Acórdão nº 181/16.1T8PRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: Herança aberta por óbito de A, representada por B, C e D.

Recorridos: E e F.

Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua, J2.

Em sede de contestação vieram os Réus invocar a excepção dilatória de ilegitimidade activa, alegando em síntese que os autores intentaram a presente acção na qualidade de sócios da extinta sociedade HC - comércio e indústria de pneus, Lda..

Tal sociedade encontra-se extinta desde 19.04.2013, sendo que, conforme resulta da lei, conservando a sociedade a sua personalidade jurídica apenas até ao registo do encerramento da liquidação, a presente acção foi instaurada a 25 de Agosto de 2016, ou seja, muito depois da data do registo do encerramento da liquidação.

Ora, com a extinção da sociedade esta deixou de ter a possibilidade de ser titular de direitos e obrigações, deixou de poder ser parte em juízo, quer como autora, quer como ré.

Além disso, a presente demanda não estava pendente aquando do registo de encerramento da liquidação razão pela qual é inaplicável o disposto no artigo 162º do CSC.

Nestes termos, os autores como ex-sócios da sociedade HC, há muito extinta, não têm legitimidade para instaurar a presente acção.

Conclui, pedindo a sua absolvição da instância.

Os autores responderam à excepção afirmando que apesar da extinção da sociedade as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem, conforme resulta do disposto nos artigos 162º, 163º e 164º do CSC pois os sócios devem encabeçar os direitos de crédito de uma sociedade extinta, caso contrário estar-se-ia perante um património sem dono.

Por se considerar reunir o processo todos os elementos necessários, foi proferida decisão na qual se decidiu julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade invocada e, em consequência, absolver os réus da instância.

Inconformado com tal decisão, apela a Autora, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões: 1.

O presente recurso visa demonstrar que os AA. são parte legítima para a presente acção e que deve a sentença ser revogada e substituída por outra que decrete o prosseguimento dos autos, 2. A base de sustentação da decisão de julgar procedente a excepção de ilegitimidade activa, é o facto de não ter aplicação in casu o art.º 162.º do CSC.

  1. Contudo entendem os ora Recorrentes que tem aplicação in casu o art.º 163.º n.º a do CSC, interpretado a contrario, isto porque se os sócios podem, enquanto liquidatários, propor acções para cobrança de créditos após a extinção desta, por maioria de razão também podem interpor acções para reivindicação dos seus direitos, neste caso reivindicar para si o seu património.

  2. Como resulta do disposto no art.º 163 n.º 1 do CSC que tratando-se de acção a instaurar após a extinção da sociedade por dívida não paga nem acautelada no acto da liquidação, terá de ser proposta contra a generalidade dos Sócios, como fazer quando se pretende acautelar o direito do Sócios perante terceiros após o acto de liquidação? 5. Concluindo, se os Sócios podem ser demandados após o acto de liquidação, poderão de igual modo demandar após aquele acto, em defesa dos interesses da Sociedade liquidada.

  3. Com efeito, conforme resulta da certidão do registo comercial, a sociedade comercial dissolvida e registado o respectivo encerramento em 19-04-2013.

  4. Dissolvida uma sociedade, esta entra em liquidação (artº 146º/1 CSC), mantendo ainda a sua personalidade jurídica (artº 146º/2 CSC).

  5. Os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (artº 151º/1 CSC), competindo-lhes, em tal veste, ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (artº 152º/3 CSC).

  6. Efetivado o registo do encerramento da liquidação – a sociedade considerasse extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes.

  7. Contudo, apesar da extinção da sociedade, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem, como resulta claramente do disposto nos artºs 162º, 163º e 164º do CSC.

  8. Não pode a presente situação ser vista de outro modo, sob pena de coarctar o direito dos sócios de uma sociedade extinta a reivindicar para si património da extinta sociedade.

