Acórdão nº 2311/16.4T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução15 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório X – Companhia de Seguros, S.A., intentou acção de condenação com processo comum contra Y – Industria de Pneus, S.A., e Companhia de Seguros A, S.A., peticionando a condenação solidária das RR. no pagamento à A. da quantia de € 13.820,71 e no que vier a ser gasto pela A. com o sinistro dos autos, bem como juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alega, em suma, para fundamentar a sua pretensão, que por força de obrigações contratuais assumidas com a MT, SA., empresa de trabalho temporário, indemnizou um trabalhador da mesma, que se encontrava a prestar serviço à ordem da R. Y, empresa utilizadora, por um acidente ocorrido nas instalações desta e imputável a um trabalhador da mesma. Alega, ainda, que a R. Y, SA transferiu para a R. A. a responsabilidade civil pelos riscos de laboração, sendo esta, por isso, igualmente responsável.

Citadas, ambas as RR. contestaram, pugnando pela improcedência da acção.

A R. Y, SA. alega que o acidente foi imputável ao sinistrado, carecendo, assim, a R. de responsabilidade pela indemnização dos danos sofridos. Sem prejuízo, impugna os pagamentos alegadamente efectuados, por desconhecimento.

Já a R. A. excepciona a respectiva ilegitimidade, por ser o seguro celebrado com a R. Continental um seguro facultativo e, assim, apenas poder ser condenada em futura acção de regresso e, sem prescindir não se encontrar o sinistro abrangido pelo seguro celebrado. Ainda sem prescindir, sustenta a responsabilidade do lesado na ocorrência do acidente e a falta de inobservância de regras de segurança, o que obsta ao direito de sub-rogação. Por último, impugna os valores peticionados e sustenta a existência de uma franquia.

Cumprido o contraditório quanto à excepção, pronunciou-se a A. sustentando a improcedência da mesma.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade, declarando-se a validade e regularidade da instância.

Veio a R. Y, SA, no dia anterior ao julgamento, alterar os termos da contestação, admitindo que o lesado foi atingido por um dos carros em que acidentalmente o trabalhador da R. embateu.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a observância das formalidades legais, no início do qual a A. se pronunciou sobre o requerimento oferecido no dia anterior.

A final foi proferida sentença com o seguinte teor: “Por tudo o supra exposto, e na procedência parcial da acção, decide-se: - absolver a R. Companhia de Seguros A., SA do pedido formulado; - condenar a A. Y, SA no pagamento à A. X Companhia de Seguros, SA da quantia de €: 13.820,71 (treze mil oitocentos e vinte euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento, considerando-se quaisquer diplomas que venham a alterar a taxa de juro de mora aplicável até que ocorra tal pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

Custas da acção a cargo de A. e R. Y, SA na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o decaimento da A. em 30% e o decaimento da R. em 70% –art. 527º do Cód. Proc. Civil. “ A Y- Indústria de Pneus, S.A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, concluindo nos seguintes termos:

  1. Nos termos do presente recurso deve a sentença ser revogada, porquanto houve incorrecta e não criteriosa apreciação da prova, e errada aplicação da lei.

    b) No que respeita à decisão de facto- a prova produzida e a sua correcta apreciação, nomeadamente tendo em atenção o teor e a credibilidade dos depoimentos, deveriam ter levado o Tribunal a dar como provados factos relativos à dinâmica do acidente, que permitissem compreender como o mesmo ocorreu, e a não dar como não provado factos conclusivos, que por isso não devem ser considerados ou devem ser eliminados, pelo que a decisão da matéria de facto deve ser alterada; c) e, mesmo que a decisão da matéria de facto não seja objecto de alteração, o que não se concede, sempre a decisão de direito deve também ser alterada e revogada e proferida decisão a dar a acção como não provada e improcedente, d) de acordo como depoimento das duas testemunhas que presenciaram o acidente, que não encerraram qualquer divergência ou contradição, a redacção dos factos y) e z), deve ser alterada nos termos seguintes: y) Foi então que chegou ao mesmo local, um empregado da Y, de nome Amândio, que em cumprimento de ordens, conduzia um veículo tractor industrial que era propriedade e estava ao serviço da Ré, e que ao avistar o João a manobrar os carros de transporte travou e parou o veículo tractor que conduzia; z) Ao retomou a marcha do veículo tractor e ao tentar passar entre o carro manobrado pelo João e os carros referidos em w), o Amândio fez o veiculo que conduzia embater num dos carros referidos em w).

