Acórdão nº 678/17.6GBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | JORGE BISPO |
Data da Resolução | 08 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.
RELATÓRIO 1.
No processo especial, sob a forma abreviada, com o NUIPC 678/17.6GBVVD, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Vila Verde, realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 08-02-2018, depositada na mesma data, a condenar o arguido, P. I., pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com sujeição a regime de prova, a incluir a obrigação de o arguido se submeter a tratamento ao alcoolismo, fiscalizada pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, bem como na sanção acessória de proibição de conduzir, prevista e punida pelo art. 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, pelo período de um ano e seis meses.
2.
Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição [1]): «CONCLUSÕES: 1. Com o devido respeito, que é merecido, o Arguido não se pode conformar com a douta sentença proferida merecendo a mesma censura, pelo que, o Recurso versará sobre matéria de facto e direito.
2. Na verdade, não foi feita qualquer prova de que o arguido tenha praticado o crime pelo que foi condenado.
A - DA INADMISSIBILIDADE DA COLHEITA DE SANGUE 3. O arguido foi condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292º do Código Penal.
4. O Tribunal baseou a sua convicção numa análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue acusando uma T.A.S. de 3,45g/l, conforme consta do relatório pericial de fls. 12.
5. O arguido não prestou qualquer consentimento ou foi informado porque o transportaram ao Hospital de Braga.
(Sessão de 29/01/2018, CD Faixa 1, início 09:35:21 e termo 09:55:26 passagem de 14:40 a 14:51), (Sessão de 29/01/2018, CD Faixa 1, início 09:35:21 e termo 09:55:26 passagem de 15:52 a 16:01), (Sessão de 29/01/2018, CD Faixa 2, início 09:55:26 e termo 10:07:38 passagem de 09:42 a 10:01).
6. Sem o consentimento do arguido a colheita de sangue realizada é uma prova proibida.
7. Destinando-se a colheita de sangue a outro fim que não o benefício clínico do doente, como foi o caso, para efeitos de apurar o grau de alcoolemia, deveria o arguido ter sido informado previamente desse fim, dando-lhe a possibilidade de poder recusar ou poder consentir nessa recolha.
8. A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, nos termos do artigo 126º nº 1 do Código de Processo Penal e 32º nº 8 da Constituição da República Portuguesa.
9. Sempre terá que concordar-se que a utilização do resultado do exame de recolha e análise de sangue como meio de prova para efeitos criminais, quaisquer que estes sejam, viola a integridade moral do arguido protegida expressamente nos artigos 25°, 32° nº 8 da Constituição da República Portuguesa e 126° nº1 do Código de Processo Penal.
10. O aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de sangue a arguido consciente sem lhe ser dado conhecimento e sem a sua autorização, estar-se-ia a violar o princípio fundamental e estruturante da proibição de diligências conducentes à autoincriminação do Arguido e por arrasto ver-se-iam violados os princípios da dignidade da pessoa, o princípio da presunção da inocência e o princípio do contraditório, declarados e garantidos nos artigos 1°, 25°, 32° nºs l, 2, e 8 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 126° do Código de Processo Penal in totum».
11. Estamos perante uma obtenção desleal do material biológico do arguido, e, nessa medida, ter sido omitido um procedimento essencial ao seu direito fundamental a um processo penal justo: o direito a saber que a recolha de sangue em causa era para efeitos de eventual responsabilização criminal e, assim, poder fazer valer o seu direito processual penal a não se autoincriminar.
12. E consequentemente, a concreta recolha de sangue ao arguido ora recorrente que serviu de base para apurar o seu grau de alcoolemia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo.
13. Pelo que deve ser revogada a decisão proferida nesta matéria, na douta sentença recorrida, e declarar-se a nulidade da referida prova.
14. Sem a admissão e validação da recolha de sangue não se poderiam dar como provados factos, que serviram de base e fundamentação à condenação do arguido.
15. Na verdade e atenta a nulidade supra invocada, que aqui se reproduz, jamais se poderia dar como provado que o arguido apresentava uma taxa álcool no sangue de 3.45 g/I.
