Acórdão nº 1173/14.0T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução25 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

José, melhor identificado nos autos, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra Empresa A Construções L.da, Águas X S.A., AB e Granitos P L.da, formulando os seguintes pedidos: "- ser declarado que o A. é, conjuntamente com o filho José, as únicas e universais herdeiras do falecido Manuel; - serem as 2ª, 3ª e 4ª Rés condenadas a pagar ao A. a quantias supra discriminadas, no valor global de € 42.617, valores sempre acrescidos de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento; - serem as Rés condenadas nas custas, procuradoria e demais encargos legais; A condenação das Rés, deverá, com o devido ajustamento, ser solidária." * Alegou, em síntese, que o seu pai, Manuel, faleceu no dia 23-10-2006 no estado de casado com Maria, deixando ainda como filha Filipa.

O seu pai morreu num acidente de trabalho, quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da 1ª ré, numa obra que pertencia à 2ª ré, que adjudicou a sua realização, através de empreitada, à 3ª ré, a qual celebrou com a 4ª ré um contrato de subempreitada, e esta, por sua vez, celebrou um contrato de prestação de serviços com a 1ª ré. O acidente deu-se quando o seu pai se encontrava a proceder a um encaixe de tubos numa vala e deslizaram várias terras e pedras que tinham sido colocadas completamente encostadas à margem da vala, que ao caírem o atingiram na cabeça, causando-lhe as lesões que lhe determinaram a morte.

Pretende ser indemnizado pelo dano que sofreu por o seu pai ter deixado de poder contribuir para o seu sustento autor, pois à data era estudante e vivia em exclusivo do produto do trabalho do daquele. Quer igualmente ser indemnizado pelo dano morte, pelo dano que teve com a morte do seu pai e pela dor que este sofreu ainda antes de morrer.

* As rés Águas X, AB e Granitos P contestaram, deduzindo algumas excepções e impugnando parte do alegado pelo autor.

No despacho saneador a ré Empresa A foi absolvida da instância.

* Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão: "Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

  1. Absolvo as rés Águas X, S.A. e Granitos P, L.da, do pedido.

  2. Condeno a ré AB, Joaquim, ACE, a pagar ao autor José a quantia de € 31.500,00 (trinta e um mil e quinhentos euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento." * Inconformada com esta decisão, a ré AB dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: “A) Entende a sentença recorrida que apesar de o trabalhador sinistrado ao entrar na vala ter "desrespeitando as indicações que lhe foram transmitidas", é a empreiteira que merece censura, pois deveria "ter fiscalizado o cumprimento de regras de segurança da obra, desde logo lançando mão de diligências no sentido de «responder» ao perigo criado pela colocação de terras molhadas junto ao bordo da vala, sem respeitar a distância mínima necessária".

    1. E, ao fazê-lo, mistura indevidamente questões distintas, com diferentes reflexos quanto à imputação da responsabilidade pelo acidente versado nos presentes autos.

    2. A primeira e principal questão a dirimir refere-se à violação pelo trabalhador sinistrado de duas regras elementares de segurança: a obrigatoriedade de entivação de valas com mais de 1,20 m de altura e a proibição de descida ao fundo de valas não entivadas de qualquer profundidade.

    3. Violação que resulta do depoimento do trabalhador PJ que, apesar de insistir no pretenso desconhecimento pelos trabalhadores da obrigatoriedade de entivação de valas com mais de 1,20 m de fundo, reconhece que o trabalhador sinistrado "desceu à vala", mesmo "devendo saber que a mesma devia ter sido entivada" E) Ou seja, reconhece: - a falsidade do afirmado quanto ao desconhecimento por ambos das regras aplicáveis ou da pretensa convicção que norteava a sua actuação, - a preterição consciente pela vítima da regra básica de segurança relativa à obrigatória entivação de valas com mais de 1,20 m de altura.

    4. Nada disto foi levado em consideração pelo Tribunal a quo, que exonera o trabalhador sinistrado de qualquer culpa na violação de tal regra básica de segurança por o "boletim informativo" distribuído a este e ao referido PJ nada referir "quanto à abertura da vala que obriga à entivação".

    5. De igual modo, o Tribunal a quo não levou em conta outros relevantes factos provados, a saber: - "15. Havia que proceder à entivação da vala onde se encontrava o Manuel"; - "17. Não tendo sido observados os cuidados mencionados" em 15 e 16" (por manifesto lapso a sentença refere 13 e 14, que não contêm qualquer alusão a tais cuidados); - "41. Em momento prévio ao início dos trabalhos", a AB, Joaquim, ACE, "elaborou um plano de segurança para a obra, designadamente os procedimentos de segurança a observar para prevenir riscos especiais dos trabalhos de abertura de valas que estavam em causa, procedendo à elaboração da «Ficha Técnica/Segurança – Avaliação de riscos/actividades – abertura de valas"; - "47. O sinistrado frequentou a sessão de acolhimento em 27.09.2006 sobre os riscos da actividade, relativos à abertura de valas, tendo sido distribuído o boletim informativo contante (sic) a fls. 341 "verso" e 342"; - "50. No plano de segurança da obra, consta que "sempre que a vala tiver profundidade superior a 1,20m é obrigatória a entivação da mesma".

