Acórdão nº 118/16.8T9EPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | JORGE BISPO |
Data da Resolução | 22 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.
RELATÓRIO 1.
No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 118/16.8T9EPS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – J2, foi proferida sentença, em 22-03-2018, mas com data e depósito de 29-03-2018, a condenar o arguido, J. P., como autor material, pela prática de cinco crimes de difamação, previstos e punidos pelos arts. 180º [1], 182º e 184º, por referência ao art.º 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de dois meses de prisão por cada um dos quatro crimes (praticados nos dias 14/04/2016, 13/05/2016, 22/06/2016 e 27/05/2016) e na pena de cinco meses de prisão, pelo quinto crime (praticado no dia 09/01/2017), e, em cúmulo jurídico, na pena única de dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com regime de prova, que inclua tratamento médico e/ou psicológico ao arguido, bem como a condenar este último, simultaneamente demandado civil, no pagamento a M. F., de uma indemnização no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescido de juros à taxa legal, a contar da sentença até efetivo e integral pagamento.
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Inconformado com essa condenação, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem [2]: «CONCLUSÕES: 1- Não está em causa o facto do Tribunal ter dado como provado os pontos constantes da douta acusação com os n.ºs 3, 4, 5, 6 e 7, até porque para além de se reportarem a documentos escritos estamos também perante documentos que deram entrada nos processos referidos em cada um dos pontos, tendo sido incorporados em cada um dos processos para onde o Arguido os remeteu.
2- Por outro lado o Arguido em audiência prestou declarações e confirmou a autoria dos requerimentos por si enviados aos processos.
3- Podemos pois dizer que ocorreu uma confissão relativamente à autoria dos referidos documentos por parte do Arguido.
4- No entanto o Arguido fez juntar aos autos o porquê da sua revolta logo da primeira secção de audiência e discussão de julgamento, demonstrando que tem sido perseguido desde de 2007, pela sua ex-mulher e pelo Ilustre Mandatário da mesma aqui Ofendido nestes autos.
5- Entretanto o douto Tribunal ordenou o desentranhamento de todas essas peças considerando-as irrelevantes para as questões dos autos.
6- A bem da justiça e da boa decisão da causa o Tribunal ordenou a junção aos autos de três sentenças, com os processos n.ºs 24/15.3T9EPS.G1, 22/12.9TAEPS, 367/12.8TAEPS.G1, tudo isto a fim de se aferir do princípio “ne bis in idem”.
7- O aqui Arguido entretanto tem um processo em inquérito onde estão a ser apreciadas todas as questões de direito e todas as violações de Lei, onde tenham sido protagonistas a sua ex-mulher e o seu Ilustre Mandatário.
8- Processo esse que está em fase de inquérito estando a ser investigado pela PJ do Porto.
9- O direito ao bom nome, à honra e à reputação do aqui Ofendido tem de ser compatibilizado com o direito fundamental do Arguido à liberdade da expressão e à indignação, tendo este o direito de divulgar a sua opinião e de exercer o direito de crítica.
10- Esta ponderação entre direitos de certa forma opostos e essencial fazer uma adequação entre a possível lesão e os direitos constitucionais em causa.
11- Por outro lado os requerimentos elaborados pelo Arguido não tiveram divulgação pública, mas apenas divulgação restrita a cada um dos processos em causa.
12- Pelo que, no caso concreto não será de considerar objetivamente ofensivo da honra e da consideração do Ofendido, mas mais com expressões de desabafo por parte do Arguido / Recorrente, em virtude do que lhe vinha acontecendo nos últimos 11 anos.
13- A título de exemplo, a expressão invocada pelo Recorrente de “criminosos à solta”, não terá o carácter ofensivo e a reputação de difamar o Ofendido, quando é de conhecimento geral, que o Ofendido nunca foi criminoso, uma vez que nunca foi condenado.
14- Assim, o exercício de exprimir opiniões sem estas possuírem uma carga suscetível de afetar o bom nome e a reputação do Ofendido, não deveriam integrar o conceito de crime de difamação conforme o Tribunal a quo considerou relativamente aos requerimentos praticados em 14/04/2016, 13/05/2016, 27/05/2016 e 09/01/2017.
15- Quanto à análise das expressões em causa, temos os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 09/03/2011, e do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/03/2018, ambos em www.dgsi.pt.
16- O Arguido deverá pois ser absolvido em virtude dos seus atos não integrarem o crime de difamação. Caso não seja esse entendimento de Vªs Exªs, coloca-se a questão jurídica de estarmos em, presença de um concurso real de crimes e crime continuado, devendo o Recorrente ser condenado pela prática de um único crime nos termos do artigo 30º do C.P..
