Acórdão nº 4225/13.0EAPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | JORGE BISPO |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.
RELATÓRIO 1.
No processo de contraordenação com o NUI/CO 004225/13.0EAPRT, foi proferida decisão administrativa pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), com data de 11-12-2017, a condenar a arguida, "F. C. V.”, pessoa coletiva com o NIPC 501…, nas seguintes coimas: - € 2.600,00, pela prática da contraordenação de não sujeição da água distribuída a um processo de desinfeção, prevista e punida (p. e p.) pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, n.º 2, e 31º, n.º 1, al. a), do DL n.º 306/2007, de 27/08; - € 1.500,00, pela prática da contraordenação de não realização do controlo da qualidade da água destinada a consumo humano (incumprimento dos valores paramétricos), p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º, n.ºs 1 e 2, e 31º, n.º 2, al. c), do DL n.º 306/2007, de 27/08; - € 5.000,00, pela prática da contraordenação de falta de condições técnicas de segurança, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14º, n.º 2, 23º, al. a), e 24º, n.º 1, do DL n.º 141/2009, de 16/06, e 17º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 10/2001, de 07/06; - E, em cúmulo jurídico, na coima única de € 7.500,00.
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Não se conformando com essa decisão administrativa, a arguida impugnou-a judicialmente, tendo sido proferida sentença, datada e depositada 23-03-2018, com o seguinte dispositivo (transcrição [1]): «Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decide-se:
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Absolver a arguida F. C. V.
da prática da contraordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14º, nº 2, 23º, alínea a) e 24º, nº 1, do DL 141/2009, de 16/06 e 17º, nº 2, do Decreto Regulamentar 10/2001, de 07/06, por que vinha condenada, revogando a decisão administrativa nessa parte.
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Manter a decisão administrativa que condenou a arguida F. C. V.
, pela prática das contraordenações p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, nº 2 e 31º, nº 1, alínea a), do DL 306/2007, de 27/08€ 2.600,00 e artigos 10º, nº 1 e 2 e 31º, nº 2, alínea c), do DL 306/2007, de 27/08, nas coimas de € 2.600,00 e € 1.500,00, respetivamente.
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Condenar a arguida F. C. V.
na coima única de € 3.200,00 (três mil e duzentos euros).
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Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC - artigo 8º nº 3 e Tabela III, do RCP.» 3.
Mais uma vez inconformada, a arguida interpôs recurso dessa sentença, formulando conclusões que, pela sua excessiva extensão, se afastam claramente do que é legalmente previsto e desejável (um resumo das razões do pedido), mas que, ainda assim, se opta por transcrever integralmente: «CONCLUSÕES: 1ª - O procedimento pelas contraordenações em causa encontra-se prescrito, nos termos do disposto no art.º 27.º, al. b) do DL. n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redação introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
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– Com efeito, tendo em atenção que a arguida foi notificada para o exercício do direito de defesa a 27-11-2013 (cfr. fls. 23 e 26) e não se tendo verificado até à decisão final, notificada a 15-12-2017 (fls. 54), qualquer motivo de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição, temos como prescrito o processo de contra - ordenação em 27-11-2016, razão pela qual deve merecer provimento o presente recurso, e os autos serem arquivados.
3º - Com o devido respeito, no caso, não deve prevalecer o entendimento perfilhado na douta sentença recorrida, quando considera que a inquirição das testemunhas apresentadas pela arguida nos dias 03-02-2015 e 21-01-2015 (fls. 43 e 44) constituem factos interruptivos do prazo de prescrição.
4º - Na verdade, tendo os factos ocorrido a 16-10-2013 e tendo a arguida sido notificada para o exercício do direito de defesa a 27-11-2013 (fls. 23 e 26), a notificação para a inquirição das testemunhas apresentadas pela arguida apenas para os dias 03-02-2015 e 21-01-2015 (fls. 43 e 44) – isto é, mais de um ano após a apresentação da Defesa Escrita pela arguida - constitui um expediente abusivo da autoridade administrativa com vista a obstar ao decurso do prazo de prescrição do procedimento e, por isso, não pode ser tida como apta a interromper o prazo de prescrição.
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- A autoridade administrativa ASAE não invoca nem dá a conhecer à arguida qualquer razão para o facto de o processo ter estado “parado” mais de um ano sem qualquer diligência. Situação diferente seria naturalmente se a autoridade administrativa estivesse a aguardar uma perícia ou peritagem, o que não é manifestamente o presente caso.
6º - Com efeito, a figura de prescrição haverá de ser enquadrada numa preocupação mais vasta que o legislador assumiu de obter, num prazo razoável, a certeza e segurança jurídica junto daqueles que ela beneficia.
