Acórdão nº 683/17.2T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDA PROEN
Data da Resolução04 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.

Na acção declarativa com processo comum, que corre termos no Juízo Local Cível de Braga – Juiz 3 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob n.º 683/17.2T8BRG, intentada por X, lda contra Y – GRANDES ARMAZÉNS, S.A., NIPC (...), com sede na Avenida …, em Lisboa, - que deverá ser representada em juízo pelo Administrador do Condomínio do edifício em regime de propriedade horizontal sito na Rua (...), Avenida (...) e Rua (...), na freguesia de (...), no concelho de Braga, denominado Edifício W, designadamente, pela Loja do Condomínio – Braga, de C.M.S., Lda., com sede na Rua (…), em Braga, foi proferida em audiência prévia decisão, que julgou a autora parte ilegítima na acção, absolvendo a ré da instância.

* Pretende a autora por via da presente acção impugnar deliberação da assembleia de condóminos do Edifício W, sito em Braga, do dia 19.1.2016, aprovada com voto favorável da ré, que manteve a deliberação tomada 25.10.2016, no sentido da autora deixar de exercer actividade na fracção C, actividade essa que, segundo posição da ré e do condomínio, é concorrente com a exercida na fracção A pela aqui ré.

Para tanto, alegou ser proprietária da fracção que identificou na petição inicial.

A ré contestou, invocando, além do mais, a ilegitimidade da autora, alegando, para tal, que esta não é condómina porque não é proprietária da referida fracção, mas somente locatária da mesma.

Na réplica, a autora reconheceu que é somente locatária financeira da referida fracção, mas pugnou pela improcedência da excepção deduzida, sustentando que o locatário financeiro imobiliário tem a qualidade de condómino e invocando abuso de direito da ré na sua invocação.

Findos os articulados, foi realizada audiência prévia a 22 de Fevereiro de 2018, onde foi proferida decisão, com o seguinte teor: “…Como resulta dos autos, A. é locatária financeira da fracção C, do Edifício W, sendo sua proprietária o Banco A SA, - ver ter de fls. 122 v e ss- pretendendo obter a anulação de uma deliberação da assembleia de condóminos do aludido Edifício.

A questão a decidir consiste, face à arguida excepção da ilegitimidade da A., em saber se o locatário de fracção de um imóvel constituído em propriedade horizontal, por força de um contrato de locação financeira, pode impugnar as deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos, em suma se tem legitimidade para intentar a presente acção.

Segundo o nº 1 do artigo 1433º do Código Civil, “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado, sublinhado e destacado nosso.

Assim, os únicos requisitos necessários e suficientes para assegurar a legitimidade activa nas acções de impugnação das deliberações da Assembleia, ou para requerer a respectiva suspensão, são apenas dois: ser titular de uma fracção autónoma, ou seja, deter a qualidade de condómino, e, além disso, não ter aprovado a deliberação que é posta em crise. (cfr. Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3ª edição, pág. 348).

Estabelece o nº 1 do artigo 1420º do referido diploma que “Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”, e nessa qualidade “goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas” (art. 1305º, do CCivil), ou seja, poderá livremente aliená-la, constituir sobre ela uma garantia real de habitação (art. 1484º, do CCivil), um usufruto, dá-lo de arrendamento, introduzir-lhe inovações, proceder à sua junção com outra ou outras,.., e praticar os demais actos consentidos pelo direito de propriedade.

Isto posto, e assente que está que a aqui A. é mera locatária da fracção, atento o contrato de locação financeira estabelecido com a entidade bancária proprietária, poderá impugnar as deliberações aprovadas em Assembleia de Condóminos? A locação financeira é um contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, adquirida ou construída, por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável, mediante simples aplicação de critérios fixados – art. 1º, do DL n.º 149/95, de 24/06.

Estamos perante um contrato de estrutura trilateral - o fornecedor ou construtor da coisa, com quem o locador que contratou; e o locatário que contratou com este último. Entre o fornecedor e o locador configura-se uma aquisição de propriedade que passa do fornecedor para a esfera jurídica do locador. E este deve exigir e assegurar-se da verificação de todos os elementos ocorrentes ao negócio real aquisitivo, nomeadamente de possíveis vícios que possam ser oponíveis à sua aquisição.

O contrato de locação financeira não é uma compra e venda porque a propriedade se não transfere por mero efeito do contrato mas também não é uma locação típica, pois o locatário tem o direito de acabar por adquirir o respectivo bem.

