Acórdão nº 148/12.9TBVPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelCRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução25 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães SUMÁRIO: I) - Os baldios são bens comunitários afectos à satisfação das necessidades primárias dos habitantes de uma circunscrição administrativa ou parte dela e cuja propriedade pertence à “comunidade” formada pelos utentes de tais terrenos que os receberam dos seus antepassados, para, usando-os de acordo com as necessidades e apetências, os transmitirem intactos aos vindouros.

II) - Desde a entrada em vigor do DL 39/76 de 19/1, os baldios, pela sua própria natureza, são insusceptíveis de apropriação privada (por usucapião ou qualquer outro título), sendo imprescritíveis, por se encontrarem fora do comércio jurídico, salvo as excepções taxativamente elencadas na Lei dos Baldios (artº. 4º da Lei nº. 68/93 de 4/9 e, antes, artº. 2º do DL nº. 39/76).

III) - Os cidadãos integrantes das comunidades locais não podem dispor individualmente do direito de propriedade sobre os terrenos baldios nem os podem adquirir por via da usucapião (artºs 1º, nº. 1 e 4º, nº. 1 da Lei nº. 68/93 de 4/9), pois que a sua usufruição individual ou colectiva limita-se à apascentação de gados, à recolha de lenhas ou de matos, ao cultivo ou outras utilizações, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola.

  1. RELATÓRIO Junta de Freguesia X intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra José e esposa Maria e Empresa A – Exploração Florestal, Lda.

    , pedindo a condenação dos Réus: a) A reconhecer que o prédio/área identificado nos artºs 2º e seguintes da petição inicial são terrenos baldios e pertença de toda a comunidade local da Freguesia X; b) A indemnizar, solidariamente, os Compartes da Freguesia X, aqui representados pela A., no montante de € 103 670,04, por força dos danos por si sofridos na sequência dos referidos, abusivos e ilegais, cortes de arvoredo efectuados na sua área baldia; c) A não impedirem, por qualquer forma ou meio, o exercício do direito que aos Compartes assiste, como utilizadores comunitários daquela área baldia, a que se fez menção nos artºs 2º e seguintes da petição inicial.

    Para tanto alega, em síntese, que na área da Freguesia X, concelho de Ribeira de Pena, sob a administração da A., existe uma área de utilização comunitária, também denominada baldia, conhecida por “P” e “C.”, área essa que vem sendo logradouro comum e exclusivo dos habitantes daquela Freguesia, há mais de 200 anos, a qual se situa no perímetro florestal do Alvão.

    Após invocar factos tendentes a demonstrar a aquisição originária, por via da usucapião, pelos compartes de Freguesia X, representados pela A., de uma área baldia composta de pinhal, com a área aproximada de 70 000 m2 e as confrontações mencionadas na petição inicial, refere que no dia 28 de Setembro de 2010, cerca das 9 horas, os RR. entraram na dita área baldia, mais precisamente no local denominado “P”, tendo a 2ª Ré procedido ali ao corte e abate de cerca de 631 cepos de pinheiros bravos, sem consentimento da A., que perfizeram um volume de 144,672 m3.

    No dia 29 de Setembro de 2010, cerca das 16 horas, a 2ª Ré, com o conhecimento e consentimento dos 1ºs RR., procedeu, de novo, ao corte e abate de 202 pinheiros bravos, com cerca de 35 anos de existência, na área baldia referida, mais precisamente no local denominado “C.”, sem qualquer autorização, conhecimento e assentimento da Autora, tendo ambos os trabalhos de corte das referidas árvores sido embargados extrajudicialmente pela A. e respectiva mandatária nos autos.

    Acrescenta, ainda, que após o embargo do dia 29, no local da referida área baldia denominada “P”, a 2ª Ré, com o conhecimento e consentimentos dos 1ºs RR., procedeu ao corte de mais 195 árvores, tendo neste local sido cortadas um total de 826 árvores, sendo que a mesma procedeu ao corte de um total de 1028 cepos de pinheiro bravo, a que corresponde um volume de 269,112 m3 que, à razão de € 35/m3, importa em € 9 481,92.

    Por outro lado, devido a tal corte abusivo, os RR. incorreram numa taxa de corte indevido e prematuro, no montante de € 47 094,06, tendo os compartes da Freguesia X direito a ser ressarcidos de tais prejuízos.

    Os RR. José e esposa Maria contestaram, arguindo a excepção de ineptidão da petição inicial e invocando, sumariamente, que são donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios rústicos sitos nos limites da Fonte M., Freguesia X, concelho de Ribeira de Pena: a) Vinha das C. que confronta do norte e nascente com José (Réu), sul com Manuela e poente com António, com a área de 8.625 m2, inscrito na matriz sob o artº. 111 e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº. 222/Freguesia X; b) P e Pinhal, terreno de cultivo e bravio, que confronta do norte com José (Réu) e BC, nascente com Baldio, sul e poente com os Réus, com a área de 15.000 m2, inscrito na matriz sob o artº. 333 (antigo artº. 000) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº. 444/Freguesia X.

