Acórdão nº 2664/15.1T8CHV-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | SANDRA MELO |
Data da Resolução | 31 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Embargante de executada e Apelada: S. C.
, residente na Rua (...) Vila Nova de Gaia; Embargada de executada e Apelante: Banco A, S. A., com sede na Avenida (...) Lisboa; Autos de: embargos de executado I.
Relatório Nos presentes autos a embargante fez o seguinte pedido: 1) - Deverá ser declarada Inexistente a "Fiança" da aqui Embargante/Executada dado que não foi prestada pela embargante/executada em consequência da sua não intervenção no "Contrato de Empréstimo Intercalar", nem este ter este sido outorgado em seu nome; 2) - Deverá ser declarado nulo o Acto nº 73/2010 "Reconhecimento com Menções Especiais", cfr fl. 6 do Doc nº 1, porquanto viola o disposto no art.º 46º nº 1 al e) ex vi do 155º nº 3 do Código do Notariado; 3) - Deverá ser declarada Nula a "Fiança" da aqui Embargante/Executada dado que não foi dado de hipoteca pela devedora principal o bem cuja compra estava a ser financiada, como era exigência do mandato e como consequência dos princípios da acessoriedade e subsidiariedade da Fiança; 4) - Se requer o reenvio para interpretação das supra referidas normas europeias e nacionais, para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artº 19º nº 3 al b) do Tratado da União Europeia para aferir se as normas europeias supra citadas devem ser interpretadas no sentido que se opõem com a norma nacional devendo-lhe ser colocada a seguinte questão: As disposições nacionais constantes do artigo único do Decreto-Lei n° 32765 de 29 de Abril de 1943 e Art. 9.° nº 4º do Decreto-Lei n.° 287/93 de 20 de Agosto e que excepcionam o regime geral constante do art. 1143º do Código Civil devem ser interpretadas no sentido em que estão em oposição com o direito europeu constante no disposto no artº 21º e 38º da Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia, violando os princípios da Defesa do Consumidor e o Principio da Igualdade ao conceder ao sector bancário tratamento diferente dos restantes cidadãos e empresas no que diz respeito à forma que deve revestir o mútuo bancário; 5)- Declarar-se que as disposições nacionais constantes do artigo único do Decreto-Lei n° 32765 de 29 de Abril de 1943 e Art. 9.° nº 4º do Decreto- Lei n.° 287/93 de 20 de Agosto e que excecionam o regime geral constante do art. 1143º do Código Civil interpretadas em conformidade com o disposto no artº 21º e 38º da Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia estão em oposição com o direito europeu violam os princípios da Defesa do Consumidor e o Principio da Igualdade ao conceder ao sector bancário tratamento diferente dos restantes cidadãos e empresas no que diz respeito à forma que deve revestir o mútuo bancário, pelo que se aplica ao presente caso o disposto no artº 1143º do Código Civil e em consequência e em consequência: Declarar-se nulo o Mútuo ("Contrato de Empréstimo Intercalar"), junto sob o Doc nº 1 com o requerimento executivo, por falta de forma legal e por violação do dever de informação; 6) - E quando assim não se entender declarar-se excesso no mandato porquanto a aqui embargante/executada conferia poderes para ser fiadora no empréstimo até ao montante de cem mil euros que seria garantido por hipoteca e fiança e não o foi; 7) - Declarar-se nula a Fiança prestada pela embargante/executada em consequência da nulidade do Mútuo e por violação do dever de informação; 8) - Declarar-se que não são devidos os juros reclamados.
E sempre serem julgados por provados e declarados procedentes os presentes Embargos de Executado e, em consequência, ser julgada extinta a instância executiva e absolvidos os Embargantes/Executados nos autos executivos.
Alegou, em súmula, o que consta do próprio pedido.
A embargada contestou, além do mais, por impugnação, salientando que a embargante interveio de forma válida, eficaz e consciente no contrato dos autos, não tendo relevância o facto de neste se não fazer constar que esta se fez representar por procurador e que a existir qualquer excesso de mandato, o que não concede, este lhe será inoponível. Defende que o conceder ao sector bancário tratamento diferente dos restantes cidadão e empresas no que diz respeito à forma que deve revestir o mútuo bancário não viola os princípios da Defesa do Consumidor e o Princípio da Igualdade.