A locação financeira é, essencialmente, um negócio de crédito, ainda que vertido nos moldes da velha locação. Assim, não lhe são aplicáveis as regras da compra e veda e, designadamente, as regras da venda a prestações (Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, págs. 557/558).

O elemento característico da locação financeira, enquanto cedência do gozo temporário de uma coisa, é, a circunstância do locatário poder fazer sua a coisa locada (móvel ou imóvel) findo que esteja, o prazo acordado (art. 9º, n.º 1, do DL n.º 149/95, de 24/06), embora não responda pelos vícios da coisa, que não tenha provocado, nem pela inadequação da coisa ao fim do contrato, exigindo-se ao locatário que avise o locador dos vícios de que tenha conhecimento, quando terceiros se arrogam direitos sobre o objecto da locação [artigos 10º, n.º 1, h) e 12º].

O locador é dono do objecto locado, até ao fim do prazo acordado, como resulta do n.º 2, alínea e) do artigo 10º do citado DL n.º 149/95.

O locador mantém-se proprietário do bem dado em locação. Só no fim do contrato o locatário pode exercer a opção de compra, adquirindo, então, a posição de proprietário. Estando registada locação financeira a favor da A., esta como locatária da fracção autónoma, não é sua proprietária, mas sim o locador, no caso, o “Banco A, SA”.

Assim sendo, mantendo-se o locador proprietário do bem até ao fim do contrato, e só caso o locatário exerça o direito de opção, será aquele o condómino do prédio em regime de propriedade horizontal, por ser o proprietário exclusivo da fracção.

Nesta conformidade, e não sendo a A. proprietária mas sim locatária da fracção, carece de legitimidade para pedir a anulação das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos do Edifício W.

Condómino do prédio, nos termos do n.º 1, do art. 1433º, do CCivil, e com legitimidade activa para pedir a anulação de deliberações da Assembleia de Condóminos, será o Locador, no caso “Banco A, SA”, por ser o proprietário exclusivo da fracção.

Os locatários, como a A., por não serem proprietários das fracções autónomas, não são condóminos dos imóveis onde estas se situam, carecendo assim de legitimidade activa para impugnar as deliberações das Assembleias de Condóminos.

Isto posto, e sendo o Locador o proprietário da fracção autónoma, será este o convocado para as Assembleias de Condóminos, e onde poderá tomar posição sobre as deliberações que possam afectar a sua fracção, bem como o imóvel do qual é condómino. Caso este não queira comparecer a tais Assembleias poderá ser representado por qualquer outra entidade, nomeadamente, e o que se mostra razoável, no locatário, onde este poderá reagir contra qualquer violação do regime condominal. Se quiser reagir contra qualquer deliberação tomada em Assembleia de Condóminos e que possa afectar a fracção, como aqui aconteceu, sempre poderia obter procuração do locador para intentar a competente acção judicial, uma situação deveras simples, e que pura e simplesmente a A. descurou, vindo como mera locatária impugnar deliberação da assembleia de condóminos, quando não detém a qualidade que a lei exige para tal efeito – condómina, nem está mandatada por quem de direito – condómino/proprietário.

Veja-se que se o locatário tivesse legitimidade para impugnar as deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos, poderia pedir a anulação de uma deliberação em que o locador tivesse estado presente e com a qual tivesse concordado. Assim, não pode o locatário ter legitimidade para impugnar deliberações das Assembleias de Condóminos, pois caso a tivesse, poderia haver um conflito de interesses com o locador que, tendo estado presente, as tivesse votado favoravelmente.

Ora, o locador financeiro, se for sua vontade, poderá sempre mandatar a A. para tomar todas as providências necessárias no que respeita aos direitos relativos ao imóvel, pelo que, o não reconhecimento para poder impugnar deliberações das Assembleias de Condóminos, não inviabiliza os seus deveres enquanto locatária financeira.

Assim sendo, a norma do al. c), do n.º 2, do art. 10º, do DL n.º 149/95, não pode ser interpretada no sentido do locatário ter legitimidade ad causam para impugnar as deliberações da Assembleia de Condóminos.

Concluindo, o locatário no caso de discordar com as deliberações tomadas em Assembleias de Condóminos, poderá impugná-las, desde que para tal esteja devidamente mandatado pelo locador, pois só este tem para tal legitimidade.

E não se diga que actua a R. com abuso de direito ao invocar tal excepção...

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