Acórdão nº 7050/17.6TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelISABEL CERQUEIRA
Data da Resolução05 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal: Relatório Nos autos de recurso de contra-ordenação que correram termos pelo Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 3, da Comarca de Braga, pela douta decisão datada de 18/05/2018 (fls. 309 a 320 verso), viu a arguida X – Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, SA mantida a decisão administrativa da Agência Portuguesa do Ambiente que a sancionara com a coima de 12.000,00 euros, com a suspensão parcial do pagamento de 6.000,00 euros, e ainda na sanção acessória de “imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pela alínea u) do n.º 3 do art.º 81º do DL 226-A/2007 de 31/05, punível pelos art.ºs 22º n.º 4 alínea b), 23º, 23º-A e 23º-B, e ainda pela alínea f) do n.º 1 do art.º 30º, 29º e 31º do LQCOA (Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais).

Desta douta decisão interpôs a recorrente o presente recurso, a fls. 324 a 357 verso, no qual, em síntese, e nas suas conclusões, alega estarem, o processo administrativo ferido de nulidade, por preterição dos seus direitos de defesa e violação do princípio constitucional da presunção de inocência, e a decisão ora recorrida de todos os vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º do Código de Processo Penal (a partir de agora apenas referido como CPP).

Mais alega não poder a conduta imputada ser subsumida ao tipo contra-ordenacional considerado, e ser a sanção acessória aplicada inexequível, por falta de concretização, em violação do princípio da legalidade, e impossibilidade do objecto, além de inconstitucional por desproporção e desnecessidade, mais sendo inconstitucional a interpretação do tribunal a quo dos art.ºs 30º n.º 1 alínea f), 29º e 31º da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais (LQCA).

A Magistrada do M.P. junto da 1ª instância pronunciou-se, a fls. 362 a 370, pugnando pela total improcedência do recurso interposto.

A Ex.mª Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal não emitiu parecer escrito, face ao requerimento pela recorrente da realização de audiência.

Foram colhidos os vistos, procedeu-se à audiência, que decorreu pela forma constante da acta, cumprindo decidir.

*****É o seguinte o teor da decisão recorrida na parte em que decidiu as arguidas nulidades do processo administrativo, que se transcreve integralmente, e nela foram dados como provados os seguintes factos com a seguinte motivação (nesta parte também com transcrição integral): Das alegadas nulidades: A recorrente alega a nulidade do processo, nomeadamente por não respeitar as exigências do art.º 50.º do RGCO, por a decisão não conter os factos e fundamentação referentes ao elemento subjectivo, nem os factos relevantes e fundamentação para a determinação da coima, por falta de fundamentação dos factos provados, não se pronuncia sobre os pressupostos para aplicação da sanção acessória, nem concretiza as medidas em concreto.

Vejamos.

Dispõe o artigo 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (DL 433/82 actualizado pelos Decretos-Lei 356/89, de 17.10 e DL 244/95, de 14.09) que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.” A descrição efectuada no auto de notícia e decisão administrativa é suficiente para cumprir as exigências impostas pela lei ao teor da notificação, quanto aos elementos do tipo, e para proporcionar ao arguido o exercício do contraditório relativamente aos factos que lhe foram imputados.

No caso concreto, ao contrário do que alega a arguida, foi concretizada no auto de notícia e na decisão em crise a conduta que constitui contra-ordenação. Na notificação feita foi vertida suficiente matéria “acusatória” para que a arguida se pudesse defender – como aliás o fez, de forma clara e pormenorizada e extensíssima (impugnando que tenha praticado o facto que lhe é imputado), não tendo fundamento para esgrimir um argumento formal, como se não percebesse aquilo que é óbvio que percebeu.

Mas ainda que houvesse nulidade por falta de concretização da conduta que constitui contra-ordenação no auto de notícia, a nulidade em questão sempre estaria sanada, pois a arguida, no requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa condenatória, não se limitou a arguir a dita nulidade, aproveitando também para exercer o seu direito de defesa (dele se prevalecendo) relativamente aos factos que lhe foram imputados, negando que os tenha praticado e apresentando os respectivos meios de prova – cfr. o artigo 121º, nº 1, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do artigo 41º, nº 1, do Regime Geral das Contra-ordenações, bem como o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-01-2007 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21-02-2008, ambos publicados em www.dgsi.pt.

Assim sendo, não tem qualquer fundamento a invocada nulidade.

Resulta, ainda, do disposto no nº 1 do art.º 58º do DL nº 433/82, de 27.10 que a decisão administrativa deve conter a identificação dos arguidos, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, a coima e as sanções acessórias eventualmente aplicadas, o que, in casu, na verdade, foi logrado.

A razão primordial destas exigências é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido, que assume carácter de direito fundamental consagrado no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição de República Portuguesa (“Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”).

Efectivamente, na alínea b) da citada disposição legal do R.G.C.O., o legislador exige que a autoridade administrativa autuante inclua na sua decisão a descrição factual, a indicação das normas violadas e punitivas, bem como dos elementos de prova que serviram para formar a sua convicção quanto ao cometimento da contra-ordenação e para a determinação da medida da coima aplicada.

No entanto, na senda de Simas Santos e de Lopes de Sousa, bem como na da maioria de jurisprudência nacional : “A referida alínea b) constitui uma norma especial sobre os requisitos da decisão administrativa de aplicação de coima, que, por isso, afasta a aplicação do regime do Código de Processo Penal, que é de aplicação meramente subsidiária, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do R.G.C.O.. A «descrição sumária» referida nesta alínea b), não exige «a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal», que é exigida pelo artigo 374.º, n.º 2 do C.P.P. para as sentenças proferidas em processo criminal. Trata-se, neste artigo 58.º, n.º 1, alínea b), de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais. O que exige aquela alínea b), interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (artigo 32.º, n.º 10 da C.R.P.), é que a descrição factual que conta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.” (in Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, 4.ª Edição, 2007, Vislis, págs. 418 e 419)...

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