Acórdão nº 1878/17.4T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães*I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. Augusto (aqui Recorrido), residente na Praça (...), em Amares, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X - Cooperativa Agrícola, C.R.L.

(aqui Recorrente), com sede no (...), em Braga, pedindo que · fosse declarada nula a deliberação da Ré que alterou a redacção dos artigos 31º e 39º dos respectivos Estatutos e, em consequência, fossem declarados nulos os ditos artigos 31º e 39º, na sua actual redacção.

Alegou para o efeito, em síntese, que, estando qualquer cooperativa sujeita ao princípio da gestão democrática pelos seus membros, a Ré, por deliberação de 25 de Maio de 2010, o violou, por ter então deixado: de permitir a participação directa dos seus cooperadores na respectiva assembleia geral, restringindo esse direito aos delegados eleitos para o efeito nas suas diversas secções (desse modo alterando a redacção do artigo 31º, nº 2 dos seus Estatutos); e de permitir que cooperadores, não representados por delegados, se fizessem representar na sua assembleia geral, para efeito de voto, por outros cooperadores (desse modo alterando a redacção do artigo 39º dos seus Estatutos).

Defendeu o Autor que as alterações estatuárias realizadas por aquela deliberação afastam e impedem os cooperantes de se apresentarem, participarem e votarem nas assembleias gerais da Ré, desse modo se violando o princípio inderrogável da gestão democrática pelos seus membros; e, por isso, sendo nulas (conforme art. 56º, nº 1, al. d), do C.S.Com., aplicável ex vi do art. 9º do C.Coop.).

1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (X - Cooperativa Agrícola, C.R.L.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente.

Alegou para o efeito, em síntese, que em 14 de Junho de 2010, quando as alterações estatuárias em causa foram aprovadas, encontrava-se em vigor o anterior C.Coop., de 1996 (aprovado pela Lei nº 51/96, de 7 de Setembro), e não o actual, de 2015 (aprovado pela Lei nº 119/2015, de 31 de Agosto), sendo por isso à luz daquele primeiro diploma que teria que ser apreciada a validade das ditas alterações.

Mais alegou que, autorizando qualquer dos sucessivos Códigos Cooperativos a existência de assembleia sectoriais (por actividade, ou por área geográfica), estas contribuiriam para um aumento da participação dos cooperadores na vida da cooperativa, através dos delegados nelas eleitos (estes com efectiva presença nas assembleias gerais, ao contrário da generalizada ausência dos cooperadores); e ter sido essa possibilidade de organização sectorial das cooperativas especialmente consagrada no Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas (aprovado pelo Decreto-Lei nº 335/99, de 20 de Agosto), aplicável a si própria, face à respectiva natureza.

Alegou ainda a Ré que o voto por representação em delegados seria apenas uma consequência lógica do facto de as suas assembleias gerais serem doravante compostas por eles, e já não por cooperadores de per se.

Defendeu, por isso, a Ré que, não deixando os cooperadores de participar na tomada de decisão da cooperativa (embora já não de forma directa, mas através de delegados por si eleitos), não existiria qualquer violação do princípio da respectiva gestão democrática; e, consequentemente, qualquer nulidade que afectasse os seus Estatutos, nomeadamente os artigos 31º e 39º impugnados pelo Autor.

1.1.3.

Considerando que o processo permitiria a prolação, de imediato, de uma decisão de mérito, foram as partes convidadas a proceder à discussão escrita da causa; e cada uma delas reiterou as suas prévias pretensões e alegações, tendo o Autor defendido, em acréscimo, que a deliberação da Ré em causa seria sempre inválida, em face de qualquer um dos sucessivos Códigos Cooperativos considerados.

1.1.4.

Foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e declarando nulos os artigos 31º, nº 2 e 39º dos Estatutos da Ré, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Julgo a acção parcialmente procedente, e, consequentemente: 1º - Declaro nula e de nenhum efeito, e consequentemente, como não escrito o artigo 31°, n." 2 dos Estatutos da autora X - Cooperativa Agrícola, CRL.

  1. - Declaro nula e de nenhum efeito, e consequentemente, como não escrito o artigo 39° (in to tum) dos Estatutos da autora X - Cooperativa Agrícola, CRL.

  2. - Absolvo a ré do pedido formulado na alínea a) do petitório final.

  3. - Condeno as partes no pagamento das custas processuais, ficando 40% a cargo do autor e 60% a cargo da ré.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Ré (X - Cooperativa Agrícola, C.R.L.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido, e revogada a sentença recorrida, na parte em que declarou nulos e de nenhum efeito os artigos 31º, nº 2 e 39º dos seus Estatutos.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui reproduzidas ipsis verbis):

  1. O presente recurso tem por objecto a sentença que declarou a nulidade das cláusulas 31ª, n.º 2, e 39ª dos Estatutos da X, cuja redacção havia sido devidamente aprovada por deliberação validamente tomada a 14 de Junho de 2010 (Doc. n.º 1 da Contestação e facto 1 dado como assente pela sentença), que desde então vinham vigorando (foi julgado improcedente o pedido de que tal deliberação fosse considerada nula).