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- A pendência processual, sem um fim temporal fixado pelo legislador, significaria a possibilidade de manter indefinidamente uma incerteza quanto à culpabilidade e responsabilidade do agente, o que não é compatível com um Estado de Direito Democrático e que colide frontalmente com os direitos, liberdades e garantias assegurados aos seus cidadãos.
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- A figura da prescrição apresenta-se pois como garantia de certeza, segurança e previsibilidade do sistema jurídico e de efetivação do poder punitivo do Estado em tempo útil e sem inércia injustificada, atribuindo ao decurso do tempo sobre a prática de um facto razão suficiente para que o direito penal (ou contraordenacional) se abstenha de intervir ou de punir.
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- No caso, entendeu o legislador, para acautelar os interesses do Estado com vista à reposição da norma violada, através da punição contraordenacional, que a realização das diligências de prova necessárias para a instrução dos autos tivessem efeito interruptivo do prazo prescricional, o que se compreende atenta as diversas especialidades de contraordenações e a complexidade que poderá revestir, face à matéria dos autos, o apuramento da responsabilidade do agente infrator.
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- A relevância e necessidade da diligência de prova, no âmbito da instrução dos autos, surge assim como fundamento da interrupção do prazo de prescrição.
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- Essa relevância surge assinalada pelo legislador com a especificação da realização de “exames e buscas”, o que nos permite concluir que, não são todas as diligências de prova que têm o mérito de interromper o prazo em curso, e muito menos diligências de prova marcadas para mais de um ano após a apresentação da Defesa Escrita pela arguida, como sucede no caso.
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- A inquirição de testemunhas apresentadas pela arguida mais de um ano depois da apresentação da Defesa Escrita, estando o processo totalmente “parado” nesse período sem qualquer justificação, resulta inequivocamente e sem quaisquer dúvidas como um expediente abusivo por parte da ASAE para obstar ao decurso do prazo de prescrição.
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- A referência a “exames e buscas” na alínea b) do artigo 28º do RGCO transmite a ideia de necessidade de realização de diligências de prova (que sejam estritamente necessárias) que revelem alguma complexidade e morosidade ou que, requeridas pela defesa, atrasem relevantemente o decurso do processo.
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- O que se não pode permitir é que a simples inquirição de duas testemunhas um ano depois da sua apresentação seja usada como uma medida de “gestão” das interrupções do prazo prescricional.
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- Esse é um uso abusivo que a al. b) do nº 1 do artigo 28º do RGCO não permite. O direito à decisão em prazo razoável também é operante em processo contraordenacional, não podendo a entidade administrativa “gerir” os momentos adequados à interrupção do prazo prescricional.
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- Assim, a inquirição de duas testemunhas para um ano depois da sua apresentação em Defesa Escrita, sem qualquer justificação para tal, não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional, pois que se impõe uma leitura restritiva da al. b) do nº 1 do artigo 28º do RGCO: a referência a “exames e buscas” transmite a ideia de necessidade de realização de diligências de prova estritamente necessárias e que revelem alguma complexidade e/ou morosidade.
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- Por isso, a inquirição de duas testemunhas apresentadas pela arguida para um ano depois da apresentação na Defesa Escrita, sem qualquer justificação da ASAE, não pode ser tida como apta a interromper o prazo de prescrição, pois se assim fosse estaria encontrada a fórmula para resolver, aparentemente com cobertura legal, os atrasos de instrução processual.
SEM PRESCINDIR: 18ª - A decisão ora impugnada enferma de um vício de incompetência absoluta da entidade emissora da mesma, neste caso, a ASAE, por ingerência nas competências legais que foram conferidas a outras entidades, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 3º do DL Nº 306/2007 de 27 de Agosto; nº 2 do artigo 33º do referido Decreto-Lei e nº 2 do artigo 28º do Decreto-Lei 141/2009 de 16/06.
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- A decisão impugnada está, pois, ferida de incompetência que é absoluta por se tratar da preterição de atribuições respeitantes a pessoas coletivas públicas diferentes: a ERSAR, IP; a CACMEP e a Câmara Municipal, nos termos das disposições legais enunciadas na conclusão anterior, sendo, como tal, nula (artigo 133.º, n.º 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo).
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- A decisão administrativa é nula por violação do artigo 18º, nº 1 do RGCO e por falta de fundamentação.
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- A arguida não perfilha o entendimento plasmado na sentença recorrida, segundo o qual a decisão administrativa da ASAE ponderou todos os elementos constantes no artigo 18º, nº 1 do RGCO.
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- Com efeito, segundo este artigo 18.º, n.º 1, do RGCO, «a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra - ordenação».
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- No caso vertente, a decisão administrativa ignorou a situação económica da arguida, omitindo qualquer referência aos factos alegados na Defesa Escrita (cfr. artigos 1º e 2º), nomeadamente de que estava a ser objeto dum processo...
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