Após julgamento, com produção de prova testemunhal, foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Face ao exposto, nos termos das disposições legais supra referenciadas, julga-se procedente a presente oposição, mediante embargos de executado e, subsequentemente, ordena-se a extinção da execução no que concerne à Executada/Embargante S. C..
” Não se conformando com esta sentença, foi interpostos recurso de apelação pela Embargada, formulando as seguintes conclusões que se sintetizam: 1. A Recorrida foi constituída como fiadora do contrato de mútuo dado à execução através da aposição da assinatura do seu marido (à data da emissão da procuração e da formalização do contrato), na qualidade de procurador, com poderes para o ato, conforme o Reconhecimento com Menções Especiais Presenciais que integra o contrato dos autos, o qual, como bem entendeu o Tribunal ad quo, é perfeitamente válido, já que faz menção à procuração e à circunstância de terem sido verificados os poderes necessários para o ato.
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A Embargante bem sabia que se estava a constituir como fiadora e principal pagadora, respondendo na mesma medida em que a mutuária e o outro fiador, seu procurador, à data da feitura da procuração, seu marido.
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Deste modo, a Recorrente não entende como o Tribunal ad quo deu como provado que a fiadora, Embargante, apenas se pretendeu constituir fiadora, se o contrato fosse garantido por hipoteca, quando na procuração que esta emitiu a favor do outro fiador, G. B., em momento algum é imposta como condição sine qua non para a sua constituição como fiadora, a constituição de hipoteca sobre imóvel da mutuária.
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Apenas é referido, na procuração em apreço, os seguintes vocábulos: “empréstimos esses garantidos com hipoteca e fiança” e “podendo hipotecar o bem adquirido na mesma data”.
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Se a Embargante com estas denominações pretendia apenas se quis constituir como fiadora e principal pagadora do empréstimo sub iudice se o mesmo fosse garantido por hipoteca sobre determinado bem imóvel, então o seu procurador, in casu, o fiador G. B. agiu em abuso de representação, 6. O que não pode, em momento algum, ser oponível ao Banco A, porquanto esta desconhecia, até à data em que foi notificada dos embargos contestados, os termos em que tal procuração foi outorgada, pois que, como é prática comum, se limitou a fornecer o contrato dos autos aos Executados, mutuária e fiadores, com a devida antecedência, para que dele se inteirassem e para que diligenciassem pela aposição e reconhecimento das respetivas assinaturas, o que estes fizeram.
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É que, a procuração consiste num negócio jurídico através do qual se outorgam poderes de representação, traduzindo-se estes na possibilidade de alguém praticar atos e celebrar negócios que produzam efeitos na esfera jurídica do representado.
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A relação subjacente reguladora da prática desses atos ou da celebração de negócios é, geralmente, o contrato de mandato, que é aquele em que uma parte se obriga a praticar atos jurídicos por conta de outrem, de acordo com o disposto no art.1157.º do Código Civil. É através desse contrato que se regula a relação entre o representado e o procurador.
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Caso o mandatário ou procurador não obedeça às instruções, violando os limites que deve respeitar no exercício dos poderes de representação, age em abuso de representação.
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Na verdade, a lei tutela os terceiros relativamente às modificações e à revogação da procuração, as quais devem ser-lhes comunicadas por meios idóneos, e, bem assim, às demais causas extintivas dos poderes de representação que aqueles ignorem sem culpa (artigo 266º do Código Civil).
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As vicissitudes da procuração, sejam elas decorrentes da sua modificação ou da extinção dos poderes representativos, são inoponíveis aos terceiros que, desconhecendo-as ou ignorando-as sem culpa, contrataram com o procurador.
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A confiança e autonomia que revestem a procuração não permitem que os efeitos de um mau uso ou um uso abusivo da procuração se projetem sobre o terceiro, fazendo-os recair sobre este.
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O negócio celebrado em abuso de representação é, em regra, plenamente eficaz, correndo o risco do abuso por conta do representado – cfr. arts. 1178.º, 258.º, 262.º, n.º1 e 269.º todos do Código Civil e Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 77.
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Só assim não será quando o terceiro conhecesse ou devesse conhecer o abuso, situação em que o negócio é ineficaz em relação ao representado se por este não for ratificado, bem atento o preceituado nos arts. 268.º e 269.º ambos do Código Civil.
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Tendo agido o fiador, na qualidade de procurador da Recorrida, em abuso de representação, a verdade é que a Recorrente desconhecia a amplitude dos poderes conferidos ao procurador – o que, de resto, não foi dado como provado pelo...
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