17- Caso o Tribunal entenda que as expressões integram um crime de difamação, deverá o Arguido ser condenado pelos mínimos legais, quer relativamente a cada uma das penas quer ao cúmulo de penas, tudo isto nos termos dos artigos n.ºs 71º a 73º do C.P.
18- O douto acórdão, não faz uma aplicação correta nomeadamente, dos art.s 13º, 16º, 20º, 27º, 28º, 29º e 32º, da Constituição da República Portuguesa, e artigos, 30º, 71º a 73º, 132º n.º 2 alínea l) e 180º, 182º e 184º todos do Código Penal.
NESTES TERMOS, e nos mais de Direito, que V.s Ex.ªs, doutamente se dignarão suprir, deve ser reconhecido razão ao Recorrente/Arguido, devendo este ser absolvido, por falta de prova bastante para a condenar, e caso assim não entendam deverá ser condenado pelo mínimo legal, com todas as consequências legais, como é de JUSTIÇA "jure optimo".
» 3.
A Exma. Procuradora Adjunta em funções na primeira instância respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «I - Através dos requerimentos apresentados, cuja autoria não pôs em causa, o arguido imputou factos e formulou juízos desvalorativos que desacreditam e colocam em causa a reputação e a imagem pública do assistente, sendo condenado pela prática de cinco crimes de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180º, 182º e 184º, por referência ao art.º 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal.
II - A antijuridicidade do comportamento protagonizado pelo arguido não se deve ter por excluída, uma vez que não ocorreu qualquer de causa de justificação, nem a prevista no n.º 2 do art.º 180º, uma vez que o arguido não tinha qualquer fundamento para reputar como verdadeiros os factos que imputou ao assistente, nem a prevista no art. 31º, n.º 2, al. b), ambos do Código Penal, na medida em os juízos de valor ultrapassam largamente o invocado exercício da liberdade de expressão pela desproporcionalidade e incontenção vertidas em algumas das expressões utilizadas.
III - Tendo em conta que o arguido teve cinco resoluções criminosas que o levaram a praticar o crime de difamação por cinco vezes e que não se verificam os pressupostos da aplicabilidade da continuação criminosa, designadamente, o requisito da circunstância facilitadora do cometimento do crime, pelo que não vislumbramos qualquer violação do art. 30° do Código Penal.
IV - As penas, parcelares e únicas, aplicadas na sentença recorrida, não merecem qualquer reparo, tendo respeitado quer as finalidades da punição definidas no art. 40°, n.º 1, do Código Penal, quer os critérios legais de escolha e determinação das penas previstos nos art.s 70° e 71° do Código Penal, quer as regras da punição do concurso previstas no art. 77° do Código Penal, atendendo a todas as circunstâncias relevantes que foram devidamente ponderadas.
V - Não foram violadas as normas jurídicas invocadas pelo recorrente nem quaisquer outras.
Termos em que, se V. Exas. julgarem improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida, farão a habitual justiça!» 4.
Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, perfilhando integralmente a posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância, emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente, porquanto as expressões utilizadas pelo arguido no presente caso são objetivamente ofensivas da honra e da considerações devidas ao assistente, enquanto pessoa individual e como advogado, exprimindo um juízo negativo sobre o bom nome, a honra e considerações que lhe são devidas como cidadão e como advogado, atingido o nível da ofensa pessoal desnecessária, inadequada e desproporcional a um normal exercício do direito de expressar a opinião.
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Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta a esse parecer.
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Após exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de acordo com o disposto no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.
II.
FUNDAMENTAÇÃO 1.
DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO É consabido que são as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido, que definem e determinam o âmbito do recurso e os seus fundamentos, delimitando, assim, para o tribunal superior as questões a decidir e as razões por que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios e nulidades, ainda que não invocados ou arguidas pelos sujeitos processuais [3].
Na decorrência das conclusões formuladas pelo recorrente, constituem questões a decidir: a) - A não verificação dos elementos típicos do crime de difamação; b) - A punição do arguido por um crime continuado; c) - A medida das penas parcelares e da pena única.
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DA DECISÃO RECORRIDA 2.1 - É do seguinte teor a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida (transcrição): «Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos: 1) M. F., Advogado, aqui ofendido e com domicílio profissional na Av.
a …, e que utiliza o nome profissional M. F., no âmbito daquela sua atividade profissional, patrocinou e...
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