    e) O facto dado como provado em ae), é conclusivo, pelo que deverá ser considerado como não escrito, ou eliminado, como decorre da aplicação a contrario da norma do artº 607, nº 4 do NCPCivil, os factos que poderiam ter levado a essas conclusões não foram alegados, f) Nada na prova produzida pode levar a afirmar-se que o Amândio teve intenção de embater em qualquer veículo, previu que ia embater num veículo, e muito menos que poderia com um eventual embate provocar ferimentos no João ; g) Deve pois ser alterada a decisão da matéria de facto como acima referido e dar-se como eliminada o “fato ae) por ser matéria conclusiva.

    h) Tendo presente os factos dados como provados, que devem ser alterados como acima referido, mas mesmo que até o não sejam, a acção deve ser julgada inteiramente não provada e improcedente quanto à Recorrente; i) .

    verifica-se uma impossibilidade legal de a Y ser demandada pela Autora enquanto seguradora de acidentes de trabalho, de um trabalhador a desempenhar trabalho mediante a autoridade e sobre as ordens e direcção desta, por ser o empregador em sentido lato; j) Nos termos da lei de acidentes de trabalho – artº 17, nº 4 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, o empregador ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis - outro trabalhador ou terceiro, se o acidente for causado por estes, se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.

    k) A noção de “causado”, deve ser entendida como “provocado com intenção”, ou seja quando o acidente é causado intencionalmente por terceiro ou colega, o que não ocorre nos autos, l) Sendo a empresa utilizadora (Y), quem beneficia da prestação do trabalho do trabalhador temporário, sob as suas ordens de direcção, tem a natureza de “empregador”, não podendo ser demandada pela seguradora (X), pois que é ela própria utilizador (Y), quem paga e transfere o risco para a seguradora (X) e como “empregadora”(vista esta como titular da empresa em que o trabalhador se insere ao realizar a sua prestação laboral).

    m) Não pode também a utilizadora ser demandada, com base nas regras da responsabilidade civil, por força da existência de uma relação contratual decorrente do contrato de trabalho de utilização do trabalhador temporário, ou seja não pode ser demandada nos termos da responsabilidade civil extracontratual, quando já houve indemnização ao sinistrado – trabalhador temporário, por força do seguro de acidente de trabalho, e por transferência da responsabilidade do empregador (utilizador), para a seguradora.

    n) Em suma, não pode haver direito de sub-rogação da seguradora contra o próprio segurado (empregador/utilizador), pois tal representaria o esvaziar do risco assumido pelo próprio segurador e que é contrapartida do prémio recebido e que a final é pago pelo utilizador.

    o) Atento o exposto, a seguradora Autora – X, pese embora tenha indemnizado o sinistrado, não ficou sub-rogada nos direitos deste contra o empregador, em sentido amplo – abrangendo empregador empresa de trabalho temporário mas também empresa utilizadora.

    Sem conceder, p) Na tese da sentença e por força da responsabilidade civil extracontratual, sempre a seguradora ficaria sub-rogada contra a segurada – direta ou indirectamente, pois que a segurada – empregador é sempre a responsável última por tudo o que ocorre na empresa; e, q) Se a segurada (empregadora) não pode ser responsabilizada pelo acidente, pela seguradora do ramo acidentes de trabalho, para quem transferiu o risco (senão o seguro não tinha razão de existir), então também o não pode ser, na qualidade de mandante do trabalhador ou colega do sinistrado, quando o acidente não seja “causado “ por esse colega, no sentido de “causado com intenção”.

    r) No caso dos autos é evidente que ninguém quis causar o acidente, no sentido de que ninguém pretendeu causar o acidente nem os ferimentos ao sinistrado. Por isso a seguradora apenas poderia ficar sub-rogada, contra um terceiro, que no caso não existe (mas que poderia existir no caso do típico acidente de viação).

    s) Se o segurador de acidente de trabalho, que houver pago compensação reparadora a sinistrado, não pode actuar contra o empregador (em sentido lato), não pode também actuar contra o empregador (em sentido amplo) com base em responsabilidade enquanto comissário de trabalhador colega do sinistrado, pois tal seria permitir por via indirecta o que a lei não permite por via direta.

    t) Assim, não existe direito de regresso da Autora X contra a empregadora, seja direta seja indirectamente, por a lei o não permitir, pelo que deverá a sentença ser alterada e revogada absolvendo-se a Y dos pedidos.

    Ainda sem conceder, u) a existir responsabilidade da Y, ora Recorrente, no pagamento da compensação à Autora pelos custos suportados com a reparação do acidente de trabalho, sempre tal responsabilidade estava a coberto do seguro que contratou com a seguradora A., Ré nos autos.

    v) Dos fatos provados não pode concluir-se como se faz na sentença, que o Amândio previu que podia embater e que mesmo assim...

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