  2. O n.º 2 da cláusula 31ª dos Estatutos dispõe que «A assembleia geral é constituída pelos delegados dos cooperadores eleitos nas secções da Cooperativa» e a cláusula 39ª diz o seguinte: «1- É admitido o voto por representação) devendo o mandato atribuído a outro delegado constar de documento escrito e assinado) dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral. 2- Cada delegado não pode representar mais de um outro delegado à assembleia geral».

  3. Os fundamentos apresentados pelo Tribunal para justificar a sua decisão prendem-se com a sua visão relativamente ao princípio da gestão democrática pelos cooperantes (art. 3.°, n.º 2 do CCOOP), ao seu direito e dever a tomar parte nas assembleias gerais (al. b) do n.º 1 do art. 21.° e al. a) do n.º 2 do art. 22.° do CCOOP) e ao disposto n.º 2 do art. 33.° do CCOOP («Participam na assembleia geral todos os cooperadores e membros investidores no pleno gozo dos seus direitos").

  4. Contudo, e erradamente, a sentença confunde «participação directa» (que não vem referida em lado algum do CCOOP) dos cooperantes com «gestão democrática» (para a qual não obsta a participação indirecta, tal como aliás se encontra prevista no CCOOP).

  5. Com efeito, o CCOOP não exige a participação directa dos cooperantes nas assembleias gerais (antes pelo contrário), tendo outrossim previsto (tanto na versão vigente como nas anteriores) a possibilidade de realização das assembleias gerais por delegados (art. 33.°, n.º 3 - «Os estatutos da cooperativa podem prever assembleias gerais de delegados, os quais são eleitos nos termos do art. 44.º do presente Código»).

  6. Por isso o argumento utilizado na sentença com base na letra do n.º 2 do art. 33.° do CCOOP não merece acolhimento, porquanto é o próprio n.º seguinte do mesmo artigo que expressamente prevê a possibilidade de os estatutos das cooperativas preverem que a realização das assembleias gerais seja efectuada por delegados.

  7. Na sentença fez-se uma interpretação inflexível da letra de alguns preceitos legais, esquecendo-se outros, falhando-se redondamente na tarefa de alcançar o espírito da lei e, consequentemente, catalogando-se a linha condutora que o legislador consolidou durante décadas como incongruente, o que não faz grande sentido nem pode manter-se.

  8. A leitura que se deveria ter feito dos artigos supra citados (e a única possível) deveria antes ter ido no sentido de que, de facto, os cooperadores podem e devem tomar parte nas assembleias gerais, a não ser que, nos casos em que o CCOOP admite a existência de cooperativas polivalentes e a funcionar por secções, os estatutos consagrem que as assembleias gerais são constituídas por delegados.

  9. Assumindo a interpretação constante da sentença, também o art. 43.º do CCOOP seria, por si só, ilegal, ao prever o voto por representação, pois que também esse seria um obstáculo ao princípio da gestão democrática (que confunde com participação directa).

    1. Posto isto.

    Com a alteração dos Estatutos aprovada por deliberação de 25 de Maio de 2010, ficou claramente esclarecido que a X se organizava em secções, por força das fusões que estiveram na base da sua constituição, pela diversidade de actividades a que se dedicava, para que nenhuma área da cooperativa pudesse controlar as restantes (assegurando o seu equilíbrio e democraticidade) e para contornar os obstáculos associados à sua dispersão territorial e elevado número de cooperantes: essa deliberação é plenamente válida e nem a sentença de que se recorre a pôs em causa (tendo improcedido aí o pedido formulado pelo Autor).

  10. Nesse sentido, e tendo sempre como objectivo último salvaguardar o funcionamento democrático das cooperativas e o direito de participação nas assembleias gerais dos cooperantes, articulado com as pretensões de cada sector, foi atribuído direito de voto nas assembleias gerais aos delegados dos cooperantes, eleitos por estes nas assembleias sectoriais.

  11. No cumprimento das disposições legais aplicáveis (n.º 2 do art. 44.° do actual CCOOP e do n.º 2 do art. 18.° do Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas), a eleição dos delegados de cada sector é proporcional ao número de cooperantes inscritos (conforme plasmado no n.º 5 do art. 31.° dos estatutos da Recorrente).

  12. Por outra via, e desenvolvendo o que atrás se vinha a dizer, desde meados do século passado que a hipótese de funcionamento das cooperativas em sectores, assim como a eleição, nas assembleias sectoriais, dos seus delegados à assembleia geral, encontrou acolhimento legal (tudo melhor desenvolvido nas alegações).

  13. De entre outros diplomas relevantes, o Código Cooperativo de 1980...

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