Acórdão nº 28723/17.8YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Novembro de 2018
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 22 de Novembro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1. D. L., Srl, intentou contra X, SA, procedimento de injunção, posteriormente transmutado para acção declarativa, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 19.216,69 € (dezanove mil, duzentos e dezasseis euros, e sessenta e nove cêntimos), referente a fornecimento de mercadoria pela Autora à Ré, acrescida de juros de mora à taxa legal.
*A Ré deduziu oposição, concluindo pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que não existiu qualquer fornecimento daquele valor entre as partes e que os fornecimentos realizados se encontram liquidados.
*Foi junto articulado de resposta, onde a Autora alegou que a mercadoria em causa havia sido encomendada em Março de 2016 pela empresa Calçado A, Lda., que partilha as mesmas instalações e funcionários com a Ré e que a pedido de ambas foi emitida uma nota de crédito à Calçado A e emitida nova factura à Ré, que usou a mercadoria.
*Admitida a intervenção da sociedade Calçado A, Unipessoal, Lda., veio esta alegar que comprou produtos à Autora e que cedeu uma quantidade de materiais à Ré, a pedido desta, que correspondia a cerca de 1.750,00 € (mil setecentos e cinquenta euros), tendo sido acordado que esta pagaria directamente à Autora.
*Realizou-se a audiência de julgamento e a Mma. Juiz proferiu sentença a julgar a acção totalmente procedente, por provada, com a consequente condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de 19.216,69 € (dezanove mil, duzentos e dezasseis euros, e sessenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora desde a data de vencimento da factura e até integral pagamento, “às taxas legalmente e supletivamente estabelecidas”.
*1.2.
Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I) São os seguintes os vícios que se apontam à Sentença em crise: a) Erro na resposta à matéria de facto quanto aos Factos Provados 2º, 4º, 5º e 6º; b) Erro de Direito.
II) Relativamente à alegada mercadoria fornecida, veio a Autora/Apelada dizer que foi encomendada pela empresa “Calçado A, Lda.”, em Março de 2016, empresa que partilha instalações com a Apelante e que, admitida a intervir nos autos, declarou ter adquirido aqueles produtos (peles) à Autora, ora Apelada, com a qual tinha já uma relação comercial antiga, e que cedeu somente uma pequena quantidade desses materiais à Apelante, a seu pedido, no valor aproximado de €1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros), que esta pagaria directamente ao fornecedor, ora Apelada.
III) E era esse o valor devido, e já liquidado, pela X, S.A. à D. L., SRL., conforme esta mesma nos articulados confessou ter recebido, demonstrado por peticionar o valor da factura em causa deduzido de tal montante de €1.750,00, ao contrário do que diz a Apelada, que pretendeu obter junto da recorrente X o pagamento da totalidade da encomenda efectuada pela Calçado A.
IV) A condenação da Ré/Recorrente, tese na qual embarcou o Tribunal a quo, assentou no seguinte: i) Uma refacturação pela Autora (sim, este é o termo utilizado) à ré X de mercadoria fornecida pela Autora à chamada/interveniente Calçado A; ii) Refacturação unilateralmente feita pela Autora, que o Tribunal todavia considerou consentida pela Ré X com base no depoimento do Agente Comercial da Autora, J. R.; iii) Agente Comercial que, quando instado pelo mandatário da Ré, admitiu que tinha interesse directo na causa pois não havia ainda recebido a comissão daquela venda e só receberia quando cobrasse o seu valor da X; iv) A factura da dita refacturação à X ter uma rúbrica de um ex-funcionário da X, L. C., este o qual, não negando a rúbrica, não explicou em que circunstâncias a apôs e que, instado directamente a tal, respondeu que não podia afirmar que havia verificado se a mercadoria dessa refacturação existia no armazém; v) A dita refactura ter sida junta aos autos pela Aurora duas vezes, uma sem a rúbrica do ex-funcionário da X e, mais tarde, com a dita rúbrica aposta, tendo o Agente Comercial da Autora declarado que foi ele a entregar ao mandatário da Autora a refactura rubricada; vi) O ex-funcionário da X que rubricou a refactura ter admitido que trabalha actualmente para uma empresa cliente da Autora e do dito Agente Comercial (coincidência das coincidências).
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Assim, com base numa refactura rubricada e no depoimento do Agente Comercial da Autora (que confictamente representa os interesses dela em Portugal e que tem interesse directo na causa), surge a condenação da Ré/Recorrente, e faça-se Justiça sem prova do fornecimento à X, manifesta que foi a antipatia pela Ré criada no Tribunal.
VI) Passando à impugnação dos factos provados 2.º, 4.º, 5.º e 6.º da sentença a quo e do erro de julgamento, a Primeira Instância baseia as suas convicções nas declarações da testemunha J. R., as quais considerou idóneas e isentas, o que se afigura inaceitável e um erro de julgamento, porquanto esta testemunha é parte interessada na cobrança para receber comissões sobre os valores auferidos pela empresa “D. L., Srl.” da X.