  9. A questão nem poderá ser tratada de forma diferente, veja-se se os sócios são responsáveis pelas dívidas da sociedade em função do que recebem em partilha social, por maioria de razão deverão estes encabeçar os direitos de crédito ou outros de uma sociedade extinta, caso contrario estar-se-ia perante um património sem dono.

    *Os Apelados não apresentaram contra alegações.

    *Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    *II- Do objecto do recurso.

    Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte: - Analisar da verificação ou não da excepção dilatória de ilegitimidade activa.

    *III- FUNDAMENTAÇÃO.

    Fundamentação de facto.

    Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve: “(…) Apreciando.

    Lê-se no artigo 11.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte.

    Como afirma Castro Mendes a personalidade judiciária é “o pressuposto dos restantes pressupostos processuais subjectivos relativos às partes” (in Direito Proc. Civil, 2º vol., 1980, AAFDL, pág. 13).

    Com efeito, a legitimidade, por exemplo, ou a capacidade judiciária são atributos das partes. As partes é que são legítimas ou ilegítimas, capazes ou incapazes judiciariamente. Estes pressupostos por seu turno pressupõem uma parte, de que são atributos, e de que a susceptibilidade de o ser funciona, num plano anterior, como pressuposto ainda.

    Dispõe, ainda, o n.º 2 do citado normativo legal que quem tiver personalidade jurídica tem personalidade judiciária. Assim, pode afirmar-se de forma que cremos indubitável que é este o critério geral de atribuição da personalidade judiciária - critério da correspondência ou coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária.

    Do que se acabou de expor decorre que todos os indivíduos gozam, entre o momento do nascimento completo e com vida e o momento da morte, de personalidade judiciária, podendo ser partes em juízo, já que todos podem, em princípio, ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas. E o mesmo sucede quanto às pessoas colectivas regularmente constituídas.

    No entanto, a lei prevê casos de entidades que, pese embora não disponham de personalidade jurídica, têm, todavia, personalidade judiciária. Trata-se de entes desprovidos de capacidade de gozo de direitos privados, cuja personificação judiciária é reconhecida e fixada nos artigos 12.º e 13.º do Código de Processo Civil.

    No que ora releva, e relativamente às sociedades comerciais, dispõe o artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais que elas gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem. No entanto, mesmo antes dessa data (do registo definitivo do contrato), já a lei processual lhes reconhece personalidade judiciária (artigo 12.º alínea d) do Código de Processo Civil).

    Acresce que a personalidade judiciária das sociedades comerciais mantém-se mesmo após a dissolução. Isto porque, a sociedade, como pessoa colectiva, não se extingue quando se dissolve: apenas entra na fase de liquidação, pelo que se mantém a sua personalidade jurídica e bem assim a sua personalidade judiciária.

    Tal apenas deixa de ocorrer com o registo do encerramento da liquidação, altura em que a sociedade se considera extinta (artigo 160.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais).

    Ora, com a extinção da sociedade cessa a sua personalidade jurídica e judiciária, à semelhança do que acontece com a morte de qualquer pessoa singular.

    In casu, a sociedade HC – Comércio e Industria de Pneus, Lda. encontra-se extinta desde Abril de 2013, razão pela qual perdeu a sua personalidade judiciária.

    Sucede que a acção foi intentada pelos sócios B e pelos herdeiros da herança aberta por óbito de H pelo que não se coloca o problema de falta de personalidade judiciária da referida sociedade.

    Os autores intentaram a presente acção pedindo que se declare nulo e sem nenhum efeito o contrato de trespasse e bem assim o acordo de revogação do contrato de arrendamento e confissão de dívida e a condenação da segunda ré a restituir a posse do estabelecimento em causa aos autores. Alegaram para o efeito o seguinte: - em 23 de Janeiro de 2012 o autor B, em representação da sociedade HC declarou celebrar com o primeiro réu um contrato de trespasse de estabelecimento comercial. Ora, à data a sociedade obrigava-se com a assinatura do gerente H, o qual faleceu em Junho de 2009 sendo por isso...

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