Acórdão nº 258/12.2GBVNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução18 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: No âmbito do processo comum colectivo nº 258/12.2GBVNF do Juízo Central Criminal de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por despacho proferido em 25/01/2018, foi decidido não revogar a suspensão da execução da pena única de 3 anos e 3 meses de prisão em que o arguido José fora condenado, por acórdão transitado em julgado em 22/09/2015, como autor de cada um de dois crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º/1 b), e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347º do CP.

Inconformado com a referida decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «1- Por Acórdão transitado em julgado a 22.09.2015, José foi condenado pela prática de dois crimes de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelo artº 291º, nº1, al. b) do Código Penal, nas penas de 1 ano e 1 ano e 6 meses de prisão e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo artº 347º, nº2 do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão e, em cumulo jurídico, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com a condição de o arguido frequentar ação de formação em condução segura em instituição e horário a definir pelos serviços de reinserção social.

2- A Mmª Juíza decidiu que não se verificam os requisitos exigidos pelo artº 56º, nº1 al. b) do Código Penal para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado.

3- Para tanto, a Mmª Juíza, apesar de considerar o comportamento do condenado no período da suspensão da execução da pena de prisão traduzido na prática de crimes de diversa natureza considera que de alguma forma também têm na sua génese a psicopatologia para cuja solução o condenado carece de uma avaliação psicológica personalizada, crendo que a prática desses crimes, por si só, não terá comprometido de forma irreversível o juízo de prognose favorável que levou à suspensão da execução da pena de prisão.

4- Mais considera a Mmª Juíza que revogar agora a suspensão da execução da pena de prisão, depois do condenado ter cumprido a condição imposta para essa revogação, equivaleria a uma dupla punição, dificultaria o tratamento da psicopatologia de que o condenado padece e cronificaria o sentimento de perseguição e de revolta que têm alimentado aquela patologia e fomentado a prática de tais crimes.

5- No período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos o arguido cometeu novos crimes, pelos quais foi julgado e condenado por Acórdão transitado em julgado a 22.05.2017, no Processo nº 403/15.6GCVNF,designadamente, pela prática a 08.11.2015 e a 05.03.2016 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artºs 143º, nº1 e 145º, al. a) e nº2 do Código Penal por referência ao artº132º, nº2, al. h) do mesmo Código e um crime de dano p. e p. pelo artº212º, nº1 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 2 anos e 4 meses de prisão e na pena de 6 meses de prisão, respetivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva.

6- O cometimento de novo crime no decurso do período da suspensão revela sempre que uma das finalidades da punição não foi alcançada, na medida em que não se conseguiu o afastamento do condenado da prática de novos crimes.

7- A revogação da suspensão da execução da pena de prisão não ocorre de forma automática importando apurar se com o cometimento de novo crime ficou infirmado de forma irremediável e definitiva o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou.

8- É necessário, assim, apreciar a conduta anterior e posterior do condenado, ou seja, o seu percurso criminal, o qual antes da condenação sofrida nestes autos apresentava as seguintes condenações: - No Processo Sumaríssimo nº195/06.0GTBRG, por sentença proferida a 08.09.2006, transitada em julgado a 08.09.2006, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 3,00€, pela prática a 23.04.2006, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº3º, do DL nº2/98 de 03/01; - No Processo Comum nº1413/09.8JAPRT, por acórdão proferido a 11.03.2011, transitado em julgado a 31.03.2011, na pena de 5 anos de prisão suspensa por igual período com regime de prova e condicionada a deveres, pela prática a 11.09.2009 de um crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2 al. h) e 22º e 23º do Código Penal.

