Acórdão nº 3274/16.1T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução21 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) L. A.

veio intentar ação declarativa com processo comum contra X Seguros, S.A.

, onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência, a ré ser condenada a pagar à autora quantia nunca inferior a €39.220,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

A ré X Seguros, S.A. veio apresentar contestação onde conclui entendendo dever a ação ser julgada improcedente, por não provada e, consequentemente, a ré ser absolvida do pedido.

*Foi elaborado despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

*Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que decidiu julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência: a) Condenar a ré X Seguros, SA a pagar à autora L. A. a quantia de €25.200,00, acrescida de juros de 4%, contados desde o dia 16 de abril de 2015, até efetivo e integral pagamento; b) Condenar a ré X Seguros, SA, a pagar à autora L. A., a título de danos não patrimoniais, a quantia de €1.000,00, acrescida de juros de 4%, contados desde a citação, até efetivo e integral pagamento; c) Absolver a ré X Seguros, SA, do demais contra si peticionado pela autora L. A.; d) Condenar a autora L. A. e a ré X Seguros, SA, no pagamento das custas processuais da ação, na proporção dos respetivos decaimentos.

*B) Inconformada com a decisão proferida, veio a autora L. A. interpor recurso independente (fls. 136 vº e segs.) e a ré X Seguros, SA, recurso subordinado (149 vº), os quais foram admitidos como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 162).

*C) Nas alegações de recurso (independente) da apelante L. A., são formuladas as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do conteúdo da douta sentença proferida pelo tribunal a quo, na parte em que decretou a absolvição da ré do pedido de indemnização a título de privação do uso, que naquele momento já se quantificava no valor de €36.540,00.

  1. A ré falhou em provar a legitimidade da sua recusa/hesitação em pagar a indemnização, pelo que essa recusa permanece inexplicada e injustificada, tendo provocado prejuízos na esfera da recorrente, que se viu privada do seu veículo e da respetiva indemnização.

  2. Tal atraso poderia ter sido evitado se a ré seguradora tivesse procedido ao pagamento da indemnização aquando do acionamento do seguro por parte da aqui recorrente.

  3. A decisão, salvo melhor opinião, sobre o atraso no pagamento da indeminização, não poderia ser imputado à aqui recorrente (segurada), mas sim à seguradora.

  4. A aqui recorrente intentou a ação no decurso dos 3 anos conforme a Lei substantiva aplicável ao caso.

  5. A seguradora é que incumpriu o contrato celebrado entre as partes nomeadamente quanto à boa-fé e à pontualidade do seu cumprimento, nos termos dos artigos 406º e 762º do C.C., para além da violação da Lei do contrato de seguro.

  6. O atraso no pagamento da indeminização não é imputável à aqui recorrente, mas sim à recorrida seguradora destes autos.

  7. A recorrente foi lesada nos seus interesses de proprietária de um bem que lhe foi subtraído, por razões que lhe são alheias, vendo-se privada do seu uso e de todas as vantagens que este lhe trazia. Estes interesses devem ser tutelados.

  8. Apesar de existirem acórdãos do Tribunal da Relação contraditórios sobre a mesma legislação e questão de direito, o que se invoca para todos os efeitos legais, a decisão (douta sentença) está em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2014 (Revista nº 2604/13.2TBBCL.G1.S1) que enuncia que “a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava.” 10. Ficou provado, na douta sentença recorrida, que a recorrente, até hoje, depende da ajuda de amigos e familiares, que lhe disponibilizam os próprios veículos, para se deslocar para o local de trabalho e para levar a cabo a sua rotina diária.

  9. A ré nunca colocou à disposição da autora/recorrente um veículo de substituição ou qualquer quantitativo para aluguer de um veículo de substituição.

  10. A autora padeceu de transtornos, aborrecimentos, abatimento e desassossego.

  11. Fica, assim, provada a perda de utilidade que o veículo proporcionava à recorrente, que se tornou completamente dependente da boa vontade de amigos e familiares, para se deslocar diariamente ao local de trabalho e para levar a cabo outras tarefas diárias essenciais.

  12. O acórdão do Supremo tribunal de Justiça enunciado enuncia que se a seguradora demora injustificadamente na resolução do caso resultante dessa mora para o segurado, responde por esse inadimplemento. Esta solução não conflitua com as disposições consagradas no regime de contrato de seguro.

