Acórdão nº 734/10.8PBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA COIMBRA
Data da Resolução08 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

No processo 734/10.8PBVCT foi o arguido A. N. condenado pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos arts. 13º, 15º, al. b) e 148º, n.° 1 do C. Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de 6 (seis) euros, por cada um dos crimes.

Operado o cúmulo das penas de multa aplicadas, nos termos do disposto no art° 77º do Código Penal foi o arguido condenado na pena única de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária 6 (seis) euros, no montante global de 420 (quatrocentos e vinte) euros.

Foi ainda condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 (três) meses, por cada um dos crimes - art° 69º, nº1, a), do C.P.

Operado o cúmulo jurídico das penas acessórias aplicadas, foi condenado o arguido na pena acessória única de proibição de conduzir veículos motorizados, por 4 (quatro) meses.

Mais foi condenado o arguido nas custas e encargos do processo, sem prejuízo do apoio judiciário.

(..) Inconformado com a condenação, recorreu para este Tribunal da Relação concluindo o recurso do modo que a seguir se transcreve: 1. O recorrente não se conforma com a decisão proferida quanto à parte crime, que é a que lhe diz respeito, e 2. que o condenou, pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de ofensas à integridade física por negligência, p. p. pelos artigos 13°, 15º, al. b), e 148º n° 1 e 77º do Código Penal, na pena única de multa, em cúmulo jurídico, de setenta dias, à taxa diária de seis euros, no montante global de quatrocentos e vinte euros, 3. e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, em cúmulo jurídico, por quatro meses, nos termos dos artigos 69º, n° 1 al. a) e 77° n° 1 do Cód. Penal.

  1. Entende o recorrente que existe insuficiência da matéria dada como provada, em desfavor do arguido, bem como uma errada apreciação da prova e uma errada interpretação e aplicação da lei.

    Da Matéria de Facto, 5. Da matéria dada como provada não resulta qual a velocidade a que seguia o veículo automóvel do recorrente; 6. Atendendo ao que consta no documento de fls. 94 dos autos, conjugado com o depoimento da testemunha José, agente da PSP, referido na sentença, que procedeu à investigação do acidente, o tribunal deveria ter considerado como provado, que o veículo automóvel do recorrente seguia a uma velocidade entre os 39,208 e 47,921 km/h; 7. Sendo que, em respeito do princípio geral do processo penal, in dubio pro reo, nunca se poderia considerar que o veículo automóvel do recorrente seguisse a velocidade superior a 39,208 km/h, o que poderá ter relevância para a decisão final, em favor do recorrente; 8. O tribunal a quo omitiu o exame crítico do documento de fis. 94, quando a consideração global da prova o exigia.

  2. Ademais, o tribunal a quo ignorou igualmente o registo individual de condutor, do recorrente, de fis, 131, o qual demonstra que este não tem antecedentes ao nível de infrações rodoviárias.

  3. Pelo que, na matéria dada como provada deveria ser acrescentado um novo ponto com a seguinte factualidade: "O veiculo automóvel do arguido seguia no mínimo a 39,208 km/h e no máximo a 47,921 km/h".

  4. Assim como, no ponto 17, da matéria dada como provada, onde consta "O arguido não tem antecedentes criminais" deveria ser acrescentado "nem rodoviários".

  5. Tais alterações à matéria dada como provada, no entender do recorrente, poderão juntamente com uma nova análise e valoração da prova no seu conjunto, ter relevância para o recorrente.

    Do Erro na Apreciação da Prova; 13. O recorrente defende que a factualidade apurada deveria ser suficiente para suportar a sua absolvição e não a sua condenação, 14. O recorrente baseia-se em quatro pontos da prova para fundamentar que, naquela situação, efetuou todos os comportamentos necessários e adequados, e que qualquer pessoa colocada na sua posição adotaria exatamente os mesmos comportamentos, e que nada mais lhe era exigível fazer.

  6. Primeiro: A sinalização luminosa no local estar a funcionar com anomalia, designadamente, a luz vermelha; 16. Se as entidades que estudam, avaliam e determinam a colocação de semáforos nas estradas, se ali decidiram colocar dois semáforos em simultâneo, um vertical e um horizontal, é porque entenderam que os utilizadores daquela via, para o fazerem em condições de total segurança necessitavam de receber os alertas desses dois semáforos.

  7. Ora, se num deles não funcionava a luz vermelha, então a função desse semáforo deixa de auxiliar e alertar devida e completamente os condutores, tal como se idealizou, e isso poderá ter tido alguma influência e contribuído para o acidente.

  8. Não terá sido tal situação, por si só, que provocou o acidente mas poderá ter sido mais um fator, junto com outros a contribuir para o acidente, o que sempre abonaria favor do arguido, situação esta que o tribunal a quo não quis valorar.

  9. Na verdade, não obstante tal avaria estar comprovada (ponto 4 da matéria dada corno provada) em nada serviu a mesma para abonar a favor do arguido, o que manifestamente é um erro na apreciação e na valoração da prova.

