Acórdão nº 1961/14.8T8GMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

Relatório Na presente ação especial de prestação de contas figura como Autora e Apelante: -- Maria, NIF …, solteira, moradora na Rua …, Guimarães.

Figura como Réu e Apelado: -- Manuel, NIF …, solteiro, morador na Rua …, Guimarães.

A Autora pediu: que se reconheça que o Réu tem obrigação de prestar contas da sua administração, devendo apresentar as contas da sua gerência ou contestar essa obrigação, querendo.

causa de pedir Para tanto alegou, em síntese: -- Autora e Réu viveram em união de facto; este ficou responsável pela administração do património da Autora; realizou negócios e utilizou quantias de que não prestou contas.

contestação O Réu contestou por impugnação.

decisao Tendo-se procedido a julgamento, veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, e em consequência, absolvo o Réu MANUEL da obrigação de prestar contas a MARIA.” recurso O presente recurso de apelação foi interposto pela Autora, Insurgindo-se contra o facto e o direito apurados e aplicados na sentença, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que dê como provados os factos que inscreve a negrito, ou, mesmo sem alteração da matéria de facto provada, que seja a sentença revogada e substituída por outra que reconheça ao Réu o dever de prestar contas.

conclusões Apresenta as seguintes conclusões: 1ª- A autora propôs a presente ação de prestação de contas contra o réu, alegando que ela e ele viviam em união de fato pelo menos há 17 anos, como se mulher e marido fossem, e que nesse período o réu, que é funcionário bancário do Banco X, agência de Guimarães, era quem orientava e dirigia toda a vida patrimonial de ambos, limitando-se ela a desempenhar funções de dona de casa (confecionando refeições para ambos, limpando a casa, lavando a roupa, e dirigindo em geral todos os serviços domésticos), enquanto ele, agindo naquele âmbito de sua representação patrimonial, adquiriu para si próprio um prédio, que ambos quiseram no entanto adquirir para ambos, pagando o preço deste com o preço da venda de um prédio próprio dela, aplicando o produto desta venda naquela compra e negociando em nome da autora empréstimos hipotecários quer no Banco X quer na Banco Y, usando e aplicando dinheiro próprio dela, de outras proveniências (venda do direito de ação à herança dos pais, empréstimos contraídos pela autora e cujo produto foi usado pelo réu para pagar responsabilidades próprias dele, no total de mais de 43.000,00€), concluindo que não fora nem estava informada acerca do destino e valores concretamente envolvidos, que o réu conhecia, pelo que carecia que este lhe prestasse contas, o que ele recusava, forçando-a assim a recorrer a ação.

  1. - O réu contestou a ação negando de todo a realização de quaisquer negócios em nome e representação da autora, negando a união de fato, que asseverou nunca ter existido, admitindo, no entanto, a utilização de algum dinheiro dela autora, embora dizendo que essa utilização fora por ela consentida, ou, pelo menos, conhecida.

  2. - Efetuado o julgamento o Tribunal, fundando-se na prova produzida e, de entre esta, em documentos pelo próprio réu subscritos e pelo seu punho preenchidos, deu como provada a existência da união de fato pelo menos desde 1997 (fato 1), deu como provado que o réu, apresentando-se junto do comprador como companheiro da autora negociou o preço e condições de venda de um apartamento que à autora pertencia (fatos 2, 3 e 4), deu como provado que o réu outorgou apenas em seu nome a escritura de compra de um outro apartamento, que havia sido prometido comprar por autora e réu, tendo aquela pago integralmente a sisa devida pela transmissão (fatos 5, 6, 7), deu como provado que a autora e o réu contraíram um empréstimo de 93.750,00€, de que se declaram solidariamente devedores, junto da Banco Y, sendo a quantia emprestada depositada numa conta da autora aberta nessa instituição bancária, tendo o réu utilizado para seu uso pessoal parte do dinheiro depositado nessa conta, no total de pelo menos 43.750,00€.

  3. - Não obstante essa prova, o Tribunal julgou a ação improcedente por ter entendido que a referida prova fatual efetuada pela autora era insuficiente, uma vez que o direito de exigir a prestação de contas depende da qualidade formal de administrador de bens em que alguém se encontre investido e tal qualidade não resultou provada no réu, que da união de fato, de per si, não resulta qualquer obrigação de prestação de contas, por não haver bens comuns e que, ainda que tivessem existido quaisquer quantias mutuadas ao réu que não tivessem sido devolvidas à autora, essa circunstância não autorizava à exigência de prestação de contas.

  4. - A douta decisão assim produzida é inaceitável, quer quanto à matéria de fato fixada, (não obstante se considerar que aquela que o foi bastava para a ação ser julgada procedente), por insuficiência da matéria que se fixou face à efetivamente provada, quer quanto ao direito aplicado, por mal fundada.