  13. Assim, entende a recorrente que estavam reunidos todos os pressupostos para cumprir este entendimento do acórdão, não entendendo porque o tribunal “a quo” não seguiu entendimento, visto que a seguradora não efetuou o pagamento após o prazo de 40 dias, conforme apólice, gerando assim um dano indemnizável à autora/recorrente.

  14. Assim, deve ser reconhecida razão à recorrente/autora, sendo revogada a sentença na parte em que absolve a ré do pagamento da privação de uso à recorrente e devendo aquela ser condenada no pagamento de indemnização pela privação do uso do veículo até ao trânsito da decisão final.

  15. A recorrente, pelo enunciado, considera que estão reunidos os pressupostos do artigo 678º do Código do Processo Civil, requerendo assim recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 678º do Código de Processo Civil.

    Termina entendendo dever o recurso subir diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça, como Recurso Per Saltum, nos termos do artigo 678.º e seguintes do Código do Processo Civil ou, caso assim não se entenda, que suba como Recurso de Apelação para o douto Tribunal da Relação de Guimarães nos termos do artigo 644º/1 e seguintes do C.P.C., sem prescindir que estão em causa acórdãos contraditórios anteriormente proferidos conforme supra enunciado.

    Em ambos os casos deve: Ser reconhecida razão à recorrente/autora, sendo revogada a sentença na parte em que absolve a ré do pagamento da privação de uso à recorrente e devendo aquela ser condenada no pagamento de indemnização pela privação do uso do veículo até ao trânsito da decisão final.

    *A ré X Seguros, SA, apresentou resposta onde entende dever o recurso ser julgado improcedente.

    *D) Nas alegações de recurso (subordinado) da apelante X Seguros, SA, são formuladas as seguintes conclusões: 1. Apesar da ré só agora vir suscitar a ilegitimidade processual ativa da autora e de ter impugnado os factos alegados na petição inicial, sem objetivamente ter referido a ilegitimidade substantiva daquela, tal não obsta a que o Tribunal conheça desta última, sem que tal redunde na prolação de decisão surpresa (cfr., acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-02-2015, no processo 148143/13.OYPRT.L1-2 em que foi Relator Ezaguy Martins e acessível in www.dgsi.pt).

  16. Entende a ré, que a autora, enquanto locatária do veículo automóvel com a matrícula MS, não tem legitimidade para intentar (como intentou) a presente ação, porquanto tal legitimidade cabe à proprietária (Banco B GMBH, SUCURSAL PORTUGUESA).

  17. A legitimidade das partes é um pressuposto processual.

  18. A legitimidade das partes é um requisito de que depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, concedendo ou denegando a providência requerida.

  19. Nos termos do disposto do artigo 30º nº 1 do Código Processual Civil, “o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”, sendo que, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 30º do CPC, “o interesse em demandar significa, assim, a utilidade para o autor e o prejuízo para o réu”.

  20. Por conseguinte, a legitimidade das partes, como pressuposto processual, exprime a relação entre a parte no processo e o objetivo deste (a pretensão do pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que se possa ocupar do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.

  21. A legitimidade é, assim, no campo do direito material um conceito de relação entre o sujeito e o objeto do ato jurídico, entendendo-se que a ilegitimidade de qualquer das partes só se verificará quando em juízo se não encontrar o titular da alegada relação material controvertida ou quando legalmente não permitida a titularidade daquela relação.

  22. A legitimidade não é, portanto, uma qualidade pessoal das partes, mas uma certa posição delas em face da relação material litigada, que se traduz no poder legal de dispor dessa relação, por via processual (cfr., Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, pág. 84).

  23. Como refere o Ac. do STJ de 27 de Junho de 1995 (disponível in www,dgsi.pt), “a legitimidade resulta concretamente para o autor da utilidade derivada da procedência da ação”.

  24. No caso concreto dos presentes autos, estamos perante um contrato de locação financeira.

  25. De facto, tal como a autora configurou a pretensão, constata-se que o veículo com a matrícula MS está na posse da mesma na sequência da realização de um contrato de locação financeira com a proprietária desse mesmo veículo.

  26. O artigo 1º do Decreto Lei 446/85, de 25 de outubro caracteriza o contrato de locação financeira como aquele “pelo qual uma das partes se obriga mediante retribuição, a conceder a outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel...

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