Acórdão nº 5728/15.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

Relatório Nestes autos de ação declarativa constitutiva com processo comum figuram como Autores, apelantes e reclamantes para a conferência: José, Maria, António e Manuel, e figura como Ré, recorrida e reclamada HS, Lda.

pedido Os Autores peticionam: ---- que se declare a nulidade de todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral realizada no dia 5-6-2015, com fundamento na alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais.

----Subsidiariamente, caso se entenda que a assembleia foi regularmente convocada, deverão as deliberações ser anuladas, nos termos da alínea a) e b) do nº 1 do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais.

Fundamentos da ação Alegam, em síntese, que esta sociedade foi constituída com dois sócios: Joaquina e HS. Este faleceu, tendo deixado como herdeiros os Autores e a sua sócia, também seu cônjuge, Joaquina, cabeça-de-casal da herança deixada por aquele.

Joaquina realizou uma assembleia geral não convocada, invocando a qualidade de representante da quota indivisa, apesar do teor do artigo 6º do pacto social exigir para o caso de falecimento de qualquer um dos sócios que os herdeiros nomeiem entre si um sócio que a todos represente, enquanto a quota se mantiver indivisa.

Esta deliberação deve ter-se como não convocada, uma vez que nenhuma convocatória foi expedida, o que, nos termos da alínea a) do artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais, origina a nulidades das deliberações tomadas.

Salientam que não se podem considerar presentes todos os sócios, porquanto a qualidade de cabeça-de-casal não conferia à cabeça-de-casal o direito de representar os demais herdeiros da quota indivisa.

Se assim se não considerar, as deliberações são anuláveis nos termos do artigo 58º nº 1, alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais, visto que a sócia tomou as referidas deliberações contrariando o disposto no contrato de sociedade e na lei, bem como com o intuito de prejudicar a sociedade e demais sócios e de se eximir a responsabilidade que tem enquanto sócia gerente.

contestação A Ré contestou, invocando, além do mais, a incompatibilidade de pedidos, a ilegitimidade dos Autores, por os contitulares da quota não terem poderes para exercer os direitos inerentes à titularidades da quota, entre os quais a arguição da anulabilidade das deliberações sociais, cabendo tal direito apenas a um seu representante, no caso a cabeça-de-casal, (nos termos dos artigos 222º, 224º 223º nº 1, 59º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais e 2079º e 2080º nº 1 alínea a) do Código Civil) e porque (nos termos do artigo 57º nº 4 do Código das Sociedades Comerciais) compete ao gerente da sociedade promover e instaurar a ação judicial de nulidade.

Mais impugna especificadamente os factos invocados.

Decisão recorrida Foi proferida decisão que, fundando-se, no essencial, no facto de “os contitulares da quota e aqui Autores, não havendo representante comum, não podem exercer, por si só, os direitos inerentes à quota e não podem instaurar sozinhos a presente ação, absolveu da instância a Ré, “julgando os Autores e Ré partes ilegítimas”.

Conclusões do recurso Desta decisão recorreram os Autores, peticionando (além da retificação da sentença, que já teve lugar) que seja revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue os Autores parte legítima para intentar a presente ação, com as conclusões que se sintetizam: - Os Autores formam a esmagadora maioria dos contitulares da quota indivisa; - não tendo sido nomeado o representante dos herdeiros da quota indivisa, conforme determina o artigo 6.º do Pacto Social, não podia a sócia Joaquina arrogar-se tal qualidade, pelo simples facto de ser simultaneamente cabeça-de-casal da herança do sócio falecido.

- A única contitular que não se encontra nos autos não poderia ser considerada para o efeito de nomeação de representante comum que zelasse no caso concreto pela defesa dos herdeiros face aos atos lesivos da gerente da sociedade, por ser sócia, gerente e autora dos atos objeto dos autos.

- Impedir que os Autores possam deduzir esta ação é premiar aquela sócia, que, desse modo, pode impunemente lesar os direitos e interesses coletivos, da sociedade, e dos titulares do capital social - Em lado algum se estatui que o cabeça-de-casal é o representante legal para efeitos de representação dos contitulares da quota indivisa e, mesmo que se assim se considerasse, sempre poderia ser destituído pelos demais contitulares nos termos do artigo 223º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais.

- Trata-se de uma situação de manifesto conflito de interesses – como é o caso de a sócia gerente ser também a cabeça de casal que pretende assumir a posição de representante comum da quota indivisa, pelo que aceitar essa representação acoberta uma manifesta situação de abuso de direito (art. 334º do CC).

