Acórdão nº 616/16.3T8VNF-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução11 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Nos termos do n.º 2 do artigo 188.º do CIRE, veio a administradora da insolvência apresentar parecer quanto ao incidente de qualificação da insolvência de V. P., concluindo que a insolvência deve ser qualificada como culposa, sendo o insolvente afetado por tal qualificação.

Foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência.

O Ministério Público emitiu parecer concordante com o da administradora da insolvência.

O insolvente apresentou a sua oposição, alegando a intempestividade da apresentação do parecer sobre o incidente da qualificação da insolvência, 14 meses após o termo do prazo estipulado no artigo 188.º, n.º 1 do CIRE para a presentação de tal requerimento e, sem prescindir, apresentando a sua versão dos factos para concluir pela não verificação de culpa.

Foi proferido despacho saneador com o indeferimento da exceção relativa à extemporaneidade de apresentação do parecer de qualificação, despacho que foi confirmado por este Tribunal da Relação, após apelação interposta pelo insolvente, que subiu em separado e foi julgada improcedente.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido:

  1. Qualifico como culposa a insolvência de V. P., declarando afetada pela mesma V. P..

  2. Fixar em 2 (dois) anos o período da inibição do mesmo para administrar patrimónios de terceiros, o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; c) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por V. P. e condená-lo na restituição de eventuais bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; d) Condenar, ainda, o requerido V. P. a pagar aos credores o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos termos do art. 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não forem liquidados pelo produto da liquidação do ativo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar, valor a fixar em liquidação de sentença.

Fixo o valor do incidente em €30.000,01- artigo 303º, nº1 CPC ex vi artigo 17º CIRE.

Custas pelo insolvente e afetado V. P.- artigo 526º, nº1 CPC ex vi artigo 17º CIRE.

Registe e Notifique”.

O insolvente interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: 1.

O tribunal “a quo” proferiu douta sentença que determinou a sua insolvência, do ora recorrente, como culposa.

  1. Para tanto, foi dado como provado, no ponto 3, que: “Com o manifesto intuito de dissipar património, aquele vendeu a E. M., seu amigo, os seguintes bens: a) no dia 20-1-2015 pelo valor de € 5.500,00 o veículo automóvel de marca Mercedes Benz, matrícula ..-..-OV, pelo valor de € 2.500,00 o veículo automóvel de marca Polaris, matrícula ..-..-TU; b) no dia 15-5-2015 pelo valor de € 3.000,00 o prédio urbano sito na freguesia de (...), concelho de Bragança, inscrito na matriz sob o artigo 35º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), pelo valor de € 4.000.00 o prédio urbano sito na freguesia de (...), concelho de Bragança, inscrito na matriz sob o artigo 55º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), pelo valor de € 1.900,00 o prédio urbano sito na freguesia de (...), concelho de Bragança, inscrito na matriz sob o artigo 91º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...).” 3. Ora, andou mal o tribunal “ a quo” ao dar como provado enunciado no ponto 3, ao concluir, especialmente, na parte do “Com o manifesto intuito de dissipar património” (nosso sublinhado), quando também dá como provado que os valores das vendas foram entregues, bem como que, encontrando-se o insolvente desempregado, não teve este outra opção, para seu sustento, se não vender os mencionados veículos e prédios (pontos 7 e 27).

  2. Ora, todos os bens foram objectos de contrato de compra e venda, com a exclusiva motivação de que os montantes recebidos serviriam para suprir as necessidades do insolvente, o seu sustento, uma vez que o ora recorrente não detinha qualquer fonte de rendimento.

  3. Pelo que deverá incluir-se no ponto 27, igualmente os prédios mencionados no ponto 3, tanto mais que não é apresentada qualquer prova que evidencie a diferença no tratamento entre os veículos automóveis e os mencionados prédios.

  4. Neste sentido, deverá o ponto 3 ser alterado por Vossas Venerandas Excelências, nos seguintes termos: “O insolvente vendeu a E. M. (…).

  5. E o ponto 27 deverá ter a seguinte redacção: “O insolvente não teve outra opção para proceder ao seu sustento senão vender a 20-1-2015 o veículo de matrícula ..-..-OV, marca Mercedes Benz, pelo valor de € 5.500,00, e o veículo de matrícula ..-..-TU de marca Polaris, pelo valor de € 2.500,00, bem como no dia 15-5-2015 pelo valor de € 3.000,00 o prédio urbano sito na freguesia de (...), concelho de Bragança, inscrito na matriz sob o artigo 35º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), pelo valor de € 4.000.00 o prédio urbano sito na freguesia de (...), concelho de Bragança, inscrito na matriz sob o artigo 55º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), pelo valor de € 1.900,00 o prédio urbano sito na freguesia de (...), concelho de Bragança, inscrito na matriz sob o artigo 91º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...).””.

  6. Em consequência da alienação dos bens imóveis não ter sido para dissipá-los, terá de ser retirado dos factos dados como provado o ponto 15: “Com esta atuação quis o insolvente concretizar o seu objetivo e impedir a satisfação dos créditos reconhecidos.”.

  7. Talqualmente e em acréscimo, o tribunal “a quo” não concretiza qual é a atuação que o insolvente adotou para impedir a satisfação dos créditos reconhecidos: alienação completa dos bens, parte deles e, neste caso, quais?! 10.Ademais, e em justa contraposição, bem como na sequência do já supra invocado (ponto 27), deverá ser considerado como provado o ponto G dos factos dados como não provados, nos seguintes termos: “Todas as alienações foram realizadas de boa- fé e por necessidade latente e pessoal do insolvente.” Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, 11.Resulta que, para que a insolvência seja qualificada como culposa, exige-se uma relação de causalidade entre a conduta do devedor e o seu estado de insolvência.

  8. Em consequência, salvo existindo presunção, deve ser provada a culpa e o nexo de causalidade, fundamentados em facto concreto que tenha sido condição essencial para a criação ou agravamento da situação de insolvência.

  9. No caso em apreço, e tal como resulta da matéria de facto, não se baseou o tribunal “a quo” num único facto susceptível de indiciar o necessário nexo do acto culposo do recorrente com a criação ou agravamento da referida situação de insolvência.

  10. Ora, a sua situação não se agravou pelo facto da sua conduta. A sua situação agravou-se em virtude de não ter qualquer fonte de rendimento, elemento externo à sua vontade, conforme consta do ponto 18, “O insolvente não dispunha desde que ficou desempregado, nem dispõe de qualquer rendimento, tendo-lhe sido recusado o subsídio de desemprego pela Segurança Social.” 15.Ademais, à...

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