Acórdão nº 1428/12.9TBBCL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução11 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO L. S. (entretanto falecido e cujos herdeiros foram habilitados no apenso E) e esposa C. A., instauraram acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra C. M. e esposa M. C., pedindo que os réus sejam condenados a:

  1. Reconstruirem a abertura antes existente no muro de vedação do seu prédio rústico inscrito na matriz respectiva sob o n.º (...), para acesso dos autores à mina que, subterraneamente, atravessa esse mesmo prédio; b) Efectuarem essa reconstrução, repondo no muro, que agora fizeram “ex-novo”, uma abertura de altura não inferior a 1,30 metros e cerca de 70 cm de largura, permitindo a passagem humana, para acesso dos autores à mina referida, com ombreiras, padieira e soleira em pedra, que antes tinha; c) Reconstruirem o poço de vigia que no seu prédio existia e com a profundidade necessária para acesso e visibilidade da água da mina, facultando aos autores, por essa forma, a mesma acessibilidade e vigilância da água da mina que antes tinham; d) A não obstruírem ou dificultarem, por qualquer forma, o exercício de servidão de aqueduto e de passagem pelo seu prédio, de que os autores são titulares, e na justa medida das necessidades destes para a normal condução da água que lhes pertence e que é recolhida e usufruída pelos mesmos autores no prédio identificado no art. 1.º da p.i. e que lhes pertence; e) Pagarem as custas e indemnização de todos os danos sofridos e a sofrer pelos autores e que vierem a liquidar em execução de sentença.

Alegam para tanto e em síntese, que são proprietários de um prédio urbano, que adquiriram por doação do pai do autor marido em 02.08.1954 e que depois lhes foi adjudicado na partilha subsequente ao óbito do pai do autor marido, mas relativamente ao qual há mais de 40 anos que exercem actos de posse como se fossem seus donos, pelo que, sempre teriam adquirido a propriedade de tal prédio por usucapião.

Do prédio de que os autores são proprietários faz também parte, como resulta da dita escritura de doação, toda a água que o pai do autor marido captava, desde 1900, no prédio urbano denominado de Casa T., do qual também era proprietário e que já havia doado ao filho A. F. em 22.10.1949. Tal água foi igualmente adjudicada aos autores na partilha subsequente ao óbito do pai do autor marido, tendo sido avaliada separadamente.

O prédio, onde o pai do autor marido captava a água, pertence actualmente a Maria e M. F., irmãs do réu marido e filhas do falecido A. F., por o terem adquirido por escritura de compra e venda.

A água é captada em tal prédio através de uma mina cavada e revestida em pedra e que se situa a uma profundidade de cerca de 10 metros. Depois a água é conduzida para o prédio dos autores, subterraneamente, através de diversos prédios e também através do prédio de que os réus são proprietários, num percurso total de cerca de 220 metros. A mina é revestida e capeada em pedra desde a captação e num percurso de cerca de 80 metros, continuando depois canalizada num percurso de cerca de 140 metros, em tubo de barro e introduzido numa galeria cavada no solo revestida e capeada com terra e brita.

Tal canalização é do conhecimento de todos os proprietários dos prédios por onde a mesma passa, incluindo os réus, e sempre foi respeitada e autorizada por todos.

Há mais de 20 anos que os autores, para os fins exclusivos de fruição de tal água, sempre fizeram passar a água por tais prédios, no percurso da referida mina, à vista de todos, sem oposição de ninguém e na convicção de que exerciam um direito próprio.

O acesso ao prédio rústico dos réus, por onde também passa a mina, sempre foi feito por uma abertura construída no muro que o vedava, na confrontação com o prédio pertencente a António, sendo que era também por essa abertura que era feito o acesso à mina, cujo topo se situa a cerca de 20 cm de profundidade e que depois percorre o prédio dos réus a uma profundidade de cerca de 3 metros. Tal abertura constituiu sempre a entrada dos autores e dos anteproprietários do seu prédio, à mina e sempre esteve construída no muro de suporte da terra do prédio dos réus. A abertura tinha 1,30 metros de altura e 0,70 metros de largura, com ombreiras, padieira e soleira em pedra, sendo bem visível e reconhecida por todos como entrada dos autores para a acesso à mina de condução de água.

Para além da entrada referida, a poucos metros, no interior do prédio dos réus, situa-se um poço de vigia da mesma mina, ao qual os autores e seus antecessores sempre tiveram acesso para vigilância e condução do caudal da corrente.

Sucede que há cerca de 18 meses, os réus destruíram e taparam por completo, com a construção de um novo muro, a abertura situada no velho muro de vedação do seu prédio, tal como destruíram e taparam o poço de vigia que se situava no interior do seu prédio, impedindo os autores não só de acederem ao seu prédio, no que se revelar necessário para garantir a servidão de aqueduto existente, mas também de acederem ao poço de vigia, o que impede os autores de poderem fiscalizar o curso de água e garantir a normalidade da corrente.