B - DA NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA - DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO 16. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo profere uma decisão alegando que “ Por último, nota-se que os depoimentos de M. N. e A. P. revelaram incongruências entre si e ainda em conjugação com as declarações do arguido ou de S. S.”, não justificando, nem fundamentando o porquê de assim ter considerado, já que tal inverte os princípios fundamentais do procedimento judicial criminal, onde cabe da audiência de discussão e julgamento fazer prova de que ocorreram os factos contidos na acusação deduzida e não ao arguido fazer prova de que não aconteceram, o que não se pode aceitar.
17. Importa referenciar que a decisão recorrida deveria ser fundamentada, contendo uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, originando que a decisão recorrida padeça de nulidade por violação do artigo 374º n.º n.º2 e 379.º nº.1 do CPP.
18. O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efetuada, o que não sucedeu.
19. Não pode a Meritíssima juiz a quo resguardar-se nas regras de experiência comum e da suposição sem nenhumas premissas que o permitam.
20. Sendo que, o Tribunal Recorrido ao não ter analisado criticamente as provas, ao não ter fundamentado as conclusões a que chegou, determina a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação.
21. Sendo assim, a decisão recorrida não se encontra, com o devido respeito, fundamentada, nem justifica o porquê de não dar credibilidade aos depoimentos das testemunhas indicadas na contestação, principalmente da testemunha S. S..
22.
Pelo que, com o devido respeito, a decisão recorrida é nula por violação do n.º2 do artigo 374.º e 379.º n.º1 do CPP.
C - DA IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS 23. O Arguido/Recorrente considera que foram incorretamente dados como provados os factos número 1, 2, 3 e 9 da matéria de facto provada, em virtude de não ter havido produção de prova suficiente em audiência de discussão e julgamento para os considerar como provados, como infra iremos ver.
24. Desde logo, atenta a prova documental e testemunhal produzida e examinada em sede de audiência de julgamento, entendemos que não se podia dar como provada a factualidade supra identificada.
25. Antes de mais, importa salientar que o Recorrente, como veremos infra, quando prestou declarações em audiência de julgamento apresentou a sua versão dos factos, que foi corroborada por todas as testemunhas indicadas na Contestação/Rol de Testemunhas.
26. Justificando todas as situações descritas na acusação de forma concreta e objetiva, respondendo de forma incisiva.
27. Resulta que, em audiência de discussão e julgamento, todos os elementos de prova testemunhal contradizem, quer as conclusões e decisão preferida em sede da apreciação da validade do meio de prova — recolha de sangue — que apurou a taxa de álcool que levou à condenação do arguido, como todas as outras premissas e conclusões em que assentou a Meritíssima Juiz a quo para sustentar a condenação do Arguido.
28. Na verdade, não vislumbramos que a, sempre respeitável, livre convicção do tribunal se possa alicerçar em fundamentos e provas inexistentes e contraditórias, à revelia dos mais elementares princípios de Direito Penal! - Do facto dado como provado nº 1, 2 e 3 29. Na verdade com o devido respeito, que é muito, estes factos deveriam ter sido dados como não provados, em primeiro lugar, atentas as declarações do Recorrente, uma vez que este em audiência de discussão e julgamento negou a prática dos factos constantes da acusação do Ministério Público, por não corresponderem à verdade.
30. Senão vejamos, o Recorrente no seu depoimento demonstrou o que na realidade sucedeu, apresentando uma outra versão dos factos, que estes sim correspondem à verdade.
(Sessão de 29/01/2018, CD Faixa 1, início 09:35:20 e termo 09:54:55 passagem de 02:34 a 03:59) 31. O arguido manteve de forma objetiva a sua versão dos factos, refutando todas as testemunhas elencadas na acusação do Ministério Público.
32. A sentença recorrida refere que “ (…) o próprio arguido disse desde logo nem se lembrar da quantidade de vinho que bebera no café e de ter sido o proprietário do estabelecimento que o informou, o que claramente indicia que já estaria muito embriagado.” (sublinhado nosso).
33. O arguido refere que não se lembra do que bebeu no Café da “P.”” que foi o dono do estabelecimento que lhe disse, o que é normal, face ao mesmo ter assumido que bebeu uma garrafa de whisky na hora imediatamente a seguir.
34. A Meritíssima Juiz a quo, com o devido respeito que é muito, fez um juízo de valor...
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