9- A pena de 3 anos e 3 meses de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos foi suspensa por igual período, por tal como consta do Acórdão proferido: “apesar de ter condenações anteriores pela prática de crime de condução sem habilitação legal e de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, encontra-se socialmente inserido, quer no contexto familiar quer no contexto profissional, exercendo uma atividade remunerada no Luxemburgo onde está emigrado; apresenta algum sentido crítico, verbalizando crenças adequadas quanto a comportamentos normativos, o que indicia capacidade para, querendo, adequar o seu comportamento ao estatuído como convencional; a sua idade e imaturidade que lhe está associada combinada com a sua personalidade que, como afirma o relatório social estará algo alterada desde o acidente de viação que o arguido foi vítima em 2008, tornam aconselhável que seja concedida ao arguido uma derradeira oportunidade consubstanciada na suspensão da pena de prisão, sujeita à condição da frequência de ação de formação sobre condição segura, em instituição e horário a definir pelos serviços de reinserção social.” 10- Sucede porém que a ameaça da pena de prisão e a censura dos factos praticados não foram suficientes para afastar o condenado da criminalidade.

11- Apesar de advertido das condicionantes inerentes ao regime da suspensão, das finalidades preventivas que se visavam alcançar e das consequências que poderia ter na hipótese do seu insucesso, ainda assim o condenado pouco mais de um mês após o início da suspensão cometeu novo crime repetindo tal comportamento decorridos mais 4 meses.

12- Pelo tipo de crimes que praticou e a factualidade inerente aos mesmos o condenado demonstrou claramente que as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena de prisão não foram, por meio dela, alcançadas.

13- O condenado demonstrou absoluta incapacidade de reger a sua vida de acordo com os normativos jurídico-penais que protegem a vida em sociedade, demonstrando absoluta incapacidade em respeitar a suspensão aplicada.

14- A condenação proferida no âmbito do Processo nº 403/15.6GCVNF em pena de prisão efetiva revela e significa que nesses autos não foi possível fazer o juízo de prognose favorável sobre a sua conduta, pelo que, salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, apenas e só o cumprimento efectivo da pena de prisão em que foi condenado nestes autos satisfaz as exigências de prevenção geral e especial.

15- A suspensão da execução da pena de prisão tem como objetivo primordial o afastamento do condenado da prática de novos crime e é notório que com a prática de não de um, mas de dois crimes, logo após o início do prazo de suspensão da execução da pena de prisão colocam em causa aquele objetivo.

16- Considera a Mmª Juíza que uma vez que o condenado cumpriu a condição imposta, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, designadamente, a frequência de ações de formação sobre condução segura, traduziria uma dupla punição do condenado.

17- A “dupla punição “ a que a Mmª Juíza se refere mais não é do que a consequência necessária da revogação da execução da pena de prisão nos termos do artº 56º, al. b) do Código Penal, ainda que a suspensão tenha sido condicionada a determinados deveres e/ou obrigações que venham a ser cumpridos pelo condenado.

18- Ainda que tendo frequentado as acções de formação da Prevenção Rodoviária Portuguesa resulta do Relatório da Prevenção Rodoviária Portuguesa junto aos autos a fls.520 e verso que o condenado não interiorizou o desvalor da sua conduta nem o condenado apreendeu a experiência, uma vez que “Não parece ter integrado a situação enquanto experiencia emocional e de aprendizagem, não apresentando afetos congruentes com a gravidade da situação…”.

19- Da factualidade dada como provada nos presentes autos não consta qualquer facto quanto a consequências neurológicas e psicopatologia diagnosticada ao condenado, de modo a poder-se considerar na decisão em apreço que os crimes pelos quais foi condenado em pena de prisão efetiva cometidos logo no início da suspensão da execução da pena de prisão têm também na sua génese a referida psicopatologia.

20- O condenado foi sempre considerado como capaz de avaliar a ilicitude do facto no momento da sua prática e de se determinar de acordo com essa avaliação.

21- Perante os elementos recolhidos, a Mmª Juíza deveria ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido José e ordenado o cumprimento da pena de 3 anos e 3 meses de prisão fixada no Acórdão proferido nos presentes autos.

22- Encontra-se violada a disposição legal prevista no artº56º, nº1, al. b) e nº2 do Código Penal.».

O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 654 dos autos principais.

O arguido não apresentou resposta ao recurso.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu alicerçado parecer secundando e reforçando a argumentação recursória.

Cumprido o disposto no nº 2, do art. 417º do CPP, feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.

*Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de saber se se encontram preenchidos os pressupostos justificativos da revogação da suspensão da...

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