VII) A realidade é que o Sr. J. R. não é funcionário da Apelada, é agente comercial que recebe a comissão de agente por cada transacção concretizada e cobrada; tem, portanto, a seu cargo, também, a cobrança, e cada cobrança não efectuada para a D. L., Srl, significa também o não recebimento da sua comissão de agente, facto que foi confirmado pela própria testemunha no seu depoimento aos minutos 14:20 a 14:55.
VIII) Por conseguinte, não andou bem o Tribunal a quo ao dar como provados os factos alegados pela Apelada apenas com base naquele testemunho, sem nenhuma reserva quanto à (conveniente) veracidade dos factos relatados.
IX) Esta mesma testemunha relata que, chegado o prazo de vencimento das facturas, foi falar com o responsável geral de armazém, Sr. D. M..
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Ora, a incoerência reina, tanto mais que nenhuma factura indica prazo de vencimento e, perguntado sobre quando se venciam as facturas, ou quando é que falou, então, com o Sr. D. M., responsável geral de armazém da X, não soube responder, nem situar-se no tempo; veja-se a passagem do depoimento desta testemunha J. R., com início aos minutos 15:00 e fim aos 16:00.
XI) Assim, nunca se poderia ter dado como provados os factos 2º, 4º, 5º e 6º com base na conversa descrita pela testemunha, sendo que o douto Tribunal a quo não teve em conta, inclusivamente, as incoerências decorrentes do depoimento deste agente comercial, o senhor J. R., nomeadamente, quando não sabe especificar que parte da mercadoria foi devolvida, o que é de espantar, pois a mercadoria devolvida equivale a uma redução no valor da venda que era expectável, do qual se retiraria o valor da comissão do agente comercial, a título de remuneração.
XII) Assim, esta situação contende directamente com os valores que a testemunha esperava auferir, e deixou de auferir, em virtude da devolução de mercadorias, mas ela não sabe precisar que quantidade de mercadoria se devolveu: vide tempos 22:50 a 23:40 do depoimento da testemunha.
XIII) E as inconsistências continuam: a factura cujo pagamento a Autora/Apelada demandou, que diz ser assinada pelo funcionário de armazém da X, validando assim a dívida, é a mesmíssima factura que aparece inicialmente no processo sem estar assinada, e sempre por junção da Autora.
XIV) Assim, aos minutos 41:35 até aos 47:10 da gravação do seu depoimento, a testemunha J. R. é confrontada com a factura peticionada no processo pela Autora/Apelada, e responde à mandatária da Chamada sobre o que fez à factura peticionada que assinou o funcionário de armazém: diz que a envia para a empresa D. L. sua representada.
XV) A testemunha afirma que supostamente foi recolher a assinatura, enviando depois para a D. L., aqui Apelada, mas a factura peticionada e junta ao processo em 04 de Maio de 2017 não tem qualquer assinatura - vide a passagem do seu depoimento aos minutos 45:00, “só mando as facturas que estão assinadas (…) às vezes, chegam passado um mês (...)” e, ao tempo 46:13, espanta-se a Mma. Juiz: “Mas então não a enviou ainda?!”, porque até ao momento tinha dito que sim.
XVI) Esta situação ficou por explicar, inquinando a credibilidade que tal depoimento já pouco mereceria pela natureza do seu depoente, sendo que se seguiu um momento de cabal delírio, em que a mesma testemunha reverte as afirmações que acabara de fazer, dizendo à Ilustre Mandatária que não tinha percebido que se estava a falar daquela factura em concreto, mas que lhe estava a responder sobre o que faz à generalidade das facturas assinadas, no seu procedimento habitual - vide passagens do seu depoimento aos minutos 46:26 a 47:00.
XVII) É que a factura aparece mais tarde, no processo, já na versão assinada, e a testemunha diz que foi ela própria, J. R., quem a deu ao Advogado da Autora - vide passagens 47:02 a 47:10 do seu depoimento.
XVIII) Ora, inúmeras contradições vêm pejar o depoimento desta testemunha, com base no qual se decide toda uma causa, quando já o seu interesse directo na causa seria suficiente para suspeitar da isenção desse depoimento.
XIX) Desde logo, como não saberia de que factura se falava, se a testemunha foi confrontada com o documento no processo, antes de questionada?! Parece-nos evidente que a testemunha usou do tempo que levou a responder para pensar numa solução como resposta a uma questão para a qual não estava “preparada”.
XX) Ora, esta factura peticionada, teria sido, segundo a tese da Autora, assinada pelo funcionário de armazém da X à data dos factos, o Sr. L. C., este o qual, chamado a testemunhar pela Autora/Recorrida, trabalha agora numa empresa concorrente da aqui Ré/Recorrente, para quem a primeira testemunha, o representante da D. L. em Portugal, o Sr. J. R., vende produtos da D. L..
XXI) No início do seu depoimento, questionado pelo mandatário da Recorrida, a testemunha L. C. descreve o procedimento normal que seguia enquanto funcionário de armazém, mas a questão...
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