Acórdão nº 1323/15.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA CONCEI
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. RELATÓRIO Maria intentou a presente ação de processo comum contra Rosa, R. B., L. R., M. B., José e Conceição, alegando, em síntese, que foi registado na CRC de Ponde de Lima como filha de R. F., sem que nada ficasse a constar quanto à paternidade.

Mais alega que é filha de D. A. que faleceu no ano de 2014, no estado de solteiro, sem a perfilhar. Na verdade, a mãe da autora e o referido Domingos namoraram um com o outro cerca de três anos e durante o namoro teve a espectativa de casar com aquele, conforme lhe era prometido. Mais alega que a sua mãe e o referido Domingos mantiveram relações de cópula nos primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o nascimento da autora. Por fim, alega que após o falecimento de D. A., em Novembro de 2014, as rés R. B. e M. B. deslocaram-se a sua casa e perguntaram-lhe se queria habilitar-se a herdar dois campos do pai e, mais tarde, nesse mesmo mês, a ré L. R. e o réu José ofereceram-lhe € 1000,00 em vez da transmissão dos referidos campo. Foi apenas nessa altura que a autora ficou com a certeza de que D. A. era seu pai.

Os Réus contestaram, excecionando a caducidade da ação. Mais defendem que a autora sempre se arrogou perante amigos, familiares e vizinhos que era filha de D. A., embora este não a reconhecesse como tal.

A Autora replicou pugnando pela improcedência da exceção.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido relegado para final o conhecimento da invocada exceção.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença que decidiu julgar procedente a exceção de caducidade invocada pelos réus e, em consequência, absolver os réus do pedido.

Inconformada, apelou a Autora da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “Conclusões: 1.ª A Meritíssima Juíza a quo decidiu verificada a exceção de caducidade da ação, por ultrapassado o prazo de 10 anos previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil).

  1. O artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil é materialmente inconstitucional.

  2. «A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação» (CRP, artigo 26.º, n.º 1).

  3. «Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade» (CRP, artigo 36.º, n.º 1).

  4. É contrária ao texto constitucional qualquer limitação temporal ao exercício da ação de investigação de paternidade.

  5. As razões que militavam para a previsão de um prazo limitativo, de caducidade, das ações de investigação de paternidade, têm de ceder perante uma plêiade de direitos fundamentais que militam no sentido da imprescritibilidade daquela tipologia de ações - direito de constituir família; direito à identidade pessoal; direito à integridade pessoal e direito à não discriminação.

  6. A revisão constitucional de 1997 introduziu o «direito ao desenvolvimento da personalidade», um direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de ação cujas restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais.

  7. Tanto o pretenso filho como o suposto progenitor têm o direito de invocar o «direito ao desenvolvimento da personalidade», mas não será forçado dizer que ele pesa mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de investigar é indispensável para determinar as suas origens, a sua família, numa palavra, a sua localização no sistema de parentesco.

  8. A limitação de agir que resulta do prazo estabelecido pela lei vigente significa uma restrição não justificada, desproporcionada, do direito do filho.

  9. O prazo de dez anos não tem cabimento constitucional, não porque não tenha uma razoabilidade processual, mas porque cerceia de forma injustificada um direito individual, qual seja o direito à história pessoal.

  10. A investigação da paternidade nunca deve ser considerada tardia, retirando-se o pouco fundamento do prazo de 10 anos até do facto do mesmo ser inferior ao prazo geral da prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.

  11. A estipulação de um prazo de caducidade mais alargado, constante do artigo 1817.º, n.º 1, na redação da Lei n.º 14/2009, não deixa de constituir uma restrição do direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade, enquanto direito fundamental, sendo que por imperativo do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, só são admissíveis restrições a esses direitos quando necessária para salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos, acrescentando o n.º 3 que elas têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo, nem diminuir a extensão e o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

  12. A identidade pessoal, caracterizadora de cada pessoa, enquanto ser único e irrepetível, que se diferencia de todos os outros, ramifica-se em vários ângulos, nomeadamente no direito fundamental ao reconhecimento da paternidade e da maternidade, direito esse que tem de sobrelevar a qualquer tipo de prazo ordinário que coarte o direito de cada um de nós saber quem é e de onde vem, quais os seus antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficas, culturais e também genéticas.

  13. O direito à verdade biológica não é só do investigante mas é também do Estado: a ordem pública impõe o impedimento dirimente absoluto do casamento entre duas pessoas parentes na linha reta ou no segundo grau da linha colateral (Código Civil, artigo 1602.º).

  14. O respeito pela verdade biológica e pela descoberta da real identidade pessoal apontam no sentido da imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade.

  15. “O direito à identidade pessoal postula um princípio de verdade pessoal. Ninguém deve ser obrigado a viver em discordância com aquilo que pessoal e identitariamente é”.

  16. “No direito de constituir família, o artigo 36.º, n.º 1 (CRP), abrange, ao lado da família conjugal, a família constituída por pais e filhos, podendo extrair-se deste preceito constitucional um direito fundamental, não apenas a procriar, mas também ao conhecimento e reconhecimento da paternidade e da maternidade".

  17. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 18.º, n.º 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa.

Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida por se ter fundado numa norma que é inconstitucional, e a substituição da mesma por outra que considere não verificada a caducidade da ação intentada pela Recorrente e, consequentemente, declare que a Autora é filha do investigado D. A..

Os Réus contra alegaram pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

***Ponderando a possibilidade de vir a ser considerada a inconstitucionalidade da norma inserta no artigo 1817º nº 1 do Código Civil (na redação dada pela Lei nº 14/2009 de 01/04) e consequentemente, não sendo de julgar verificada a caducidade, conhecer da questão da paternidade (cfr. artigo 665º nº 2 do CPC) foi proferido despacho determinando a audição das partes sobre tal questão nos termos do disposto no artigo 665º nº 3 do Código de Processo Civil.

A Recorrente veio pronunciar-se no sentido de ser decidido declarar D. A. pai da recorrente tendo em consideração a prova pericial constante dos autos, ordenando-se o averbamento da paternidade no seu assento de nascimento.

Os Recorridos vieram apresentar requerimento reiterando...

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