    Além da aquisição derivada, alegam, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião), por parte dos 1ºs RR., do direito de propriedade sobre os aludidos prédios rústicos.

    Impugnam a factualidade alegada na petição inicial, negando que as árvores alvo do corte praticado pelos RR. se situem na zona baldia e que sejam propriedade dos compartes de Freguesia X (sendo os próprios RR. compartes dos baldios de Freguesia X).

    Referem, ainda, que pela madeira cortada apenas pela Empresa A receberam o valor de € 4 000 (valor de mercado), tendo procedido ao corte das árvores localizadas nas suas propriedades porque a A., cerca de 3 meses antes, havia procedido à marcação das mesmas, preparando-se para as cortar, tal como havia feito há cerca de 10 anos, sendo que os RR. instauraram a acção nº. 440/2000 uma vez que a A. procedeu, naquela altura, ao corte de várias árvores nos seus terrenos.

    Concluem, pugnando pela absolvição da instância ou pela sua absolvição do pedido.

    A Ré Empresa A também apresentou contestação, excepcionando a sua ilegitimidade na presente acção e alegando que, por contrato de compra e venda, celebrado entre os 1ºs RR. e a 2ª Ré em Setembro de 2010, aqueles venderam à 2ª Ré toda a madeira existente nos prédios rústicos “Vinhas das C.” e “P”, sitos no Lugar de Freguesia X, inscritos na matriz sob os artºs 917 e 333.

    Impugna o demais alegado na petição inicial.

    Conclui, pugnando pela procedência da excepção invocada, com a absolvição da Ré da instância, ou pela improcedência da acção e sua absolvição dos pedidos formulados pela Autora, pedindo, ainda, a condenação desta como litigante de má-fé em custas e indemnização condigna a favor da Ré.

    A A. apresentou réplica, reiterando o alegado na petição inicial e pugnando pela sua absolvição do pedido de condenação por litigância de má fé formulado pela 2ª Ré.

    Por requerimentos de fls. 384 a 388, os RR. vieram arguir a excepção de caso julgado decorrente da sentença proferida na acção de processo sumário nº. 61/14.5T8VPA (anterior nº. 440/2000), tendo a A. deduzido oposição nos termos constantes de fls. 389 a 391.

    Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador onde se julgaram improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial, ilegitimidade passiva da Ré Empresa A e caso julgado, tendo sido, ainda, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, que não sofreram reclamações.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

    Após, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu: A) Condenar os Réus JOSÉ e esposa MARIA e EMPRESA A, EXPLORAÇÃO FLORESTAL, LDA a reconhecerem que os terrenos/área identificados nos arts. 2.º e seguintes da petição inicial são baldios que pertencem a toda a comunidade local da Freguesia X; B) Condenar os Réus JOSÉ e esposa MARIA a indemnizar os compartes da Freguesia X, aqui representados pela Autora, no montante de € 9.481,92 (nove mil quatrocentos e oitenta e um euros e noventa e dois cêntimos); C) Condenar os Réus JOSÉ e esposa MARIA e EMPRESA A, EXPLORAÇÃO FLORESTAL, LDA a não impedirem, por qualquer forma ou meio, o exercício do direito dos compartes como utilizadores comunitários dos terrenos/área referenciados em A); D) Absolver os Réus JOSÉ e esposa MARIA e EMPRESA A, EXPLORAÇÃO FLORESTAL, LDA do demais peticionado; E) Absolver a Autora JUNTA DE FREGUESIA X do pedido de condenação como litigante de má-fé; F) Condenar a Autora JUNTA DE FREGUESIA X e os Réus JOSÉ e esposa MARIA e EMPRESA A, EXPLORAÇÃO FLORESTAL, LDA o pagamento das custas processuais em função do respectivo decaimento.

    Inconformados com tal decisão, os RR. José e esposa Maria dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1 - O presente Recurso funda-se na violação do artigo 343.º do C. C., do artigo 7.º do Código Registo Predial, e dos artigos 1.º e 2.º da Lei dos Baldios, e funda-se no disposto nos artigos 640.º e 639.º n.º 2 a) do C. P. C.

    2 - A prova produzida justificava Decisão Diversa.

    3 - Os pontos 1 a 8 dos Factos Provados deveriam constar da matéria Não Provada.

    4 - Com efeito, ao declarar que a zona do corte era baldia, o Meritíssimo Juiz fê-lo, desconsiderando o disposto nos artigos 1 e 2 da Lei dos Baldios, que expõe, com rigor, que só é zona baldia de uma localidade, a área que é aproveitada pelos compartes, desde tempos imemoriais, de forma pública e pacífica, sem oposição de ninguém, imbuídos de animus de efectivos proprietários comunitários.

    5 - Por outro lado, tal pratica, para ser relevante ao nível da aquisição da propriedade, tem de estender-se por várias gerações – o que significa que não trata de uma pratica extemporânea e localizada.

    6 - Ora, a prova produzida comprova que na zona de litígio, os compartes de Freguesia X não realizavam qualquer acto de posse.

    7 - Aliás, são as próprias testemunhas da Autora que referem que, na zona em litígio só viam os...

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