O comportamento dos réus tem causado aos autores prejuízos vários.

*Os réus foram válida e regularmente citados.

Apenas a ré M. C. contestou, conforme resulta de fls. 105 e 106 dos autos e bem ainda das decisões constantes de fls. 108 e decisão do recurso do apenso A, sentença de fls. 123 e respectivo acórdão de fls. 167 a 175 (que revogou o despacho de fls. 108 e anulou a sentença de fls. 123), despacho de fls. 200 a 205 e decisão do recurso do apenso D, que revogou a decisão de fls. 200 a 205 e ordenou que tal decisão fosse substituída por outra que julgasse tempestiva a contestação apresentada pela ré.

Na sequência do ordenado pelo Tribunal da Relação de Guimarães no apenso D, foi proferido o despacho de fls. 337 a 341, onde a fls. 341 a contestação apresentada pela ré M. C. foi julgada tempestiva. Assim, a ré M. C. veio contestar nos termos de fls. 105 e 106 dos autos, defendendo-se por impugnação, concluindo que a acção deve ser julgada improcedente por não provada, com a consequente absolvição dos réus dos pedidos formulados pelos autores.

*Proferiu-se despacho saneador tabelar e designou-se data para realização da audiência de julgamento, conforme despacho de fls. 379 e 380 dos autos.

*Face ao falecimento do autor L. S. em 09.10.2017, a instância foi suspensa até que fossem habilitados os seus herdeiros (fls. 438).

Os herdeiros de L. S. foram habilitados no apenso E, por decisão transitada em julgado e, em consequência, foi ordenado o prosseguimento dos autos conforme despacho de fls. 440.

*Realizou-se a audiência de julgamento, com inspecção judicial ao local, observando-se o formalismo legal.

Proferiu-se sentença em que se decidiu: Por todo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência decide-se:

  1. Reconhecer que os autores são titulares de uma servidão de aqueduto que onera os prédios dos réus descritos em 15) e 16) dos factos provados a favor do prédio dos autores descrito em 1), 3) e 6) dos factos provados.

  2. Condenar os réus a reconstruirem a abertura com uma altura de cerca de 1,30 metros e a largura de cerca de 70 cm, com ombreiras, padieira e soleira em pedra existente no muro de suporte de terras do prédio referido em 16) dos factos provados, e que veda tal prédio pelo noroeste, de forma a permitir o acesso dos autores à galeria existente e por onde é conduzida a água quando as circunstâncias imponham a necessidade de inspeccionar os tubos que compõem o aqueduto e proceder às necessárias reparações.

  3. Condenar os réus a não obstruir ou dificultar o exercício da servidão de aqueduto pelos autores, na medida em que os autores a exerçam pela abertura a reconstruir no muro referido em 20) dos factos provados.

  4. Absolver os réus do demais peticionado pelos autores.

    Custas a cargo dos autores e dos réus em partes iguais.

    *Inconformada, a ré M. C. interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: 1- Salvo melhor opinião, parece-nos manifesto que a servidão legal de aqueduto em causa nos presentes autos em caso algum poderá ser constituída por usucapião por lhe faltar a tal condição do «voluntariamente» que pressupõe obviamente que o proprietário do prédio dominante a consinta através de uma declaração de vontade validamente expressa, e, assim sendo, todo o iter cognitivo e silogístico operado na douta sentença está manifestamente viciado, não podendo esta socorrer-se supletivamente do regime legal da servidão legal de aqueduto; 2- E, por via disso e antes de mais, terá a meritíssima juíza a quo de esclarecer se, na tese adoptada na douta sentença, estamos perante uma servidão predial de aqueduto constituída por usucapião ou se, ao invés, estamos perante uma servidão legal de aqueduto constituída voluntariamente, sob pena da decisão recorrida padecer duma contradição insanável quanto aos seus fundamentos; 3- Por outro lado, está consignado na douta sentença que os autores não têm a propriedade exclusiva de toda a água em causa nos presentes; 4- Contudo, mesmo assim, a meritissima Juiza a quo acabou por reconhecer aos AA adquiriram direito á água em causa nos presentes autos por usucapião, parecendo confundir o direito propriedade da água com o respectivo direito de servidão; 5- Sendo certo que, o direito à água que nasce em prédio alheio, conforme o titulo da sua constituição, pode ser um direito ao pleno uso da água, sem qualquer limitação, e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes, por conseguinte, às necessidades deste», « No primeiro caso, a figura constituída é o direito de propriedade da água; no segundo é a da servidão»- Vd acórdãos do STJ de 29/09/2014 (proc nº 05A011) e de 28/10/2014 (Proc 750/03.0TCGMR.G1.S1) in www.dgsi.pt/jst.nsf; 6- Razão pela qual, também aqui a ré ora recorrente não consegue acompanhar e...

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