Acórdão nº 2/18.0GBVLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução10 de Julho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo especial, sob a forma sumária, com o NUIPC 2/18.0GBVLN, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, no Juízo de Competência Genérica de Valença – J1, foi o arguido, M. S., condenado, por sentença proferida e depositada a 09-02-2018, pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348º, n.º 1, al. a), do Código Penal, por referência ao art. 152º, n.º 3, do Código da Estrada, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 10,00 € (dez euros), o que perfaz o montante global de 900,00 € (novecentos euros), bem como ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses, ao abrigo do disposto no art. 69º, n.º 1, al. c), do Código Penal.

  1. Não se conformando com essa decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição [1]): «1ª) Não consta dos autos – nem sequer da acusação - qualquer identificação relativamente ao aparelho quantitativo de deteção de álcool no sangue por ar expirado.

    Não sabem estes autos se o alcoolímetro utilizado nas provas de deteção de álcool no sangue (art. 152 e 153 do CE) foi sujeito à verificação anual imposta por lei, pelo que não poderá merecer qualquer fiabilidade e por isso não pode servir como meio probatório incriminatório. A sua fiabilidade encontra-se necessariamente afetada.

    Não sabemos, pois se a alegada falta de resultado do aparelho se deveu ao alegado sopro insuficiente do arguido ou a deficiências do próprio aparelho.

    1. ) Ora, como vem sendo reafirmado sistematicamente pela jurisprudência, no que respeita ao disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo penal, a fundamentação das sentenças penais e principalmente das sentenças condenatórias, deverá possibilitar averiguar e discernir com clareza os motivos que conduziram efetivamente a que fossem considerados provados os factos em causa.

    2. ) Com efeito, a fundamentação da decisão do tribunal, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório.

    3. ) Ora, isso não sucede efetivamente no caso dos autos, porquanto a sentença recorrida, em parte alguma explica, conjugados os depoimentos das testemunhas com os documentos juntos aos autos como chegou o julgador à conclusão de que a falta do resultado na máquina do teste quantitativo se deveu exclusivamente ao arguido, já que nada sabe sobre o aparelho quantitativo nem sobre as suas condições de funcionalidade.

    4. ) O que, por outro lado, vem a significar que o Mmº. Juiz não considerou a fiabilidade, ou falta dela, do aparelho utilizado para o teste quantitativo, proferindo a condenação do arguido sem apreciar a falta de prova relativa ao aparelho quantitativo, logo sem fundamentação consistente, o que de forma alguma é ou pode ser consentido em processo penal.

    5. ) Não se poderá alegar falta de fundamentação, nem nulidade adveniente ou irregularidade daquela prova, mas sim da total ausência de prova relativamente às condições de funcionamento do alcoolímetro utilizado; nesta parte falta, pois, inevitavelmente, à sentença dos autos uma efetiva fundamentação, nos termos acima expostos - artigo 379º, nº 1, al. a) – que remete para o artigo 389-A, do Código de Processo Penal.

    6. ) Para além disto, no entender do recorrente, impõe-se a final a absolvição do arguido visto que: este cumpriu as três tentativas de sopro, muito embora o alcoolímetro utilizado não tenha revelado qualquer resultado, tendo nas três tentativas emitido um único talão – talão 1906 – com indicação de “sopro insuficiente”; e nunca obstaculizou a obtenção de qualquer resultado de álcool no sangue, prontificando-se e requerendo, várias vezes, colheita sanguínea para obtenção de resultado quantitativo.

    7. ) Os Srs. Agentes da GNR não deram cumprimento ao artigo 4º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do álcool ou de substância psicotrópicas, aprovado pela Lei 18/2007 de 17 de Maio, que, na falta de resultado nas três tentativas sucessivas por ar expirado impõe a análise ao sangue do examinando.

    8. ) Resumindo: temos na terminologia legal dois momentos distintos de análise sanguínea: 1ª – após três tentativas de teste por ar expirado sem resultado – fase imperativa de análise sanguínea – visa a obtenção de um resultado.

    9. – após obtenção de resultado em teste por ar expirado – fase facultativa, em pedido de contraprova- visa contrariar o resultado já obtido.

    10. ) Para além disto, no entender do recorrente, impõe-se ainda a análise e impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, em consonância com o previsto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal.

      Daí que o recorrente impugna: a) os factos considerados provados nos pontos 5) quando refere “aparelho analisador quantitativo de deteção de álcool no sangue por ar expirado” dado se desconhece nos autos se tal aparelho estava ou não em condições de ser considerado analisador quantitativo de deteção de álcool no sangue pelo ar expirado; na verdade nada sabem os autos quanto a tal aparelho: nem marca, nem modelo, nem nº de série, nem data da última inspeção /vistoria. Não sabem os autos se a designação é correta, pelo que tal facto vai impugnado não devendo integrar os factos provados.

