Acórdão nº 554/15.7T8CHV-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelEUG
Data da Resolução15 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães Sumário (elaborado pela relatora): Extinta a obrigação cartular incorporada em título de crédito, o mesmo mantêm a sua natureza de título executivo, desde que os factos constitutivos essenciais da relação causal subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo, conforme al. c), do nº1, do art. 703º, do CPC; 1. A atribuição de força executiva aos títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos da obrigação, justifica-se por razões segurança do tráfego jurídico e de se favorecer a sua utilização como meios de pagamento nas transações comerciais; 2. Apesar de os títulos de crédito prescritos ou que não preencham os requisitos legais não gozarem da característica da abstração, podem ser usados como quirógrafos da relação causal subjacente à sua emissão e beneficiar da presunção de causa consagrada no nº1, do art. 458º, do Código Civil, quando, não indicando a causa, traduzam atos de reconhecimento de um débito ou de promessa unilateral de prestação; 3. A emissão de um cheque não se limita a traduzir uma ordem de pagamento a um banco a favor de um terceiro, constituindo, também, o reconhecimento de uma obrigação pecuniária em relação ao portador; 4. O exequente que propõe ação executiva fundada em quirógrafo da obrigação causal subjacente à emissão do cheque tem o ónus de alegar no requerimento executivo, em obediência ao estatuído na al. c), do nº1, do art. 703º, do CPC, os factos, essenciais, constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, sem valor como título de crédito nos termos da Lei Uniforme Sobre Cheques, quando dele não constem, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º, do Código Civil, que consagra uma inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental (exceção ao regime geral de distribuição do ónus da prova consagrado no nº1, do art. 342º, deste diploma), passando o devedor a ter de provar a falta da causa da obrigação inscrita no título ou alegada no requerimento inicial para ver os embargos proceder e a execução extinta.

I.

RELATÓRIO ANA veio deduzir os presentes embargos de executado contra MANUEL, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que este lhe moveu, pedindo que a mesma seja declarada extinta, alegando, em síntese, a inexistência e inexequibilidade do título, por o cheque que fundamenta a execução, mero quirógrafo, não apresentar os elementos essenciais para que dele se possa extrair a existência de uma obrigação da executada para com o exequente e para que possa valer como título executivo, com vista a obter o cumprimento coercivo, sendo que, também, se verifica a inexistência da obrigação, pois da matéria alegada pelo Exequente, no requerimento executivo, podemos concluir que existia uma relação contratual entre o exequente e a intermediária no negócio, Maria, sendo certo que aquele invoca que a executada emitiu e assinou o cheque sem que alegue factos de que decorra obrigação de pagamento da quantia peticionada, não correspondendo à verdade que a embargante executada tenha emitido e assinado aquele “cheque” para pagamento daquela quantia, isto é, nunca entre exequente e executada existiu acordo no preenchimento do mesmo, para aquele efeito, sendo que o que se passou foi que a prima, MARIA, lhe pediu ajuda financeira (porque tinha a filha doente e necessitava de pagar uns exames médicos, no valor de 300,00€) e, como não tinha aquela quantia em numerário, lhe disse que lhe dava um cheque assinado em branco, tendo o mesmo acabado por ser preenchido de forma abusiva sem autorização da embargante/executada.

O Exequente apresentou contestação, onde pugna pela improcedência dos embargos, impugnando os factos alegados pela embargante e sustenta que o facto de não ter preenchido o cheque em nada belisca o seu direito, pois o emitente de um cheque em branco assume o risco subjacente a essa atuação voluntária.

*Procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.

*Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva: “Face ao exposto, nos termos das disposições legais supra referenciadas, decide-se julgar procedentes os presentes embargos de executado e, subsequentemente, determina-se a extinção da execução com todas as consequências legais.(…)*O embargado apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a sentença e os embargos de executado julgados improcedentes, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

  1. A executada/embargante alegou, em suma, em sede de embargos que emitiu/assinou um determinado cheque em branco e o entregou a MARIA (sua prima) para que esta realizasse um pagamento que dizia ser de € 300,00.

  2. Contrariando o acordo celebrado entre si (executada/sacadora) e a referida Maria, o cheque (ao portador) veio a ser preenchido por valor superior e entregue ao exequente para pagamento de dívida (que a Maria mantinha para com este).

