Acórdão nº 1716/17.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelEUG
Data da Resolução04 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães*I.

RELATÓRIO No âmbito da presente ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, foi proferida, em audiência de julgamento, a seguinte sentença: “Na presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, que o autor/reconvindo ALFREDO move ao réu/reconvinte MANUEL, dada a qualidade dos intervenientes e a disponibilidade do direito litigioso, julgo válida a transacção que antecede, que homologo pela presente sentença, condenado e absolvendo as parte nos seus precisos termos, assim se declarando extinta a presente instância [cfr. artsº 277.º, al. e), 283.º, n.º 2, 284.º, 289.º, n.º 1 «a contrario», 290.º, n.ºs 1 e 3, do CPC]*Custas nos termos acordados (cfr. artigo 537, nº 2, do CPC).

*O Autor apresentou recurso de apelação pugnando por que seja revogada a sentença por a mesma ser nula. Formula, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES: “1ª. Aquando da audiência de julgamento, o autor não estava na posse das suas capacidades normais; 2ª Pois sofria de depressão profunda que afetava o seu raciocínio; 3ª Pelo que a desistência do pedido que fez está ferida de nulidade; 4ª De qualquer forma, seria sempre um ato anulável, nos termos do disposto no artigo 257º do Código Civil.

5ª Deve ser assim revogada a douta sentença homologatória e ordenado o prosseguimento dos autos, com a marcação da audiência de julgamento”.

*O Réu apresentou contra alegações, onde pede se julgue improcedente o recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1- Ao interpor o presente recurso, e nos termos em que o faz, o Recorrente revela bem o seu verdadeiro caráter malévolo e oportunista tão veementemente denunciado pelo Recorrido na contestação/reconvenção que deduziu.

2- Age deste modo escudado no benefício de apoio judiciário de que goza e lhe possibilita continuar a litigar contra o Recorrido, como até aqui, sem ter de suportar quaisquer consequências de natureza patrimonial, designadamente despesas com taxa de justiça e custas processuais.

3- E fá-lo sob a alegação de que estava a sofrer de uma depressão profunda quando da celebração do acordo pelo qual as partes puseram termo ao processo.

4- Ou seja, pretende o Recorrente fazer crer que a declaração que livre e expressamente fez de desistência do pedido que formulou na ação, ainda por cima na presença do Meritíssimo Juiz do processo, do Réu e dos advogados de ambas as partes em litígio, estava inquinada por uma incapacidade temporária que afetou totalmente a sua vontade real, conduzindo a que declarasse aquilo que falsamente alega nunca ter querido declarar, que era desistir do pedido, como efetivamente desistiu e quis desistir.

5- Certo é que nenhuma das pessoas presentes, nem ao menos o Meritíssimo Juiz do processo, nem o patrono do Recorrente, detetaram qualquer manifestação da incapacidade por parte deste ao declarar, como declarou efetivamente, que desistia do pedido.

6- O Recorrente, ao formular o presente recurso, nos termos em que o faz, invocando a anulabilidade da declaração que proferiu e do acordo que subscreveu, pretende a nulidade da sentença.

7- Ora, como é jurisprudência dominante, a incapacidade acidental prevista e regulada pelo artigo 257.º do Código Civil exige, para a anulabilidade do ato, que no momento da sua prática seja notória e conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média), cabendo ao próprio incapaz fazer prova de tal incapacidade.

8- Prova que, manifestamente, o Recorrente nem sequer quis tentar fazer, carreando para os autos qualquer elemento probatório passível de conduzir a tal.

9- Ao agir, no presente recurso, de forma temerária, uma vez mais, como na ação, ostensivamente contra a verdade dos factos, o Recorrente fá-lo com manifesta má-fé, sem quaisquer custos para si, com o único propósito de entorpecer a ação da Justiça, protelando no tempo este litígio, apenas e só com o objetivo de abalar o debilitado estado físico e psicológico do Recorrido e perfeitamente ciente de que não conseguirá abalar a credibilidade da transação que fez em audiência de julgamento.

10- Pelo que deve ser condenado em multa nunca inferior a 2,500.00€ e em indemnização condigna a pagar ao Réu/recorrido nunca inferior àquela quantia.

*Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

*II. FUNDAMENTAÇÃO - OBJETO DO RECURSO Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes: 1 - Se a sentença homologatória da transação celebrada nos presentes autos, a pôr termo ao processo, padece de nulidade por a vontade do Apelante, ao emitir a declaração de desistência do pedido, estar viciada; 2- Responsabilidade processual do recorrente por, ao interpor recurso da sentença, litigar de má fé.

*II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede.

*II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1. Da nulidade da sentença Argui o Apelante a nulidade da sentença por a mesma ter por base desistência do pedido que é nula ou anulável, por vício da vontade.

Cumpre decidir.

O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (1).

Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.

Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (2).

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (3).

Tais vícios não se confundem com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.

Efetivamente as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não...

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