Acórdão nº 6/18.3PTGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelARMANDO AZEVEDO
Data da Resolução08 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1.

No processo sumário nº 6/18.3PTGMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 1, em que em que é arguido Rui, com os demais sinais nos autos, por sentença, lida e depositada em 22.03.2018, foi decidido [transcrição]: · Condenar Rui pela prática, como autor material, de um crime de desobediência p. e p. nos termos do art.º 348.º, n.º 1, al. a) e 152, n.º 3 do C.E, na pena de 115 (cento e quinze) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros),.

· Aplicar a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor p. e p. pelo art.º 69.º, n.º1, al. c) do C.Penal, pelo período de 9 (nove) meses.

· Mais se decide condenar o arguido no pagamento de 3 U.C.’s de taxa de justiça e nas demais custas do processo.

  1. Não se conformando com a mencionada decisão, dela interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: 1ª O presente recurso vem interposto da sentença que condenou o recorrente pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelo artº 348º nº1 al. a) do Código Penal ex vi do artº 152º nº1 al. a) e nº3 do Código da Estrada na pena de 115 dias de multa à taxa diária de 8 € e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 9 meses.

    1. O recorrente viu indeferida a suspensão provisória do processo pelo Procurador de turno, tendo apresentado reclamação hierárquica de tal despacho, vindo a Procuradora Coordenadora a julgar inadmissível a reclamação.

    2. Tendo arguido a irregularidade por inconstitucionalidade do entendimento que se extraiu das normas do Código de Processo Penal no sentido de que era inadmissível tal reclamação do despacho de não concordância do MP com a suspensão provisória do processo, veio o Mmo. Juiz de Julgamento a indeferir a suspensão provisória do processo em julgar a irregularidade arguida.

    3. O recorrente não atacou o despacho do Procurador de turno perante o juiz de julgamento, nem o podia fazer, porque o juiz (no caso de instrução) apenas havia que se pronunciar se o Ministério Público desse a sua concordância à suspensão provisória do processo (artº 384º nº1 e 3 do Código de Processo Penal).

    4. Tendo o Mmo. Juiz de Julgamento se pronunciado sobre o fundo da questão, ou seja, se era ou não admissível a suspensão provisória do processo e não já sobre a admissibilidade ou não de reclamação hierárquica, proferiu decisão para a qual era incompetente, incumbindo tal competência ao juiz de instrução, apenas e só se fosse dada concordância pelo MP (neste sentido, o acórdão do TRG de 19/3/18, relatado por Alda Casimiro, publicado in www. dgsi.pt.) 6ª A decisão do Ministério Público a determinar a suspensão ou a rejeitá-la, apenas é impugnável através de reclamação hierárquica, pelo interessado (cfr. neste sentido, o acórdão do TRG de 8/5/17 relatado por Jorge Bispo, publicado in www.dgsi.pt).

    5. Assim, ao não conhecer da questão que foi suscitada e decidir sobre matéria cuja competência não lhe estava atribuída foi cometida a nulidade insanável do artº 119º al. e) do Código de Processo Penal que deve, agora, em recurso ser decretada com as legais consequências.

    6. O elemento objectivo do tipo de crime de desobediência não se encontrava descrito na acusação, nem surge explicitado na sentença recorrida.

    7. Para que se concluísse que o arguido estava sujeito à fiscalização e às provas para detecção do estado de influenciado pelo álcool teria que se encontrar alegado e ter sido julgado provado na sentença que o arguido circulava com o seu veículo em via pública ou equiparada, nos termos do artº 292º nº1 do Código Penal e do artº 1º als. v) e u) do Código da Estrada.

    8. Na verdade, não releva jurídico-penalmente o trânsito em toda e qualquer via, mas tão-só nas vias públicas ou equiparadas. Significa isto que a condução de veículo a motor em via particular ou privada ou que, de qualquer forma, não está afecta ao trânsito público retira a tipicidade à condução do agente.

    9. Quer isto dizer que, o Ministério Público deveria ter concretizado estes conceitos na acusação que deduziu nos presentes autos, de modo a delimitar devidamente o objecto do processo, alegando que no dia e hora constantes da acusação aquela concreta via se encontrava afecta ao trânsito público, pois que, independentemente, de a via ser ou não pública, esta tem que se encontrar afecta ao trânsito público, por forma a ser preenchido o elemento objectivo do crime.

    10. Assim, ao não se ter dado como provado na sentença recorrida que o arguido circulava com o seu veículo em via pública ou equiparada, não se pode concluir que a ordem que lhe foi dada tenha sido legal e legítima, pelo que não se pode concluir pela prática do crime de desobediência, pelo que o arguido deveria ter sido absolvido da prática do crime em causa.

