Acórdão nº 374/11.8TBVPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução20 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relatora - Maria dos Anjos S. Melo Nogueira 1º Adjunto: Desembargador José Carlos Dias Cravo 2º Adjunto: Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida Sumário do acórdão (art. 663.º n.º 7, do CPC): I - O que distingue a obra com defeitos (cumprimento defeituoso) da obra incompleta (incumprimento parcial) é que a primeira, apesar de acabada, apresenta deficiências (vício qualitativo), enquanto que a segunda não foi totalmente realizada (vício quantitativo).

II - Não se estando perante um caso de cumprimento defeituoso, a que se reportam os artigos 1221.º e ss., Cód. Civil e o DL 67/2003, de 8/4, mas perante um caso de obra inacabada, aplicável é o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, nos termos dos artigos 309.º e ss., do Cód. Civil.

III - Os danos circa rem encontram-se no âmbito da obrigação e com ela relacionados (valor do diagnóstico e eliminação dos defeitos) e a eles se aplica o regime da responsabilidade contratual; já os danos extra rem, provocados em objectos estranhos à obra por inobservância dos deveres de cuidado e protecção, encontram a sua sede de regulamentação no seio da responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - Relatório Pedro, NIF …, e mulher Maria, NIF …, residentes em ..., Vila Pouca de Aguiar, instauraram a presente acção declarativa de processo ordinário contra João e mulher M. S., residentes no Lugar da ..., Vila Pouca de Aguiar, pedindo, em suma, cumulativamente, a resolução do contrato de empreitada, por incumprimento ou cumprimento defeituoso por parte do Réu; indemnização no valor global e € 18.825,58, por danos morais e patrimoniais, incluindo o valor pago a terceiros para finalizar a obra; redução do preço do contrato na parte atinente ao mobiliário da cozinha, em 2/3 do valor inicial, acrescido do valor dos prejuízos e defeitos da obra/empreitada.

Alegaram para tanto, em síntese, ter celebrado com o Réu marido contrato para a instalação de uma mobília de cozinha e respectivos electrodomésticos, bem como trabalhos de carpintaria, tudo no valor global de € 19.500,00, com IVA incluído.

Alegaram, ainda, que o Réu colocou cozinha de material diferente do acordado, uma chapa de inox com arestas cortantes, deixou marcas de verniz no chão, madeiras e janelas, não procedeu à entrega dos electrodomésticos e da pedra silestone acordada, acabando mesmo por abandonar a obra.

Acrescentaram que as portas não fechavam correctamente, o mecanismo das portas de correr não funcionava, nos roupeiros não cabiam as prateleiras, as escadas apresentavam fendas.

Alegaram prejuízos sofridos com a reparação dos aludidos defeitos, além de danos morais.

*Os Réus contestaram, alegando a ilegitimidade passiva da Ré, a prescrição e caducidade do direito dos Autores, e defendendo-se, ainda, por impugnação.

*Apresentando réplica, os Autores pugnaram pela improcedência das excepções, alegaram que os defeitos foram de imediato denunciados ao Réu, que ia prometendo resolvê-los e foram também invocados, em reconvenção, na acção n.º 186/10.6 TBVPA, que lhes moveu o Réu.

*Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a invocada excepção de ilegitimidade da Ré, relegou para final a decisão da prescrição/caducidade, e seleccionou a matéria de facto assente e base instrutória.

*Após realização de produção antecipada de prova, prova pericial e prestação de esclarecimentos por escrito, foi realizada a audiência de julgamento, a que se seguiu a sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, julgou validamente resolvido o contrato celebrado entre Autores e Réu, id. em 1. dos factos provados, condenando os Réus a pagarem aos Autores a quantia que, em ulterior liquidação, se apurar corresponder à medida em que o montante de € 10.000,00 (dez mil euros) pago pelos Autores exceda o valor da obra efectivamente realizada pelo Réu (nos termos e condições que resultaram provados), do mais absolvendo os Réus do peticionado.

*II- Objecto do recurso Não se conformando com a decisão proferida, vieram os RR./Recorrentes interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões: 1- O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, Cfr. Artigos 639º e 640º do CPC, com recurso à prova gravada.

2- Os Recorrentes indicarão os factos concretos que consideram incorrectamente julgados, apontarão os meios concretos probatórios que impunham decisão diversa, recorrendo aos depoimentos, ao relatório pericial, à produção antecipada de prova e aos documentos, e apresentarão os fundamentos jurídicos para a procedência da sua pretensão.

3- Nos termos e para os efeitos do artigo 640.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, os Apelantes indicam quais os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados: os factos dados como provados, por referência à sentença: pontos 12 a 21, 29 e 30; e os factos dados como não provados, por referência à sentença: pontos 49 a 58, que aqui não se transcrevem por uma questão de economia processual.

4- Nos termos e para os efeitos do artigo 640.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, a Apelante indica quais os meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos supra indicados: A – Os documentos juntos aos autos, a fls. 8, a quitação dada pelo Réu relativamente a € 10.000,00 recebidos do Autor em 22 de Maio de 2009; a fls. 52, a encomenda efectuada pelo Réu relativa à cozinha dos Autores; a fls. 55, a facturação feita pelo Réu dos serviços que considerou terem sido prestados; a fls. 57, a facturação dos electrodomésticos recebidos pelo Réu para instalação na cozinha dos Autores, correspondentes à descrição feita no contrato; a fls. 58, o cheque, no valor de € 3.000,00, emitido pela Autora à ordem do Réu, em 12.5.09, devolvido na compensação; a fls. 59, a encomenda efectuada pelo Réu da pedra silestone, para instalação na cozinha dos Autores; B – Os testemunhos de M. B., José, assim como as declarações prestadas pelo Réu João; C - As regras da experiência comum.

5- Com efeito, apesar de o Tribunal “a quo” ter considerado não ter existido prova testemunhal bastante, no que se não concede, que corroborasse os factos alegados pelos aqui Apelantes, assim como por ter desvalorizado a prova documental junta aos autos, tal facto não impedia que o Tribunal chegasse a uma conclusão acerca das circunstâncias como o Réu foi efectivamente impedido de entrar na habitação dos Autores para terminar os trabalhos, nunca tendo abandonado a obra por sua vontade própria.

6- Além do mais, o Tribunal “a quo”, quanto às questões de direito, julgou o Tribunal “a quo” não verificada a invocada excepção de caducidade/prescrição, o que, desde já, não se concede, por quanto entende que “não está o dono da obra, perante uma obra inacabada e o incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, obrigado a interpelá-lo a concluir a obra ou a eliminar defeitos verificados na parte já realizada”, o que não se aceita, pois, como oportunamente se demonstrará, não houve incumprimento contratual por parte do Réu.

7- Não podem os Recorrentes aceitar que a Ré seja considerada parte legítima na presente acção, por não ser parte da relação jurídica controvertida, nem interessada na mesma, não tendo havido qualquer proveito comum do casal com a obra realizada.

8- Da análise da prova documental facilmente se constata que o Réu, em momento algum, abandonou a obra, tendo, pelo contrário, sido impedido de entrar na casa dos Autores, os quais retiraram as chaves do local acordado.

9- Não teria qualquer lógica que o Réu, tendo a intenção de abandonar ou deixar de comparecer na obra como referem os Autores e como constata no ponto 30 da sentença, encomendasse e pagasse os electrodomésticos e a pedra silestone, para colocação na obra, tendo ficado com o prejuízo.

10- Não iria o Réu adquirir os electrodomésticos e a pedra silestone se tivesse a intenção de voluntariamente não regressar à obra, sendo coerente com a versão apresentada pelo Réu, quando refere que foi impedido de entrar em casa dos Autores para colocar os electrodomésticos e a pedra silestone, com a finalidade de concluir os trabalhos, como era de sua intenção.

11- Efectivamente, o Réu, face ao incumprimento dos Autores, emitiu a factura nº 366, de 22/5/2009, relativa apenas aos trabalhos de carpintaria e material que ali havia instalado, e que se encontram discriminados nessa factura, pelo valor de 14.781,50 €, não tendo sido incluídos os electrodomésticos e equipamentos (no valor de 2.144,34 €), nem a pedra de silestone cortada por medida (no valor de 2.587,18 €), por não terem sido colocados em casa dos Autores.

12- Desta forma, como de facto público e notório, não é razoável que se diga que o Réu deixou de comparecer na obra, por sua vontade, pois nenhum empresário pretenderia ficar com os equipamentos e as pedras cortadas à medida de uma obra por colocar, por tal acarreta um verdadeiro prejuízo.

13- Tais documentos, depois de analisados, em conjunto com o alegado e com as declarações prestadas, impunha, assim, liminarmente, uma decisão diversa sobre os factos dados por provados e não provados, nomeadamente os constantes do ponto 30, 56, 57 e 58 da sentença.

14- Conforme se pode comprovar pelas gravações (aqui indicadas), as testemunhas e o Réu confirmaram claramente a matéria de facto conforme aqui foi articulada em sede de contestação.

15- Declarações de parte do Réu João: [00:13:21]Meritíssima Juiz: Foi um cheque de 10.000€, é isso? E então? E depois, continuo a instalação? [00:13:27] João: Sim. Quando terminamos a cozinha, instalámos a cozinha, eu chamei a cliente, disse que era do senhor Mesquita, que ela me disse que a cozinha estava conforme o que tinha pedido e ao outro dia passou-me um cheque de metade da cozinha. [00:13:46] Meritíssima Juiz: E qual era o valor de metade cozinha? [00:13:47] João: (imperceptível) 3.000€, talvez. Passou-me um cheque de 3.000€.

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