Acórdão nº 7317/15.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo a presente acção intentada por A. S. contra X Portugal – Companhia de Seguros, SA, parcialmente procedente por provada, e, consequentemente, condeno a R. a pagar à A. o montante de € 6.180,00 (seis mil cento e oitenta euros), ao que acrescerão os juros moratórios, à taxa legal, devidos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Custas a cargo de A. e R. na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a A…” *Não se conformando com a decisão proferida dela veio a ré interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “1. O presente recurso tem por objeto duas decisões tomadas pela douta sentença recorrida:

  1. O julgamento da matéria de facto constante do ponto 9. dos Factos Provados.

  2. O julgamento da exceção perentória da prescrição invocada pela ré, concretamente, que tenha sido provado que a ação do condutor do veículo FZ preenche todos os elementos do tipo legal do crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º do Código Penal, justificativo da aplicação do prazo previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil.

    1. No que concerne ao julgamento da matéria de facto, a recorrente discorda da decisão proferida no ponto 9. dos Factos Provados de que "o condutor do veículo FZ, por forma a imobilizar este veículo na dita paragem, travou de forma brusca e repentina". Com efeito, 3. A única prova produzida sobre essa matéria foi o depoimento da testemunha A. C., motorista do veículo FZ.

    2. Essa testemunha nunca declarou nem confirmou que tenha travado de forma brusca e repentina e que realizou essa travagem por forma a imobilizar o veículo na paragem, tal como resulta do seu depoimento (…).

    3. Como decorre desse testemunho, o que o motorista referiu, foi apenas que se viu obrigado a efetuar uma travagem um pouco mais forçada, mas que não se recordava da razão ou motivo porque teve de o fazer.

    4. Aliás, a dificuldade de sustentar o julgamento do ponto 9. dos Factos Provados em qualquer meio de prova, resulta evidente da Motivação da douta sentença onde, quanto àqueles factos (ponto 9.) não vem invocado sequer qualquer meio probatório em que o Senhor Juiz tenha fundado a sua convicção sobre aqueles factos.

    5. E não o fez porque, na verdade, não o podia fazer, já que não foi produzida qualquer prova sobre o mesmo.

    6. Por ausência de prova, que incumbia à autora, deve ser revogada a decisão proferida pela 1ª instância no ponto 9. dos Factos Provados, na parte em que julgou provado que "o condutor do veículo FZ, por forma a imobilizar este veículo na dita paragem, travou de forma brusca e repentina", dando-se esses factos como não provados, e, em sua substituição, julgar-se como provado que "o condutor do veículo FZ teve de fazer uma travagem mais forçada".

    7. Quanto ao julgamento da exceção perentória da prescrição, estamos em presença de uma ação de responsabilidade civil extracontratual, em que a autora reclama da ré seguradora o pagamento de uma indemnização por danos decorrentes de um acidente de viação ocorrido em 07/02/2011, tendo em 08/02/2011 a ré/recorrente assumido perante a autora a responsabilidade pelo pagamento da respetiva indemnização.

    8. Porque foi citada para a ação apenas em 16/11/2015, a ré invocou a prescrição prevista no artigo 498º, nº 1 do Código Civil, pois tendo sido citada depois de decorridos três anos após 08/02/2011, data da interrupção do prazo prescricional, o direito da autora encontrava-se prescrito já na data em que instaurou a ação.

    9. A douta sentença decidiu apreciar se no caso concreto deveria ser aplicado o previsto no artigo 498º, nº 3 do Código Civil, ou seja, se o facto ilícito praticado pelo condutor do FZ constituía um crime e se a lei penal estabelecia para a prescrição desse eventual crime um prazo mais longo que os três anos, de forma a que esse prazo pudesse ser aplicado no julgamento da prescrição do direito de indemnização.

    10. Considerando, e bem, que competia à autora o ónus da prova de que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar preenche os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal fixa um prazo de prescrição mais alargado que o previsto no artigo 498º, nº 1 do Código Civil, a sentença considerou que a autora logrou provar que o condutor do FZ, com a sua conduta, ofendeu, de forma negligente, o corpo da autora, praticando, por isso, o crime previsto no referido artigo 148º, nº 1 do Código Penal.

    11. Em consequência, julgou improcedente a exceção de prescrição, por entender que ao caso se aplica o prazo prescricional de cinco anos, de acordo com o previsto no artigo 498º, nº 3 do Código Civil, em conjugação com o disposto nos artigos 118º, nº 1 e 148º, nº 1 do Código Penal.