  3. O alegado acordo de preenchimento celebrado entre a executada e a sua prima Maria não é oponível ao exequente, legítimo portador do cheque; D) Na verdade não foi alegada nem resulta provada matéria que consubstancie uma qualquer falta grave (ou outra) por banda do exequente ou que este tenha adquirido o cheque de má fé; E) A violação do pacto de preenchimento e as excepções fundadas sobre as relações pessoais com o sacador não são oponíveis ao portador de boa fé; F) Foram violados: artigos 13º e 22º Lei Uniforme relativa ao Cheque e art. 342º, do Código Civil.

*A embargante apresentou contra alegações pugnando por que o recurso seja julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, se confirme a decisão proferida pelo tribunal a quo que não violou qualquer disposição de carácter adjetivo ou substantivo, concluindo: 1 – Em suma, nas suas alegações o Exequente invoca que as declarações de parte da executada não deveriam ser validadas por parte do tribunal a quo, pelo facto da executada ser prima da referida MARIA; que o (alegado) acordo celebrado entre a executada e a sua prima MARIA não é oponível ao exequente, legítimo portador e que o problema, radicou no facto de o tribunal “a quo” não ter destrinçado o conceito de relações mediatas com relações imediatas; 2 - Importa referir que, as declarações de parte produzidas pela embargante foram credíveis pois foram claras precisas e simples e permitiram dar como provados os factos atrás elencados, pois para além de terem sido confirmadas com o teor da cópia extraída do processo inquérito onde a mesma prestou declarações sobre o dito cheque e foram confirmadas pela testemunha que a embargante ofereceu nos autos, Fernanda, sua gestora de conta e, para além disso, não foram infirmadas por qualquer outra prova produzida; 3 - A executada asseverou ser alheia ao sucedido e ao contrato existente entre a Maria, sua prima, e o exequente refutando ter assumido a responsabilidade pelo pagamento, apesar da emissão do indicado cheque.

4 - Afirmou que o cheque foi entregue à Maria, por ela assinado e em branco, apenas com contra a apresentação do motivo, conforme provado, escondendo a verdadeira finalidade/intenção.- 5 - O cheque foi apresentado ao exequente já assinado pela executada e esta não estava presente quando o título de crédito foi preenchido.

6 - Ficou demonstrado que a executada nunca teve a possibilidade de reunir recursos próprios para pagar um montante tão considerável e que poderia permitir a movimentação da sua conta bancária.

7 - Ficou provado que a executada não garantiu pessoalmente o cumprimento da obrigação assumida por MARIA, susceptível de ser enquadrado na previsão normativa do artigo 595º do Código Civil.

8 - Ficou evidenciada a inexistência de uma relação subjacente à relação cartular incorporada no cheque.

9 - Estamos perante um negócio que não produz efeitos em relação á executada por estar alheia à relação contratual que existiu entre o exequente e MARIA.

10 - O cheque dado à execução não contém o nome do beneficiário.

11 - Não se encontra provado o acordo contemporâneo ou ulterior à emissão do cheque, mediante o qual a executada garantiu pessoalmente o cumprimento da obrigação assumida por MARIA, susceptível de ser enquadrado na previsão normativa do artigo 595º do Código Civil.

12 - Tendo o cheque sido apresentado ao Exequente já assinado pela executada Ana sem menção do respectivo beneficiário (portador) e não estando presente quando o título de crédito foi preenchido (no caso vertente não se sabe por quem) afigura-se verosímil que a executada não tivesse prévio conhecimento (como ficou provado) do montante que veio a ser aposto no cheque e que não pretendesse vincular-se às ordens de pagamento aí contidas, tanto mais que a própria executada asseverou que não conhece de lado nenhum o exequente o que denota uma ausência de uma vontade de vinculação prévia.

13 - Porém, não obstante os princípios da literalidade e da abstração que vigoram na emissão dos cheques, tratando-se mesmo das relações mediatas que envolvem de uma banda o exequente enquanto credor originário, e da outra a Maria enquanto devedora originária e a executada enquanto subscritora do cheque que a Maria entregou ao exequente, no âmbito da relação contratual que existia entre eles (exequente e MARIA), é lícito à executada invocar excepções perentórias de que disponha relativamente ao portador (o exequente) do título de crédito (cfr. Artigo 22º da L.U.C. “a contrário sensu”) designadamente a ausência de vontade de se vincular nos termos consignados no referido cheque como perpassa do que ficou provado.

14 - No entanto, não nos podemos olvidar, pois é questão fundamental no “thema decidendum”, que o CHEQUE DADO Á EXECUÇÃO FOI APRESENTADO COMO MERO QUIRÓGRAFO.

15 - Torna-se fundamental analisar o título executivo (Cheque) oferecido nos autos que o próprio Exequente reconhece...

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