- Quer por força das acima referidas regras da maioria na nomeação do representante comum, quer por força das regras da atuação de todos os herdeiros, e excluindo-se, necessariamente, a herdeira que se encontra em conflito de interesses, como é o caso da herdeira Joaquina, resulta insofismavelmente que os AA. – todos os demais herdeiros e contitulares da quota indivisa -, têm que ser considerados parte legítima para intervir na defesa dos interesses da sociedade e da quota indivisa.

- O acórdão citado na sentença impetrada – cujo fundamento jurídico de algum modo se questiona em abstracto -, não pode servir de fundamentação nos presentes autos pois que se trata de uma situação fáctica, e necessariamente jurídica, diversa. Trata-se de uma situação em que apenas um contitular exerceu o direito de ação - Neste caso todos os contitulares intervieram, com exceção da que se encontra em conflito de interesses, pelo que nunca a sua posição poderia servir para obstar à atuação judicial dos contitulares, como resulta da jurisprudência constante dos acórdãos da Relação do Porto de 11dez2006 (Pº 0653666), de 26fev2009 (Pº 0837016), de 19mai2014 (Pº 502/10.0TBVFR.P1), e de 27jan2015 (Pº 4304/12.4TBVFR.P1): pressupõem a intervenção de um representante comum, mas igualmente admitem a intervenção quando se trata de todos os contitulares, como é o caso, exceto o que se encontre em conflito de interesses, desde logo por aplicação das regras do abuso de direito.

- Seja por aplicação da figura do abuso de direito (art. 334º do CC), seja por interpretação restritiva dos artigos 59º, 222º, nº 1, e 223º, nº 1, do CSC (acção de anulação), assim como dos artigos 2024º, 2091º e 1407º do CC, quando o único contitular que não integra o lado ativo da acção é o que se encontra em conflito de interesses, não poderá deixar de se considerar que os AA., ora Recorrentes, têm legitimidade para intentar a presente ação.

Resposta ás alegações do recurso A Recorrida respondeu, em súmula:3 - Os AA. não refutam a douta decisão recorrida de não os considerar como sócios para poderem intentar a presente ação e eles próprios reconhecem-se como meros contitulares da quota indivisa; - Os AA. admitem e reconhecem expressamente que não foi eleito o representante comum da quota indivisa (vide artº 10º da PI e conclusão vi.); - A tese defendida pelos Autores de que formam a esmagadora maioria dos contitulares da quota indivisa e que têm de ser considerados parte legítima por terem atuado todos os contitulares, à exceção da sócia Joaquina viola frontalmente o regime especial e imperativo previsto no artigo 222º, nº 1 do CSC e, por isso, não pode proceder; - Quanto à afirmação dos AA. de que “inexiste qualquer razão juridicamente relevante para impedir que a esmagadora maioria dos contitulares intervenham, conjuntamente (…)” contrapõe-se a ratio do regime imperativo contido no nº 1 do artº 222º do CSC, que visa proteger o interesse da sociedade em haver uma unidade de atuação dos contitulares através do respetivo representante comum, não podendo este regime ser derrogado por vontade de alguns deles; - Na presente ação nem sequer demandam todos os contitulares da quota indivisa do falecido sócio, uma vez que os AA. estão desacompanhados da restante contitular Joaquina; - Sendo esta contitular de uma participação correspondente a 15% na quota indivisa do falecido e ainda titular da quota restante de 40% - o que a torna sócia maioritária - nunca poderia colher a tese dos AA., de que a presente ação trata-se da defesa judicial dos interesses dos sócios (conclusão ix.) e dos interesses da sociedade (conclusões x. e xxx.); - Ao invés, a presente demanda visa única e exclusivamente a defesa dos interesses próprios e pessoais dos AA. enquanto meros contitulares e não como sócios; - Com efeito, vêm agora os AA. invocar ex novo em sede de recurso a existência de um conflito de interesses, sem especificam factos concretos em que se consubstancia o “eventual” conflito e sem fundamento legal, pois dos factos provados não se infere a existência de qualquer conflito; - O facto de a Joaquina reunir as qualidades de sócia, contitular, gerente, cabeça-de-casal e consequentemente representante comum da quota indivisa é permitido por lei e estas faculdades ou direitos podem ser plenamente exercidos sem conflito de interesses.

Decisão singular Pelo relator foi proferida decisão singular pela qual julgou improcedente...

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