Acórdão nº 3383/16.7T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | EDUARDO AZEVEDO |
Data da Resolução | 31 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho de C. S., sendo seguradora X Portugal - Companhia de Seguros, Sa foram realizados exame médico e tentativa de conciliação que se frustrou.
Na fase contenciosa, sob patrocínio do MºPº, foi pedida a condenação no pagamento de: “do capital de remição correspondente à pensão de €169,36, com início no dia 16/9/2016; a quantia de €1.082,56 de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; a quantia de €14,65 de taxas moderadoras; a quantia de €36,75 de despesas de deslocação para curativos; a quantia de €30,00 de despesas de deslocação ao GML e a este tribunal; juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%.”.
Para tanto alegou, em súmula: no dia 28.07.2016, na actividade de acabamentos e trabalhos agrícolas, como trabalhador independente sofreu acidente; ainda que o acidente ocorresse quando trabalhava em benefício próprio e no âmbito da sua vida privada, ainda assim, está abrangido pelo contrato de seguro, com trabalhador independente, que celebrou; e sofreu incapacidade temporária absoluta e parcial e incapacidade permanente, bem com suportou despesas em transportes.
A seguradora contestou alegando, em síntese e no que ora interessa, que aquando o acidente a actividade exercida não era contemplada pelo contrato de seguro outorgado que, além do mais, não cobre o risco profissional emergente de acidente de trabalho por conta própria, com utilização de máquinas.
Elaborou-se saneador fixando-se os factos assentes e da base instrutória bem como determinando-se que a incapacidade fosse fixada em apenso.
Neste, realizado exame por junta médica, foi proferido despacho a decidir que o beneficiário “se encontra curado, com uma IPP de 3%, tendo tido as incapacidades temporárias fixadas pelo GML.”.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, decidindo-se a matéria de facto.
Proferiu-se sentença pela qual: “Condenar a R. seguradora a pagar ao A.: - o capital de remição correspondente à pensão de €169,36, com início no dia 16/9/2016; - a quantia de €1.082,56 de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; - a quantia de €14,65 de taxas moderadoras; - a quantia de €36,75 de despesas de deslocação para curativos; - a quantia de €30,00 de despesas de deslocação ao GML e a este tribunal; - juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, sendo que, quanto à pensão, os juros são calculados sobre o capital de remição.”.
A seguradora recorreu.
Conclusões: “1.
Resultando dos autos a confissão por parte do A. de que, na altura do acidente se encontrava na sua residência a cortar lenha, com recurso a uma máquina industrial “motosserra”, e para consumo próprio, não poderá o acidente sofrido pelo A. em 28.07.2016 ser considerado como acidente de trabalho, nos termos previstos no DL 159/99 de 11 de Maio, e bem assim no artigo 8.º, n.º 1 da NLAT (Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro), não podendo a ora Recorrente assumir a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos por via do contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho por conta própria celebrado com o A., ora Recorrido (cfr. apólice de seguro n.º (...), junta aos autos a fls….); 2. De facto, para que se possa aplicar o regime legal dos acidentes de trabalho previsto na LAT, será forçoso aplicar os requisitos necessários e essenciais para que haja lugar a indemnização por parte da entidade empregadora, nomeadamente que haja prestação de serviço, devendo o beneficiário dessa prestação ser pessoa diversa do prestador do referido serviço e, ainda, que a referida prestação possa ser considerada lucrativa; 3. No âmbito do regime legal previsto para os trabalhadores independentes, só se poderá considerar acidente de trabalho, aquele que, uma vez ocorrido fora do local de trabalho ou do local onde é prestado o serviço, se enquadre numa das alíneas previstas no citado artigo 6.º do DL 159/99, de 11/05; 4. Devendo haver nomeadamente um elemento de conexão ininterrupto entre a prestação/execução dos serviços por parte do trabalhador e a ocorrência do acidente; 5. Veja-se que, de facto, conforme resulta da proposta de seguro junta aos autos a fls…, a profissão declarada pelo A. aquando da contratação do seguro com a Recorrente foi de “actividades de acabamento (código …)”, constando da “Descrição dos trabalhos a segurar: Actividades de acabamentos e agrícolas”, tendo o A. declarado ainda expressamente não utilizar máquinas do tipo industrial – tudo cfr. proposta de seguro junta aos autos.
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Razão pela qual, o contrato de seguro outorgado entre o A. e a ora Recorrente não contemplou a cobertura do risco profissional emergente de acidentes de trabalho por conta própria, com utilização de máquinas (cfr. Pontos 4 e 7 dos Factos Provados); 7. Com efeito, e como parece à Recorrente evidente (salvo o devido respeito), a cobertura dos riscos associados ao manuseamento de máquinas – tal como uma motosserra como, in casu, se verificou – originaria sempre o pagamento de uma taxa agravada sobre o prémio de seguro a suportar pelo tomador/pessoa segura (aqui A.), atento o risco profissional acrescido que, de tal utilização, decorre, o que, no caso em apreço, não sucedeu, atentas as declarações prestadas pelo A., enquanto tomador de seguro, aquando da contratação da apólice em apreço nos autos.
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Para que o regime previsto na LAT se aplique aos trabalhadores independentes, é necessário reunir as condições semelhantes previstas para os trabalhadores por contra de outrem, nomeadamente, que se encontre a desempenhar uma actividade remunerada, bem como, que a mesma seja desempenhada em benefício de terceira pessoa.
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Segundo as declarações prestadas pelo A. aquando da contratação do seguro com a Apelante, o ora Recorrido é um prestador de serviços, sendo requisito essencial da prestação de serviços, que uma das partes se obrigue perante outra a proporcionar certo resultado de trabalho.
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Ora, será imperativo, assim, o desempenho de uma actividade remunerada, sendo certo que, cortar lenha para benefício próprio não constitui desempenho de actividade a favor de terceira pessoa, mediante qualquer valor.
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A actividade que o A. desempenhava aquando do acidente em apreço nos autos não se pode considerar incluída no âmbito da cobertura contratual de acidentes de trabalho celebrada com a ora Recorrente, motivo pelo qual, não podemos concluir que o acidente em apreço possa consubstanciar acidente de trabalho, uma vez que desvirtua o conceito previsto no artigo 6.º do DL 159/99, de 11/05, e no artigo n.º 8 da LAT.
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De todo e qualquer contrato decorrem direitos e deveres para as partes envolvidas, devendo o mesmo assentar num verdadeiro equilíbrio das prestações devidas como contrapartida de determinado benefício.
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De facto, uma das grandes “traves mestras” da actividade seguradora assenta precisamente na análise do risco e na consequente adequação dos prémios de seguro às circunstâncias concretas de cada caso, de modo a que seja possível assegurar uma razoável proporcionalidade entre o risco assumido pelo segurador, e o prémio de seguro a suportar pelo tomador.
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Esta relação entre o risco a assumir pela companhia de seguros e o prémio a suportar pelo tomador, configura precisamente uma das características principais do contrato de seguro: trata-se de um negócio jurídico bilateral, na medida em que dele resultam obrigações recíprocas para ambas as partes contratantes.
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Não obstante a clara tendência de se sacrificar a posição contratual das Seguradoras, no pressuposto de que estas figuram, na verdade, como sendo o “lado forte” do contrato, na medida em que, em regra...
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