se para Inglaterra, onde ainda hoje trabalha e vive, conforme atestam as cópias do contrato de arrendamento e do contrato de trabalho, que se juntam como Docs. nºs 1 e 2 e se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos.

    16. Da douta decisão condenatória, foi interposto recurso para a 2ª Instância, tendo a decisão transitado em julgado quando o arguido já se encontrava em Inglaterra.

    17. Daí que, as notificações que lhe foram remetidas para se apresentar na DGRSP para a elaboração do Plano de Reinserção tenham sido devolvidas.

    18. O arguido, à data dos factos, apenas tinha um antecedente criminal pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ilícito de natureza diferente do que lhe foi imputado no âmbito destes autos.

    19. Entre a data dos factos, 21 de Fevereiro de 2010 e a presente data, passaram mais de oito anos, sem que tivesse havido notícia de que o arguido tivesse praticado qualquer ilícito de natureza criminal ou outra.

    20. O arguido está social e profissionalmente inserido.

    21. Tem como habilitações literárias, o 11º ano de escolaridade.

    22. É certo que o recorrente não respondeu às convocatórias da D.G.R.S.P. porque, pura e simplesmente, as não recebeu.

    23. O despacho aqui em crise foi proferido 16/5/2014 e apenas foi notificado ao arguido em 06/06/2018, o que é sintomático de que o mesmo se não encontrava em Portugal, nunca se tendo colocado em condições de não receber as notificações do Tribunal.

    24. Ainda que haja atitudes do arguido que demonstram a falta de colaboração na elaboração do seu plano de reinserção social, não se lograram descortinar os motivos específicos que originaram tal incumprimento.

    25. Não se tendo apurado que a causa desse incumprimento é imputável ao arguido/recorrente, ou foi motivada por outra qualquer razão ou circunstância, sendo essa indagação, prévia, fulcral para considerar, ou não, integrada a situação na previsão do artº 56º nº 1, alínea a), do C. Penal.

    26. No entender do recorrente, não devia o Tribunal optado, desde já, pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, pelo facto de o arguido não ter colaborado na elaboração do plano de reinserção social, já que, não foram determinadas as razões concretas pelas quais a mesma se verificou, se por causa imputável àquele, ou por qualquer outra razão.

    27. Haveria, que indagar das razões desse incumprimento e eventualmente dar uma nova oportunidade ao arguido para cumprir tal plano, antes de se optar pela revogação da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada.

    Termos em que, face a todo o exposto, se requer a V. Exªs, Senhores Juízes Desembargadores, se dignem dar total procedência ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido, devendo ser substituído por outro que julgue extinta a pena aplicada ao arguido ou, caso assim se não entenda, por despacho de prorrogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, assim se fazendo: A SEMPRE E ACOSTUMADA JUSTIÇA!» 3.

    A Exma. Procuradora Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «1. No âmbito dos presentes autos foi o arguido A. O. condenado pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

  2. Por despacho proferido a 16 de Maio de 2014, o Tribunal recorrido determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

  3. Uma vez que o arguido inviabilizou a realização de um plano de readaptação individual por banda da DGRSP, pois faltou constantemente às convocatórias efetuadas para o efeito.

  4. E faltou à diligência agendada para a sua audição, nos termos do disposto no artigo 495°, do C.P.P..

  5. Apesar de se encontrar regularmente notificado, sendo certo que nunca justificou nenhuma dessas faltas.

  6. O Tribunal a quo envidou todos os esforços necessários para apurar as razões do não cumprimento do regime de prova determinado nos autos.

  7. Contudo, o arguido não deu conhecimento ao Tribunal recorrido do seu paradeiro, alheou-se por completo do desenrolar do processo, não interiorizou a condenação por si sofrida nem assimilou a oportunidade que lhe foi dada com a suspensão a execução da pena de prisão em que foi condenado nestes autos.

  8. Colocando-se, dessa forma, de forma intencional numa situação de incapacidade de cumprir o plano individual de readaptação e pondo em causa, de forma definitiva, o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão pressupõe.

  9. Por esse motivo, não restava o Tribunal recorrido outra alternativa que não a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, motivo pelo qual tal decisão não merce qualquer censura.

    Pelo exposto, deve o douto despacho recorrido ser mantido na íntegra, negando-se assim provimento ao recurso.

    Vossas Excelências, no entanto...

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