  5. - Em consequência, a autora interpôs o presente recurso, pretendendo que seja corrigida por aditamento a matéria de fato que o Tribunal fixou, por entender que ela deve ser ampliada face aos documentos juntos aos autos, e bem assim face aos depoimentos prestados por algumas testemunhas que se referiram à relação existente entre autora e réu e às suas vicissitudes concretas.

  6. - Na verdade, para além da matéria de fato provada, está provado documentalmente que o réu era quem subscrevia e preenchia os documentos relativos à declaração de IRS da autora e seus apensos (folhas 127) o que se compagina com os documentos de folhas 29 e 421 que demonstram que o réu requereu que à autora fosse passado pela Junta de Freguesia da residência de ambos um atestado comprovativo da união de fato, para efeitos de ela poder beneficiar do SAMS, em condições análogas à de cônjuge do réu, está provado que o réu confessou que ele e a autora tinham pelo menos uma conta bancária conjunta na Banco Y, e que o réu declarou que autora lhe pediu para fazer nela movimentos (folhas 269 e 324), está provado que o réu subscreveu cheques por si levantados de uma conta titulada pela autora, cujo valor excede a matéria provada no fato 14 (folhas 413 a 420 dos autos), importância que fez sua, e, bem assim, está provado que o réu tão pouco deduziu oposição ao pedido de retificação da petição inicial, feito em julgamento, no sentido de se consignar que o valor desses cheques foi embolsado pelo réu (folhas 426), estando ainda provado que o réu admitiu expressamente que o valor de alguns desses cheques (cfr. folhas 436) foi por si utilizado em proveito próprio.

  7. - Para além dessa prova documental, porém, e como comprovante, em geral, do fato de se ter provado que a autora e o réu estabeleceram uma vivência em comum de entreajuda e partilha de recursos, em comunhão de despesas relativas à sua vida quotidiana, assumindo o réu a administração geral do património comum e de cada um dos unidos de fato, orientando e disciplinando a vida patrimonial de ambos e representando a autora junto de instituições bancárias e terceiros com quem negociou interesses próprios dela autora, do que tudo resultou auferir importâncias várias que utilizou quer para saldar dívidas da autora, quer em proveito próprio dele réu e que a autora pediu repetidamente ao réu que lhe prestasse contas, ao que ele se vem escusando, a autora, subsidiando-se do disposto no artigo 640º do Código do Processo Civil, indicou no corpo destas alegações, os concretos pontos de fato que considerou incorretamente julgados, por o terem sido por defeito, enumerou aqueles que no seu entender deverão acrescer aos que se encontram provados, enunciando as decisões que no seu entender devem ser proferidas sobre as questões de fato impugnadas, citou os concretos meios probatórios já constantes do processo e do registo ou gravação que impõe decisão diversa, e indicou com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

  8. - De fato, para efeito do disposto no referido artigo 640º, n.º1, al. b) do Código Processo Civil, a autora citou e transcreveu os depoimentos que permitem concluir pela prova de matéria de fato referida na conclusão precedente, a saber do depoimento do Dr.

    CC (ata de audiência de julgamento de 20/19/2016, cujo depoimento ficou gravado no sistema informático Citius de 10:29:20 a 10:35:40), no que respeita às transcrições entre as marcas de 02:00 a 04:00, de 04:00 a 05:00, e de 05:00 a 06:00; do depoimento de Joaquim (ata de audiência de julgamento de 20/19/2016, cujo depoimento ficou gravado no sistema informático Citius de 11:21:05 a 11:39:10), no que respeita às transcrições entre as marcas de 01:00 a 03:00, de 03:00 a 07:00, de 08:00 a 09:00, de 10:00 a 13:00, e de 15:00 a final; e do depoimento de Josefina (ata de audiência de julgamento de 20/19/2016, cujo depoimento ficou gravado no sistema informático Citius de 11:42:44 a 12:15:10), no que respeita às transcrições entre as marcas de 01:22 a 05:23, de 05:36 a 10:41, de 10:43 a 12:07, e de 13:38 a final; o que tudo leva à conclusão de que a matéria de fato deve ser corrigida por ampliação nos termos preconizados e conforme atrás se referiu.

  9. - Sem prescindir não são aceitáveis as razões indicadas para a improcedência da ação e atrás citadas, em termos do direito aplicável, pois não é aceitável o modo como na sentença se configura a ação de prestação de contas, que é vista como o simples exercício de um direito e um dever configuráveis em situações concretas e pré estabelecidas e pré figuradas na lei, pois a exigência de prestação de contas está segundo o art. 941º do Código de Processo Civil, ligada genericamente a quaisquer pessoas que mesmo que apenas esporadicamente administrem bens alheios, sendo certo que a jurisprudência tem entendido que a obrigação de prestação de contas resulta ou diretamente da lei, ou de negócio jurídico, ou simplesmente, existindo ou não lei ou existindo ou não negócio...

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