Acórdão nº 423/17.6T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução14 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A. C.

intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra A. T.

, pedindo que se condene o réu a reconhecer que integram o património comum do ex-casal formado por demandante e demandado, determinados bens móveis, que enumera; bem como em reconhecer que ela não lhe deve o montante correspondente a metade do valor das prestações que o R. pagou, após Dezembro de 2012 para amortização do crédito hipotecário por ambos contraído na vigência do matrimónio.

Subsidiariamente, para a hipótese de improcedência deste último pedido, peticiona o reconhecimento de um crédito dela, demandante, sobre o R. referente ao uso exclusivo da casa de morada de família (bem comum do casal) por parte deste após a separação do casal.

Alega, para o efeito e em síntese, ter sido decretado o divórcio entre A. e R. em Julho de 2013, tendo posteriormente sido instaurado inventário para partilha de meações no Cartório Notarial de C. T., no âmbito do qual assumiu funções como cabeça-de-casal o aqui R.

Mais alega que, tendo no âmbito desse processo de inventário, sido apresentada relação de bens, a demandante reclamou da mesma, acusando a falta de relacionação de alguns bens móveis, que enumera.

Afirma que, tendo reconhecido a existência de alguns bens cuja falta foi acusada, o demandado, contudo, não reconheceu a falta de outros, que elenca, e que, diz, integram efetivamente o património comum do extinto casal.

Igualmente aduz que tendo sido relacionado, do lado do passivo, um débito da autora para com o cabeça de casal referente a metade do valor que o demandado terá pago ao Banco, a título de amortização do crédito contraído por ambos para construção da casa de morada de família, o mesmo o foi abusivamente, por um lado, porque parte do valor das prestações foi liquidado com dinheiro comum e, por outro, porque o R. se manteve a disfrutar exclusivamente do imóvel, após a separação do casal.

Regularmente citado, contestou o R., por um lado excecionando a ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir, porquanto afirma não pode a A. reconhecer a existência de um bem comum do casal e, simultaneamente, negar a sua responsabilização pela dívida por ambos contraídos para a sua construção, e, por outro, reconhecendo integrarem o património comum parte dos bens em causa, mas impugnando a demais alegação, afirmando que os bens cuja falta a A. persiste em acusar foram vendidos à mãe desta, sua ex-sogra, pelo preço de € 260.

Por despacho de fls. 58 e 59, foi julgada improcedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, suscitada pelo réu.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.

Na sequência, por sentença de 26 de Fevereiro de 2018, veio a julgar-se parcialmente procedente a ação e, consequentemente, foi o réu condenado a: - Reconhecer que integram o património comum do casal uma máquina de lavar roupa, uma máquina de lavar loiça, um fogão com forno incluído, loiça variada, um microondas, um esquentador e torradeiras; - Reconhecer não ser–lhe devido, pela A., metade do valor das prestações por ele pagas relativas ao crédito hipotecário no período compreendido entre Dezembro de 2012 e a data da entrada da acção de divórcio n.º 1832/13.5TJVNF em juízo, absolvendo-o do mais peticionado.

Inconformada com o assim decidido, veio a autora A. C.

interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES 1- A discordância da recorrente com a sentença ora recorrida prende-se com a decisão sobre o concreto ponto de condenar o Réu: “- a reconhecer não ser–lhe devido, pela A., metade do valor das prestações por ele pagas relativas ao crédito hipotecário no período compreendido entre Dezembro de 2012 e a data da entrada da acção de divórcio n.º 1832/13.5TJVNF em juízo, absolvendo-o do mais peticionado”.

2- O que faz com que seja devido a metade do valor das prestações pagas pelo Réu desde 22 de Junho de 2013 até à presente data.

3- Pois, se decorre do disposto do art. 1789.º, n.º 1 do Código Civil, concorda a recorrente com a sentença ora recorrida, na parte em que durante o lapso temporal ocorrido entre a sua saída de casa e a data da entrada em tribunal da petição inicial não ser devido da sua parte ao Réu metade das prestações relativas ao crédito hipotecário que pagou até então.

4- Porém não concorda a aqui recorrente com o facto de ter de pagar metade do valor das prestações pagas pelo Réu desde 22 de Junho de 2013 até à presente data.

5- Invoca a recorrente a figura do Abuso de Direito, a fim de não lhe ser reconhecida tal obrigação para com o Réu.

6- Dos factos dados como provados, é manifesto que desde Dezembro de 2012, a aqui recorrente não vive na casa de morada de família, não usufrui da mesma e das suas potencialidades.

  1. Por sentença datada de 08.07.2013, transitada em julgado em 23.09.2013 e proferida no âmbito do processo n.º 1832/13.5TJVNF que correu termos 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Famalicão, foi decretado o divórcio entre a A. e R.; f) Foi decidido, entre outros, por acordo judicialmente homologado celebrado no âmbito do processo referido em a), atribuir ao R., até à partilha, a casa de morada de família, situada na Travessa …, Guimarães; g) Mais foi decidido, por acordo judicialmente homologado celebrado no âmbito do processo referido em a), entregar a guarda da filha menor do casal ao pai; h) Desde Dezembro de 2012 que a A. não reside naquela que era a casa de morada de família; 7- Inicialmente o Réu ficou a viver na casa de morada de família com a filha menor, A. L., facto que não se mantém atualmente.

    8- Significa, pois, que à exceção dos primeiros meses após o divórcio, o Réu passou a utilizar em seu proveito próprio, sem prestar contas e sem pagar qualquer quantia à Autora a título de utilização exclusiva da casa de morada de família.

    9- A Autora, por sua vez, e em consequência, viu-se obrigada a ir ocupar uma outra casa, o que para além do incómodo e transtorno, constituiu-se na obrigação de pagar um valor para auxiliar despesas, inicialmente - por um período de três meses com uma amiga -, e posteriormente na casa do atual namorado.

    10- Sempre participando em despesas/gastos/encargos que não teria se tivesse acesso ao bem que também é seu.

    11- Face ao exposto, a solicitação para pagamento – reconhecido como crédito do Réu sobre a aqui recorrente - de metade da quantia por si paga (na secção do “Passivo” - verba (verba n.º 5) do inventário in casu), não se coaduna com o princípio da boa-fé.

    12- É facto que, aquando a atribuição da casa de morada de família em sede de divórcio, esta foi atribuída ao aqui Réu, não estando associada a algum condicionamento quanto à guarda da filha menor – não tendo nada ficado escrito.

    13- Porém, teve em consideração o facto de a guarda provisória da filha menor do ex-casal ser atribuída na altura do acordo ao aqui Réu.

    14- Face a tal situação acima configurada, a aposição de uma verba no processo de inventário (verba n.º 5) como um crédito do Réu sobre a recorrente em metade da quantia de € 12.806,83, referente ao pagamento das prestações dos créditos supra referidos nas verbas n.º 1 e 2 do passivo, que este efetuou, desde Dezembro de 2012 até Maio de 2015 no valor de seis mil quatrocentos e três euros e quarenta e dois cêntimos – parece-nos injusta.

    15- Mesmo com a decisão da sentença a quo que retificou para desde a entrada da petição inicial do divórcio (22/06/2013) até à presente data, a solicitação para pagamento de tal verba mostra-se contrária à boa fé.

    16- O Réu tem um direito válido, porém, concretamente, ao ser exercido cria uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício desse direito e as consequências a suportar pela Recorrente – e tal situação não pode ignorar.

    17- Ao pretender obter o pagamento de metade das prestações por si pagas referentes ao crédito hipotecário que incide sobre a casa de morada de família, exerce ilegitimamente esse direito, excedendo com essa pretensão, e atento aos factos alegados, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito, nos termos do art.º 334, do Código Civil.

    18- Não deverá, assim, ser considerada devida pela Autora a compensação ao Réu, relacionada como verba n.º 5, do passivo, da relação de bens apresentada.

    19- A sentença ora recorrida é nula em primeiro lugar por não especificar os fundamentos de facto e de direitos que justificam a decisão quando no que concerne ao abuso de direito invocado. (art. 615.º, n.º 1, al. b) CPC).

    20- Conforme se pode ler da sentença a quo “Não logrou a A., desde logo, provar qualquer um dos factos em que alicerçou a invocação do instituto do abuso de direito. Mas não poderá deixar de se referir, sem que se desenvolva a questão, que mesmo que os tivesse logrado demonstrar nem assim se vislumbra como poderia a situação sub iudice ser subsumida a tal instituto.

    ” 21- Não se entende, assim, porque afasta o tribunal a quo o instituto do abuso de direito quando, decorre da matéria dada como provada (Cfr al, A, B, C, D, E, e F da matéria de facto dada como provada) a situação de desproporcionalidade do exercício do direito.

    22- Subsidiariamente, e na hipótese de o tribunal não perfilhar o entendimento da existência de abuso de direito, avançou a recorrente com o nascimento da sua esfera de um direito de crédito também sobre o Réu.

    23- Tal direito de crédito nasce do uso exclusivo por parte do cabeça de casal do imóvel que era a casa de morada de família e bem comum, sem que o mesmo compensasse a aqui Recorrente por isso.

    24- O valor do uso desse prédio representa uma vantagem económica que não pode deixar de ser considerada.

    25- Por sua vez, a privação do uso do imóvel representa uma diminuição na esfera jurídica da Autora.

    26- Quanto à concretização deste valor, poderia ser referido o critério do valor locativo (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-03-2012, relator...

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