  10. Segundo: A velocidade a que seguia o veiculo automóvel do recorrente; 21. Como já se defendeu, se o tribunal a quo tivesse valorado e dado como provado que o veiculo do recorrente seguia a uma velocidade entre os 39,208 e 47,921km/h, em respeito do principio in dubio pro reo, nunca se poderia considerar que o veículo automóvel do arguido seguia a velocidade superior a 39,208 km/h.

  11. o que estaria bem abaixo da velocidade permitida no local, de 50 km/h, em consequência tal não poderia ser considerado, pelo tribunal a quo, como falta de moderação especial da velocidade, e como tal também não teria sido devido esse factor que se deu o acidente e, assim, deixaria de ser um fator de fundamentação da negligência do recorrente.

  12. Terceiro: Rasto de travagem de 9,33 metros; 24. Tendo sido dado como provado, que o veículo do recorrente deixou rasto de travagem, no local do acidente, de 9,33 metros, tem de se concluir que pelo menos a 9,33 metros o recorrente se apercebeu do veículo imobilizado à sua frente.

  13. Sendo certo que, de acordo com as regras da experiência e também de alguns estudos rodoviários, que desde o momento em que o condutor se apercebe do obstáculo à sua frente até ao momento de reação, ou seja, até ao acionamento dos travões, ainda decorrem alguns metros, dai que pelo menos a cerca de 13, 14 ou 15 metros antes, o recorrente terá visto o veículo dos ofendidos parado à sua frente.

  14. Portanto, não poderia o tribunal a quo concluir, sem qualquer dúvida razoável, e decidir que o recorrente conduzia de forma totalmente distraída.

  15. Pois, se avistou o veículo à sua frente, a cerca de 15 metros antes, ou pelo menos a 9,33 metros, que é a distância do rasto de travagem, é exagerado concluir que o recorrente seguia de forma totalmente distraído e que foi tal situação decisiva para o acidente, e assim mais um dos fundamentos da negligência do recorrente ficaria sem efeito.

  16. Quarto: A não imobilização do veículo automóvel do recorrente; 29. O tribunal a quo na fundamentação da decisão concluiu, que: “...o arguido não moderou especialmente a velocidade à aproximação da passadeira, nem levava a distância necessária do veículo que o precedia e assim não logrou parar o veículo e evitar o embate, o que podia e devia ter feito. Em face do exposto, formou-se no tribunal, a convicção serena e segura, para além de qualquer dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que resultaram provados.” 30. E deu como provados os factos constantes de 12 a 16 da matéria provada.

  17. Ora, se atentarmos, em respeito do principio in dubio pro reo, que o tribunal a quo somente poderá considerar como certo que o veículo automóvel do recorrente seguia no mínimo a 39,208 km/h, 32. e, atento o constante dos autos, donde resulta que na data e local dos factos as condições climatéricas e de visibilidade eram boas e o piso estava seco, e que existia ainda uni rastro de travagem de 9,33 metros, 33. a pergunta que se deve colocar é: se com aquelas condições, à velocidade de 39,208 km/h, uma travagem com um rasto de 9,33 metros, não seria mais do que suficiente para o veículo automóvel do recorrente, ou qualquer outro, se ter imobilizado antes do embate? 34. A resposta a tal questão, salvo melhor interpretação, é no entendimento do recorrente um facto notório (artigo 412º n° 1 do CPC), um facto que não carece de prova, de cálculos ou fórmulas matemáticas, uma vez que é do conhecimento de todos, pelo menos de todas as pessoas que conduzem veículos automóveis! 35. Qualquer cidadão comum sabe ou tem experiência que um veículo automóvel a unia velocidade de 39,208 km/h, com piso seco, não necessita de 9 metros para imobilizar o seu veículo automóvel, bastando-lhe 4 ou 5 metros para o fazer e sem ter que efetuar qualquer travagem brusca.

  18. Dai que, a não imobilização do veículo automóvel, nestas circunstâncias deveu-se a qualquer outro fator, não apurado é certo, mas nunca a distração do recorrente, a falta de moderação de velocidade, nem tão pouco à falta de distância de segurança do veículo à sua frente.

  19. Na realidade, da análise conjugada destes quatro pontos, o tribunal a quo, podia e deveria ter concluído de outra forma, pois tais situações, atrás descritas, deixam muitas dúvidas de qual o verdadeiro motivo do acidente.

  20. A decisão do tribunal a quo, aparenta ter sido baseada num único facto, que foi o do veículo do recorrente ter embatido na traseira do outro veículo e daí ter concluído que o recorrente podia e devia tê-lo evitado.

  21. Ora, o recorrente não se conforma com uma análise e valoração da prova tão simples e redutora.

  22. Isto porque, toda a prova, atrás referida, analisada em conjunto e de forma dinâmica, parece demonstrar que o recorrente não seguia distraído, que seguia a uma...

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