Acórdão nº 154/15.1GAPCR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução22 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: No supra identificado processo, do Juízo de Competência Genérica de Valença, da Comarca de Viana do Castelo, o arguido Manuel foi julgado e condenado, por sentença depositada em 14-06-2017, como autor de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, nº 1 do C. Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 10, e, ainda, a pagar ao demandante Joaquim a quantia de € 1.500, acrescida dos juros de mora à taxa de 4%, desde a notificação para contestar o pedido de indemnização civil até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos decorrentes da sua conduta.

Inconformado com essa decisão, o arguido interpôs recurso cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões: «A. O Tribunal a quo conferiu dignidade penal às expressões proferidas pelo arguido, conclusão que se crê excessiva; B. O recorrente foi exaustivo na explicitação do contexto donde advém o triste episódio do dia 23 de Julho de 2015, estando assente nos autos que a discussão em causa tem como pano de fundo um desentendimento relativo a um contrato de empreitada celebrado com o assistente; C. O próprio assistente, em prestação de declarações, admitiu apenas que foi apodado de “trafulha”, mais afirmando que o recorrente lhe tinha dirigido a expressão “falsificaste-me os cheques com o pessoal da Caixa”, o que, embora não sendo deveras relevante para justificar a aplicação do artigo 358.º do Código de Processo Penal (porquanto na acusação está vertido o vocábulo gatuno), a verdade é que das palavras do assistente não evidenciaram um relato muito acalorado, pelo qual tivesse depois abandonado o local muito condoído, vexado ou humilhado; D. O assistente não retorquiu as palavras do recorrente, tendo de imediato abandonado o local, e o recorrente não continuou a insinuar o que quer que seja, pelo que as expressões foram proferidas como que repentinamente, num contexto de discussão de uma reclamação de dívida, num espaço da propriedade do recorrente (logradouro, terreiro, defronte da sua casa); E. A propensão para o insulto repentino terá de ser dissecada caso a caso, sendo indesmentível a falta de instrução do arguido, acompanhada da vivência num meio sociocultural (raia minhota) em que linguagem de calão mais assanhado assume a máxima expressão na loquacidade das pessoas; F. Ao apodar o assistente de ladrão, o arguido pretendeu exprimir somente o seu desagrado pela forma como a empreitada foi conduzida, não pretendendo pagar-lhe a totalidade do preço da obra por se achar lesado no seu interesse enquanto credor; G. O recorrente é uma pessoa com alguma idade, viveu e (vive ainda) grande parte da sua vida num país (EUA) ultra propício à crítica desenfreada, à quiçá demagogia mais fácil na utilização das palavras, à ofensa verbal gratuita e pungente, de modo que o mesmo não se coíba e verbalizar certas expressões de forma mais contundente; H. De todo o modo, as expressões dadas como provadas não parecem configurar uma ofensa marcadamente inadmissível, sob todos os pontos de vista. Não é isso que avulta dos autos, pelo que assim de defende a não aplicação do artigo 181.º do Código Penal.

  1. Mesmo que assim não se entenda, deverá sempre aplicar-se no caso vertente o disposto no artigo 17.º do Código Penal, pois o arguido, desculpavelmente, atenta a sua vivência num país onde a linguagem mais grosseira é notoriamente evidente, não poderia ter representado como altamente censurável a sua conduta, pois agiu no exercício, ainda que exacerbado, de crítica e reclamação à pretensão de recebimento do assistente, por simplesmente entender que a obra levada a cabo por este último apresentava defeitos; J. Incorreu, pois, o recorrente, em erro não censurável, e não sendo o tipo aqui punível a título de negligência, terá necessariamente de ser excluída a culpa, com a necessária absolvição do mesmo; K. Pelo exposto, devem dar-se como não provados os factos n.ºs 3 e 4 do capítulo dos factos provados na sentença recorrida, não propriamente por ausência de dolo, mas por ausência de culpa; L. Sempre sem prescindir, subsidiariamente, em caso de manutenção da condenação, deverão os dias de multa a que foi condenado o recorrente ser alvo de uma redução, porquanto o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71.º do Código Penal; M. Em termos de desvalor da acção e de resultado, não se verifica que a actuação do arguido tenha revestido uma crueldade, cinismo, cólera, desiderato de vindicta, sentimento possessório e brutalidade tais que traduzam uma clamorosa ofensa à dignidade da pessoa do assistente; N. De molde que a factualidade apurada não assume gravidade tal que justifique a fixação de 80 dias de multa; O. Como consequência do acima exposto, deve de igual modo ser reduzida a indemnização arbitrada, em consonância com a redução dos dias de multa a operar-se eventualmente, numa determinação mais conforme com o disposto no artigo 71.º do Código Penal e em consonância com os artigos 494.º e 496.º do Código Civil.».