    11. Por outro lado, para que a ordem dada ao arguido fosse legal e legítima haveria que se indagar se o teste de álcool que se pretendia que o arguido fizesse estava de acordo com a lei, nos termos do disposto nos artºs 153º nº1 do CE, 14º nº1 e 2 da Lei 18/07 e artº 6º nº3 da Portaria nº 1556/07.

    12. Não se dando como provado que o exame ao ar expirado iria ser feito em aparelho aprovado por despacho do presidente da ANSR ou que o modelo tenha sido alvo de homologação ou se a aprovação do modelo ainda estava em vigor, não se poderia dar como assente que a ordem dada ao arguido era legal e legítima, pelo que também por esta razão o arguido deveria ter sido absolvido da prática do crime.

    13. No auto de notícia constava que “(…) o suspeito recusou efectuar qualquer tipo de sopro, bem como quaisquer outros testes de detecção de álcool e despiste de substâncias psicotrópicas (…)”.

    14. Tal facto não foi dado como provado ou não provado, apesar de se ter feito uso do disposto no artº 389º nº1 e 2 do Código de Processo Penal, pelo que esse facto deveria ter sido julgado.

    15. Quer isto dizer que a sentença recorrida não conheceu de questões de que deveria conhecer, pelo que deve ser julgada nula, nos termos do disposto no artº 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal.

    16. Os factos nº7 e 9 dados como provados são inconciliáveis.

    17. Na verdade, não se pode dar como provado que Apesar de saber que sobre si impendia a obrigação legal de sujeitar-se ao exame que se destinava a detectar a presença de álcool no sangue, mesmo assim não o fez, opondo-se a tal exame para obstar àquela verificação, que sabia ser legal, actuando com intenção de desobedecer a comando válido que lhe era regularmente transmitido por agente de autoridade competente para o efeito e de se eximir à acção da justiça, o que conseguiu e ao mesmo tempo dar-se como provado que O arguido solicitou a realização do teste quantitativo através de análise ao sangue (…)”.

    18. O arguido sabia que sobre si impendia a obrigação legal e quis cumpri-la através da análise ao sangue. Não se opôs ao exame para obstar a qualquer “verificação” ou com o fito de se eximir à realização da justiça, tanto mais que o arguido já se tinha submetido a exame qualitativo e o exame quantitativo pode fazer-se através da análise ao sangue.

    19. Se o arguido tivesse sido submetido ao exame ao sangue como havia pedido, nada impediria que o Tribunal a quo pudesse valorar tal exame, antes o impunha, determinando, quando muito, a realização do teste através de análise ao sangue, uma irregularidade que em nada afectava o valor do acto em questão.

    20. De facto, o arguido não se opôs à verificação do álcool no sangue nem se eximiu à acção da justiça, através da sua recusa em efectuar o sopro, pelo que deve ser dado como verificado o vício referido e a sentença anulada em conformidade.

    21. Tendo em conta que o crime de desobediência é punível com pena de multa até 120 dias e a proibição de conduzir tem como mínimo 3 meses e máximo 3 anos, em concreto, a aplicação de 115 dias de multa e 9 meses de proibição de conduzir é exagerada.

    22. Na verdade, o arguido é pessoa bem inserida socialmente, idónea, benquista no meio em que habita, com preocupações sociais como a ajuda a crianças com deficiência mental, como decorre do ponto 14 da matéria de facto, não se coadunando as penas aplicadas com as necessidades de prevenção especial.

    23. De qualquer das formas, e ainda que assim não se entenda, considera-se adequado fixar ao arguido a pena de 100 dias de multa e a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor no período de 5 meses, sendo mais conforme com o disposto nos artºs 40º e 71º do Código Penal.

    24. Como decorre dos autos o arguido foi detido aquando da fiscalização a que foi sujeito, pelo que, nos termos do artº 80º nº2 do Código Penal a detenção que o arguido sofreu deveria ser descontada na pena de multa aplicada, tal como na pena acessória.

    25. Na sequência da fiscalização da condução sob o efeito do álcool, o recorrente para além da detenção, ficou impedido de conduzir pelo período de 12 horas, nos termos do disposto no art. 154.º, n.º 1 do Código da Estrada, pelo que se, em concreto, na sentença se aplica uma pena acessória de 9 meses de proibição de conduzir, este não cumpre os 9 meses pelos quais foi condenado, mas sim 9 meses e 1 dia, por força da aplicação do impedimento previsto no Código da Estrada.

    26. Pelo exposto, ao não proceder ao referido desconto deve entender-se que a sentença recorrida não se pronunciou sobre questões de que deveria conhecer e, como tal, deve considerar-se nula nos termos do disposto no artigo 379º, nº1. alínea c) do Código de Processo Penal.

    27. A sentença recorrida violou ou fez errada interpretação das normas referidas na motivação de recurso que aqui se dão por integralmente reproduzidas, não podendo, pois, manter-se.

    Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, o arguido ser absolvido do crime pelo qual foi condenado, por só assim se fazer JUSTIÇA! 3.

    O...

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