      7) quando refere: “um sopro muito curto, quase inexistente” - este sopro foi suficiente para gerar um talão – 1906, com resultado sopro insuficiente”, pelo que foi suficiente para ativar o aparelho em questão (sem prescindir da alegação da falta de prova das suas condições de funcionalidade); 9) quando refere: “de forma propositadamente incorreta” pois o arguido procedeu aos sopros dentro das suas possibilidades; nunca quis obstaculizar a obtenção de resultado à taxa de álcool no sangue, disponibilizando-se sucessivamente para colheita e análise sanguínea.

      10) quando refere: “mas o arguido apenas encostou os lábios à boquilha do aparelho e limitou-se a expelir um sopro ínfimo, impossibilitando assim a quantificação da taxa de álcool no sangue – ora como se disse não sabem os autos se a responsabilidade pela não quantificação da taxa de álcool no sangue pertence ao arguido, já que o aparelho quantificador não foi identificado nos autos nem foi feita prova da sua funcionalidade; 12) pelos mesmo exatos motivos considerados na impugnação do ponto 10); 14) O arguido não se recusou a efetuar o teste de pesquisa de álcool pelo método de ar expirado, cumpriu, dentro das suas possibilidades as três tentativas ordenadas pelos agentes. Não foi obtido resultado, e por conseguinte deveria ter sido sujeito a análise sanguínea, por imperativo legal. Mas a tal não foi dado cumprimento por parte dos srs. Agentes.

      Os factos ora impugnados devem ser considerados Não PROVADOS, pelos motivos expostos.

      1. os factos considerados não provados, vertidos no parágrafo: 1) – dado que quer os agentes que testemunharam, únicas testemunhas deste facto, quer o auto da GNR ao qual aderiu o MP, inequivocamente referem a emissão do talão, o qual é inclusive identificado no auto/acusação, como talão 1906.

      o qual deve ser considerado PROVADO.

    11. ) Verificando-se, por consequência, que no presente caso, o arguido não se opôs à obtenção do resultado da taxa de álcool no sangue. Muito pelo contrário, dispôs-se a que o resultado fosse obtido por colheita sanguínea, colheita esta a que estaria obrigado (por imposição legal) ao abrigo do citado artigo 4º/1 do regulamento anexo à Lei 18/2017 de 17 de Maio.

    12. ) Em suma, no caso dos autos, em face da prova produzida em audiência de julgamento, e da falta de prova quanto ao “aparelho quantitativo”, não se afigura correto que a decisão a proferir seja de condenação, ao invés de absolutória, por resultar manifesta a violação da norma do artigo 4º/1 do regulamento anexo à Lei 18/2007 de 17 de Maio, a qual foi, para efeitos de integração do tipo criminal de desobediência, aplicada pela metade. Resulta também que a decisão recorrida, também não considerou, os artigos 152 e 153 do Código da Estrada e que se apresentam como importantes na apreciação das fases legalmente prevista para o exame por análise sanguínea.

    13. ) Estes normativos do direito estradal têm, na ótica do arguido/recorrente de ser apreciados, dado que o crime por que vem acusado e condenado, presume uma taxa de álcool – sem que a mesma tenha sido provada – com aplicação de sanção acessória de inibição de condução de veículos a motor tal como se tivesse acusado uma taxa criminal de álcool no sangue.

    14. ) Daí que temos aqui que ponderar: se o arguido tivesse acusado um resultado criminalmente positivo, e dos autos nada constasse quanto ao alcoolímetro (nos mesmos moldes destes autos) o arguido seria condenado? Ou o aparelho não mereceria qualquer fiabilidade e não poderia servir como meio incriminatório? 15ª) Entende o arguido/recorrente que a falta de fiabilidade do alcoolímetro, nestes autos, também não deva servir como meio probatório incriminatório, pois não é líquido que a falta do resultado da máquina, se deva ao arguido e não ao mesmo aparelho, devendo reverter a favor do arguido o princípio “in dubio pro reo”.

    15. ) Consequentemente, deverá revogar-se a Sentença recorrida e, de acordo com o supra mencionado, proferir-se decisão que absolva o arguido pelo crime por que vem acusado.

    16. ) Com a sentença recorrida, salvo melhor opinião, terão sido violadas, por incorreta interpretação e aplicação, as seguintes normas Código Penal – artigo 348/1al. a) e artigo 69/1, al. c) Regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, aprovado pela lei 18/2007, de 17 de Maio – artigo 4º/1; Portaria 1556/2007 de 10 de Dezembro – artigo 7º/2 Código da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT