Acórdão nº 483/03.7TBCMN-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução14 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Numa execução especial instaurada, em Novembro de 2010, no Tribunal de Família e Menores de Viana do Castelo, pela exequente C. M.

contra B. L.

, destinada a cobrar certa quantia pecuniária por este devida a título de alimentos (e juros), foi penhorada a quota de 1/9 de quatro imóveis, sitos em Venade, pertença deste executado.

Chegada a fase da venda, o Banco A apresentou uma proposta de compra, vindo o direito penhorado a ser-lhe adjudicado.

Como, no Tribunal de Caminha, pendia já acção especial de divisão de coisa comum dos prédios, aliás instaurada pelo próprio Banco A como comproprietária deles (em outra quota de 2/9), contra os demais co-titulares, designadamente o próprio executado B. L., aquela, na sequência da adjudicação, deduziu, no apenso B, a sua habilitação como sucessora deste na referida quota-parte (1/9) assim adquirida.

Contudo, na subsequente contestação, os comproprietários A. M. e esposa, alegaram que, já antes da execução, em escritura notarial, haviam adquirido ao executado B. L. o quinhão hereditário deste na herança ilíquida e indivisa de Maria, que corresponde a um nono indiviso dela.

Daí que, defendendo o Banco A que, por “erro quanto à coisa transmitida”, lhe foram adjudicados “bens alheios” ou “bens de terceiro” e que, assim, sendo inválido o acto de venda, nada adquiriu, tenha deduzido, na execução, o incidente a que alude o nº 1, do artº 838º, do CPC, e nele requerido que o tribunal declarasse anulada tal venda executiva.

A tal pretensão se opôs a exequente C. M., alegando que tal arguição é extemporânea e que, antes de ter apresentado a proposta de compra, já o Banco A sabia que aquele direito não pertencia ao executado, inexistindo, por isso, erro. Além disso, a pretensão consubstancia abuso de direito e revela má-fé da pretendente.

Foram, neste incidente de anulação, inquiridas testemunhas (entre estas, o próprio A. M. e a esposa).

Após ter sido solicitado e lhe ser apresentada a acção de divisão solicitada ao Tribunal de Caminha onde pendia, ao abrigo do invocado artº 838º, do CPC, decidiu o tribunal a quo, em 27-03-2018: “Consideramos improcedente a pretensão do Banco A. Custas por esta….”.

O requerente Banco A, inconformada, apela, alega e conclui: “1.ª - Há uma manifesta contradição e ambiguidade na motivação e fundamentação da douta sentença recorrida no que respeita à factualidade não provada, sendo, pois, ininteligível o pensamento do Mm.º Juiz a quo, na medida em que comporta dois sentidos distintos e opostos, o que acarreta a nulidade da sentença - vd. al. c) do n.º 1 do art.º 615.º CPC 2.ª - A escritura pública de fls. 503 a 504v. goza de força probatória plena e conjugada com a decisão de fls. 566v. a 569 e os depoimentos de A. M. e E. M., impõe que seja dado como provado que: “O quinhão hereditário que pertencia ao executado B. L., na herança indivisa aberta por óbito de Maria, foi vendido a A. M. e mulher em 27 de Outubro de 2009, a estes pertencendo aquando da adjudicação à recorrente.” - vd. depoimento de A. M., gravado com início às 11h:57m:39m e termo às 12h:13m:59s (passagens aos 3m16, 3m50 a 4m06, 5m26 a 5m47, 8m42 a 9m08, 14m24) e depoimento de E. M., gravado com início às 12h:14m:13s e termo às 12h:24m:14s (passagens do aos 0m40 a 0m44, 1m49 a 2m07, 2m17 a 2m55, 3m27 a 3m43, 4m49 a 5m16).

  1. - Tendo em conta o teor do anúncio de venda formulado nos autos, a recorrente apresentou proposta de compra convencida de que o executado B. L. era titular de 1/9 de 4 imóveis, sem consciência de que esses mesmos imóveis correspondiam ao quinhão hereditário do executado na herança indivisa da sua avó 4.ª - Constatando-se que os bens vendidos não pertenciam ao executado, estamos perante um erro sobre a coisa transmitida à recorrente, que, na realidade, é inexistente, havendo por isso falta de conformidade com o que foi anunciado, o que justifica a anulação da venda efectuada em 12.09.2016 - vd. art.º 838.º CPC 5.ª - Quando foi realizada a venda do quinhão hereditário nos presentes autos, o mesmo já não pertencia ao executado B. L., pelo que a adjudicação feita à recorrente configura venda de bens alheios e, como tal, é nula - vd. art.º 892.º CC 6.ª - Uma vez que a consequência para a venda de bens alheios é a nulidade do negócio e não a mera anulabilidade, esse vício pode ser invocado a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal - vd. art.º 286.º CC DE HARMONIA COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO AO RECURSO E POR TAL EFEITO: - revogar-se a decisão impugnada e declarar-se a nulidade da venda de 1/9 dos referidos 4 imóveis e, consequentemente, obrigar-se a exequente a restituir à recorrente o valor recebido dessa venda.

ASSIM ESTE TRIBUNAL SUPERIOR FARÁ JUSTIÇA”.

A exequente C. M. contrapôs-se-lhe, alegando e concluindo também: “I.

Sendo o recurso delimitado pelas doutas conclusões da Recorrente/Apelante, entendemos que não lhe assiste razão, devendo a Douta Sentença ser mantida na íntegra.

II.

Inexiste, s.m.o., contradição e ambiguidade na Motivação e Fundamentação da Douta Sentença, pois o Tribunal Recorrido, acompanhando integralmente a posição defendida pela Apelante no Processo nº236/10.6TBCMN (Acção de divisão de coisa comum, no qual é Autora), considerou que a venda operada pelo Executado B. L. ao A. M. foi simulada (simulação absoluta) e extraiu daí as necessárias conclusões.

III.

Se o B. L./Executado nada quis vender e o A. M. nada quis comprar, estamos perante um negócio simulado, pelo que inexistindo negócio dissimulado, o primeiro é nulo.

IV.

Sendo a venda titulada pela Escritura Pública nula, não se coloca a questão de se tratarem de bens alheios, nem há lugar à invocada nulidade da venda/adjudicação no âmbito da presente execução.

V.

Foi a Apelante quem promoveu o registo a seu favor de 2/9 parte indivisas (e não que qualquer quinhão hereditário) e foi com base nesse registo que foi elaborado o anúncio da venda, pelo que qualquer inexactidão é da exclusiva responsabilidade da própria Apelante, que, aliás, sempre se arrogou proprietária de 2/9 indivisos (Cf. a título de exemplo o Requerimento Citius com a Ref. 6893240, de 04/04/2011).

VI.

A Apelante sabia (como demonstra o extenso acervo documental) que os imóveis penhorados integravam o quinhão hereditário do Executado na herança indivisa da sua avó. E tinha conhecimento desse facto desde, pelo menos, 25/11/2011, data em que lhe foi notificada a Contestação/Reconvenção com Incidente de Habilitação de Cessionários. (Cf. Documentos que acompanham o Requerimento Citius com a Ref. 28387948, de 05/03/2018).

VII.

Nesse articulado foi junta a Relação dos Bens que integram a herança aberta por óbito da Maria, nos quais se encontram enumerados e devidamente identificados, sem possibilidade de erro ou confusão, os quatro bens penhorados à ordem deste processo: - Prédio urbano inscrito na matriz respectiva da freguesia V. sob o art. … ---» Verba 3; - Prédio urbano inscrito na matriz respectiva da freguesia V. sob o art. … ---» Verba 4; - Prédio rústico inscrito na matriz respectiva da freguesia V. sob o art. … ---» Verba 15; - Prédio rústico inscrito na matriz respectiva da freguesia V. sob o art. … ---» Verba 14.

VIII.

A Apelante sabia assim, desde 25/11/2011, que os bens penhorados nos presentes autos integravam a referida herança.

Sem conceder, IX.

Em 12 de Setembro de 2016, foram adjudicados à CCAM 1/9 «de todos os bens imóveis, identificado nos editais e anúncios, pelo preço global de 14.920,00 (catorze mil novecentos e vinte euros)». – Cf. fls. dos autos. O regime da anulabilidade consagrado no art. 287º estabelece o prazo de um ano para a sua arguição, prazo que se mostra há muito ultrapassado. Pelo que a invocação da anulabilidade e Janeiro de 2018 será, s.m.o., extemporânea.

X.

Da análise dos documentos que acompanham o Requerimento Citius com a Ref. 28387948, de 05/03/2018, extraídos do Processo nº236/10.6TBCMN ("Acção de Divisão de coisa comum"), que corre seus termos no Juízo de Competência Genérica de Caminha e no qual a Apelante é Autora, decorre que esta foi notificada, em 25/11/2011, da Contestação/Reconvenção apresentada bem como dos documentos que acompanhavam.

XI.

Ou seja, independentemente de se considerar negócio simulado a venda por parte do Executado dos bens penhorados, a verdade é que tal venda (simulada ou não) era do conhecimento da Apelante desde o mencionado mês de Novembro de 2011. Apesar desse evidente conhecimento, a Apelante entendeu, no ano de 2016, apresentar nestes autos uma proposta, na sequência da qual lhe foram adjudicados os referidos bens.

XII.

De entre todos os interveniente processuais (Tribunal, Exequente, Sr. Oficial de Justiça, etc.), considerando que a compra/venda (simulada ou não) não foi registada, a Apelante era a única que sabia que tais bens tinham sido alegadamente alienados pelo Executado, pelo que não pode tentar prevalecer-se juridicamente de um erro no qual não incorreu! XIII.

A Apelante apesar de , desde 2011, que fora outorgada uma escritura de compra e venda que, para além de outros, incluía os bens penhorados à ordem dos presentes autos, apresentou uma proposta de adjudicação desses bens em 2016, pagou o preço devido e registou a sua aquisição.

XIV.

Com esse seu comportamento, a Apelante criou a convicção na Apelada de que o acto de transmissão era legítimo, de que se encontravam preenchidos todos os pressupostos e de que nenhum vício afectaria a venda.

XV.

Vem agora a Apelada reclamar a restituição da importância por si paga, invocando um erro que a mesma sabe não se ter verificado. Com a sua actividade processual, a Apelada actua em manifesto abuso de direito, consubstanciado num evidente "venire contra factum proprium".

XVI.

Litiga a Apelante nos presentes autos com manifesta má fé, nomeadamente ao persistir na afirmação de que desconhecia a "alienação" dos bens penhorados quando tal venda (simulada...

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