    12. A recorrente discorda com esta decisão, pelas razões seguintes: 15. A regra geral de prescrição do direito de indemnização está prevista no nº 1, do artigo 498º, do Código Civil. Nos termos desta norma, o direito prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mesmo que desconheça a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos.

    13. No caso em apreço, é inquestionável que a autora teve conhecimento do seu direito à indemnização no dia do acidente, ou seja, em 07/01/2011, e que em 08/02/2011 o prazo prescricional foi interrompido por a ré ter expressamente reconhecido perante a lesada o seu direito à indemnização, reiniciando-se novo prazo prescricional a partir de 09/02/2011. A ação foi proposta para além do prazo de 3 anos contados desde 09/02/2011.

    14. No entanto, o artigo 498º, nº 3, do Código Civil prevê um desvio àquela norma geral, consagrando que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo do que aquele, é a este o prazo a que se deve atender para efeitos de prescrição.

    15. É entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que no caso de o lesado querer aproveitar esse prazo alongado, tem não só de alegar, mas também de provar, que o facto ilícito constitui um crime (nesse sentido, Pires de Lima e Antunes varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3º Edição, pág. 477), sendo que "tal alegação e prova é pressuposto essencial e necessário da improcedência da exceção de prescrição que o R. tenha suscitado" (Ac. do STJ de 23/10/2012, Proc. 198/06.4TFFAL.El.51, in www.dgsi.pt).

    16. Nesse mesmo sentido se pronunciou o STJ, no acórdão de 23/10/2013, onde esclareceu que o lesado apenas pode socorrer-se do disposto no artigo 498º, nº 3 do Código Civil e intentar a ação para exercício do direito de indemnização resultante de responsabilidade extracontratual para além do prazo de três anos, "desde que alegue e prove, na acção civil, que a conduta do lesante constitui, no caso concreto, determinado crime, cujo prazo de prescrição é superior aos 3 anos consignados no nº 1 do preceito".

    17. De realçar ainda que, para efeitos de aproveitamento daquele prazo prescricional criminal, não basta que o facto ilícito seja suscetível de constituir um determinado crime, antes se exige que "concretamente concorram no caso todos os elementos essenciais dum tipo legal de crime" (Ac. do STJ de 02/12/2004, Proc. 04B3724, in www.dgsi.pt), pelo que o lesado tem de provar "que na realidade se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência" (idem).

    18. O artigo 13º do Código Penal prescreve que "só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência", estabelecendo o seu artigo 15º que "age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto." 22. Para haver crime, é necessário, pois, que o facto seja subjetivamente imputado ao agente a título de dolo ou de negligência, pelo que a culpa, entendida pela lei como censura ético-jurídica dirigida a determinada pessoa por não ter atuado de outro modo a que estava obrigado em face das circunstâncias, faz parte dos elementos de qualquer tipo de crime.

    19. Por sua vez, a imputação do facto a título de negligência é feita sempre que o agente omita um dever objetivo de cuidado ou diligência que lhe era exigido segundo as circunstâncias concretas e atendendo aos seus conhecimentos e capacidades pessoais, para evitar o evento.

    20. No âmbito do direito criminal, não há lugar à presunção do dolo ou da negligência, e muito menos de responsabilização criminal objetiva ou pelo risco, antes vigorando ali, como princípio fundamental, a regra in dubio pro reo.

    21. Em face destas disposições e princípios penais, justifica-se o entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência de que para aplicação daquele artigo 498º, nº 3, não se mostre suficiente nem relevante que a responsabilidade civil extracontratual do lesante assente ou provenha apenas de uma qualquer presunção de culpa, da responsabilidade objetiva ou pelo risco, pois que "para se poder considerar que determinado evento constitui um crime, é sempre, conforme o art. 13º do Cód. Penal, indispensável que seja imputável ao agente a título de culpa efetiva" (Ac. do STJ de 02/12/2004…).

    22. A douta sentença recorrida entendeu que a autora logrou provar que o comportamento do condutor do veículo FZ preenche todos os elementos do tipo de crime de ofensas corporais por negligência, p. e p. pelo artigo 148º do Código Penal, e justificou-o da forma seguinte: "tendo resultado assente que tal ofensa (corporal) ocorreu porque o dito motorista efectuou uma travagem brusca e repentina, igualmente se pode concluir no sentido de que este agiu de forma negligente, pois que não procedeu ao...

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