O recurso foi regularmente admitido pelo despacho proferido a fls. 277.

Em 1ª instância, o Ministério Público e o assistente responderam ao recurso, pugnando pela sua total improcedência, com argumentos que a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, neste Tribunal, em geral, acolheu no seu douto parecer e reforçou com pertinentes considerações.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.

*Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscitam-se neste recurso as questões de saber se: o arguido deve ser absolvido porque (i) as expressões que endereçou ao assistente, atendendo ao respectivo contexto fáctico, não configuram uma ofensa marcadamente inadmissível e enquadrável no art. 181.º do C. Penal, e (ii) porque os pontos 3 e 4 da factualidade tida por assente, atinentes à culpa ao mesmo assacada, não devem ser considerados como patenteados pelo conjunto dos demais factos provados; (iii) caso assim se não entenda, a gravidade da factualidade apurada não justifica a pena de 80 dias de multa e (iv) o montante da indemnização arbitrada.

Importa apreciar e decidir tais questões, para o que deve considerar-se como pertinentes os factos considerados provados na decisão recorrida e a respectiva motivação, que a seguir se transcrevem.

1. No dia 23 de Julho de 2015, cerca das 18H30, o assistente Joaquim deslocou-se até à residência do arguido, sita no Lugar …, concelho de Paredes de Coura, a fim de obter o pagamento de uma quantia em dívida respeitante a um contrato de empreitada para execução de uma obra que ambos tinham celebrado entre si.

2. Quando aí chegou o assistente dirigiu-se ao arguido e perguntou-lhe quando é que ele tencionava pagar o que lhe devia, sendo que o arguido, de imediato, lhe disse, em voz alta, “não pago, és um gatuno, ladrão, falsificaste os cheques com ajuda do pessoal do Banco A”.

3. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito de ofender a honra e consideração do assistente Joaquim, o que quis e conseguiu.

4. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.

5. O assistente é pessoa séria, respeitadora e respeitada no seu meio social.

6. As expressões referidas em 2 foram proferidas pelo arguido na presença de colegas de trabalho do assistente, tendo provocado neste, como ainda provocam, tristeza, angústia, ansiedade e indignação 7. O assistente é pessoa conhecida em Paredes de Coura, de onde é natural, aí exercendo a sua actividade de construção civil.

8. Os factos descritos em 2 foram e são alvo de comentários em Paredes de Coura, designadamente por parte de pessoas que conhecem o assistente e a sua família.

9. O assistente nunca teve qualquer problema com os seus clientes, seja quanto à execução dos trabalhos, seja quanto ao pagamento dos serviços.

10. Não consta averbada qualquer condenação no registo criminal no que respeita ao arguido.

11. O arguido reside nos Estados Unidos da América, para onde emigrou há 36 anos.

12. Está actualmente aposentado e aufere uma pensão de reforma no montante mensal de 2.500,00 dólares.

13. A esposa é doméstica e recebe uma pensão mensal de 580,00 dólares.

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Motivação da decisão de facto: «O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos dados como provados, com base em todo o acervo probatório produzido em audiência, analisado de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum.

Adiante-se desde já que o arguido reconheceu que no dia 23 de Julho de 2015, cerca das 18H30, junto ao portão da sua casa de habitação no lugar de …, Paredes de Coura, teve efectivamente um confronto com o assistente Joaquim, explicando que entre ambos está latente um conflito que diz respeito a um contrato de empreitada que celebraram entre ambos. Negou, porém, que lhe tenha dirigido as expressões descritas na acusação particular, referindo que se limitou a dizer ao assistente para se deixar de vigarices e que fosse para Tribunal resolver o problema – o assistente reclama dele e da esposa o pagamento de uma dívida que diz respeito ao supra mencionado contrato.

O arguido confirmou também a presença no local, aquando da refrega, de dois “empregados” do assistente, as testemunhas José e António, para além da sua esposa.

Assim sendo, o Tribunal convenceu-se que os factos aconteceram da forma descrita na acusação particular com base, desde logo, nas declarações prestadas pelo assistente, que foram conjugadas com os depoimentos prestados por José e António (sendo que ambos esclareceram que trabalham em parceria com o assistente e que não são seus “empregados”, como o arguido os classificou). Tais declarações...

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