    6. Tal como não atribuiu qualquer significado à circunstância de a obrigação de entivação de valas com profundidade superior a 1,20 m ser imposta pela própria lei (artigo 72.º do Decreto n.º 41821, de 11-8-1958), não dependendo o estabelecimento e o cumprimento de tal limite da vontade dos responsáveis pela obra.

    7. Do que antecede resulta ser totalmente infundada a asserção em que se baseia o Tribunal a quo, de que estes trabalhadores não dominavam as regras elementares de segurança a observar nesta e noutras actividades a que profissional e quotidianamente se dedicavam - não sendo, aliás, razoável assumir tal desconhecimento por trabalhadores com assinalável experiência em obras e co o que esta implica de formação e de sensibilização para os riscos associados a certas tarefas e as condutas a adoptar para os evitar.

    8. Mas ainda que assim não fosse - o que só por dever de patrocínio se admite -, nem assim tal asserção teria as implicações que o Tribunal a quo pretende assacar-lhe, pois é a própria lei, mais exactamente o artigo 274.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho de 2003 que inclui entre as "obrigações gerais" do trabalhador "cumprir as prescrições de segurança, higiene e saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador" – recusando ao eventual desconhecimento da lei qualquer relevância exculpatória do seu incumprimento.

    9. Quanto à segunda regra de segurança violada pelo trabalhador sinistrado, a proibição de descida ao fundo de valas não entivadas, qualquer que seja a sua profundidade, é o próprio o Tribunal a quo a reconhecer expressamente - que o "referido boletim" proíbe aos trabalhadores "descerem ao fundo da vala sem a respectiva entivação".

      - ter o trabalhador sinistrado "entrado na vala desrespeitando as indicações que lhe foram transmitidas no boletim informativo".

    10. E foi justamente a atitude displicente do trabalhador perante as regras de segurança que o levou a violar, conscientemente a relativa à obrigatória entivação da vala em que trabalhava e a relativa à proibição de descida ao fundo de qualquer vala não entivada, tendo sido esse desrespeito a causa determinante do sinistro que o vitimou.

    11. Com efeito, se a vala houvesse sido entivada, o "painel de entivação" impediria que, a dar-se um deslizamento de terras e pedras, "estas atingissem" o trabalhador "porquanto não entrariam para o interior da vala" e se o trabalhador acidentado não tivesse descido ao fundo da vala por entivar, jamais aí teria sido atingido pelas terras e pedras empilhadas na sua borda quando estas caíram para o seu interior.

    12. Por outras palavras, ao desrespeitar tais regras, o trabalhador sinistrado criou as condições necessárias para que o desabamento de terra e pedras verificado redundasse no acidente de trabalho que lhe foi fatal.

    13. Donde, e bem ao contrário do que sem demonstrar afirma a decisão recorrida, o trabalhador sinistrado deu causa, sim e de forma culposa, a esse mesmo acidente.

    14. Contra o que sugere o Tribunal a quo de modo algum a ocorrência no caso da violação de outra regra de segurança - quanto à acumulação de terra e de pedras junto aos bordos da vala - exclui a comprovada responsabilidade do trabalhador vítima do acidente pela ocorrência do mesmo, pois tal infracção, só por si, jamais teria causado o acidente de que resultou a morte do trabalhador Manuel.

    15. Com efeito, a mera colocação de terras no "bordo da vala, sem respeitar a distância mínima necessária" não teria consequências se tivessem sido respeitadas as regras de segurança que impõem a entivação das valas com mais de 1,20 m e que proíbem aos trabalhadores a descida ao fundo de qualquer vala não entivada, já que a terem-se aquelas desprendido, o painel de entivação teria "travado" a sua queda e por tal modo impedido que o trabalhador que aí estava fosse pelas mesmas fatalmente atingido.

    16. Donde, ao decidir como decidiu, afastando qualquer responsabilidade do trabalhador sinistrado e atribuindo-a na totalidade à 3.ª R. AB, Joaquim, ACE, a sentença recorrida julgou patentemente contra o que resulta dos factos provados e o estatuído no n.º 1, alínea a) do artigo 274.º do Código do Trabalho de 2003.

    17. Paralelamente, ao fazer tábua rasa da culpa do trabalhador sinistrado na ocorrência do acidente que o vitimou, a sentença recorrida não aplicou, e nessa medida violou, o artigo 570.º...

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