Acórdão nº 3721/16.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Março de 2018
Magistrado Responsável | PEDRO DAMI |
Data da Resolução | 15 de Março de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
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RELATÓRIO.
Sofia intentou a presente acção declarativa de condenação contra “X - Companhia de Seguros, S.A.”, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 120.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Para tanto, e em suma, alegou que, no dia 23 de Setembro de 2012, pelas 21.30h, ocorreu um atropelamento na Rua São João Batista, freguesia de Ponte, concelho de Guimarães, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula PB, conduzido pelo seu proprietário, Artur, e um peão de nome António, seu pai, que veio a falecer.
O atropelamento deveu-se a culpa exclusiva do condutor do veículo de passageiros, que havia transferido a responsabilidade civil por danos causados a terceiros para a ora Ré.
Desta feita, a Autora reclama danos próprios e ainda uma indemnização pelos danos sofridos pelo seu pai, na qualidade de única herdeira.
A Ré, aceitando embora a ocorrência do atropelamento, impugna a versão dos factos, alegando que a culpa foi exclusivamente do peão, mais sindicando a ressarcibilidade dos danos peticionados e pugnando pela improcedência da acção.
*Proferido o despacho a que alude o art. 596º do CPC, realizou-se o julgamento com observância das formalidades legais.
*Na sequência foi proferida a seguinte sentença: “Dispositivo: Pelo exposto, vai a presente acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, a ré “X - Companhia de Seguros, S.A.” condenada no pagamento da quantia de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros) à autora Sofia, no mais improcedendo o peticionado.
Custas na proporção do decaimento – art. 527º do CPC.
Notifique e registe.” *É justamente desta decisão que a Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “C O N C L U S Õ E S : 1ª – A Recorrente, prima facie, impugna o julgamento da matéria de facto dada como não provada, a dos pontos b), d) e e) dos factos dados como não provados na douta sentença, que deverão passar a provados (cfr. artigo 640.º n.º 1 do C.P.C.).
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- A resposta à matéria de facto em questão deverá ser modificada com base nos depoimentos produzidos pelas testemunhas Artur, Alfredo e Olinda, cujas passagens foram acima referidas e transcritas.
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– Tais depoimentos impõem a modificação da matéria de facto requerida, ou seja, os factos não provados b), d) e e) devem passar a provados.
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- As testemunhas foram credíveis e não há outros meios de prova que as desmintam. Por via dessa modificação, deverá também ser eliminado o facto 16 do elenco dos provados na douta sentença recorrida.
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- Face a estes factos provados, a culpa na produção do sinistro por parte do peão é irrespondível, e também exclusiva.
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- O comportamento do peão foi ilícito, culposo e causal do sinistro pois violou directamente o art.º 3.º n.º 2 do Código da Estrada (C.E.) : “As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis”, o art.º 101º, n.º 1 do C.E. : “Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente” e o art.º 101º, n.º 3 do C.E. : “Os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito ou, quando nenhuma exista a uma distância inferior a 50 m, perpendicularmente ao eixo da faixa de rodagem.” 7ª – Por via dessa violação causou o sinistro, pois entendeu, ao invés de cumprir as suas obrigações, atravessar, fora da passadeira, à vista de um veículo a circular normalmente, com as luzes ligadas, de noite, em local mal iluminado, trajando roupas escuras.
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- O “PB” levava os faróis ligados, como se provou, mas o peão optou por proceder à travessia da via sem dispositivo luminoso, sem colete reflector, sem qualquer sinalização, de noite e em local mal iluminado.
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- A culpa na produção do sinistro pertenceu por inteiro ao infeliz peão. Esta é a única conclusão lógica a extrair dos factos provados, e da sua concatenação com as regras de trânsito e os deveres dos utentes das vias.
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– SEM PRESCINDIR, ou seja, mesmo que se mantenha inalterada a matéria de facto, deve ser rejeitado o entendimento da Exmª Senhora Juíza a quo, muito douto, de resolver o presente sinistro com base na doutrina da concorrência entre culpa e risco.
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– O condutor do veículo “PB” respeitou as normas de circulação rodoviária, in totum, pois não se provou a violação de qualquer das regras de circulação rodoviária, nem sequer a violação de um dever geral de diligência, como se provou.
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– Importa salientar que a responsabilidade objectiva opera se e quando o lesado fizer prova da concreta causa que, atinente ao veículo ou à pessoa do condutor lesante, esteve na origem do acidente.
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- Para Antunes Varela, a possibilidade de concurso, em acidente de viação, do perigo especial do veículo com facto da vítima de modo a conduzir a uma repartição da responsabilidade ou a uma atenuação da obrigação de indemnizar pelo risco, é claramente rejeitada, com o argumento de não ser justa nem ter consagração legal.
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– Mesmo Brandão Proença conclui que a Lei (art.º 505º e 570º nº 1 do Código Civil) não admite este concurso entre culpa e risco, embora defenda um novo paradigma.
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- No Ac. do STJ de 4.10.2007, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, entendeu-se o seguinte : “É também a esta luz que entendemos, procedendo, dentro do possível, a uma interpretação conforme com o direito comunitário, das regras nacionais sobre a responsabilidade civil objectiva, que essas normas consagram a possibilidade de concurso do risco do condutor do veículo com a conduta culposa do lesado, e que a responsabilidade pelo risco só é excluída, tal como entende Calvão da Silva, quando o acidente for imputável – i.e., unicamente devido, com ou sem culpa – ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte (exclusivamente) de força maior estranha ao funcionamento do veículo (…)”. – o destacado é nosso.
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- A jurisprudência subsequente demonstrou relutância em aceitar a solução do aresto, como se pode constatar do que a propósito consta do Ac. da RP de 14.07.2008 (disponível em www.dgsi.pt, processo n.º 0834104) e dos Acs. da RL de 5.05.2009 (processo n.º 5877/2008-7) e 25.06.2009 (processo n.º 675/2001.L1-8), disponíveis em www.dgsi.pt, e outros de data posterior.
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- Em bom rigor, a nova interpretação das duas normas não foi acolhida pela Jurisprudência. Vide, nomeadamente, o Acórdão do S.T.J. de 6 de Novembro de 2008 in www.dgsi.pt, que refuta expressamente essa tese ou nova interpretação 18ª - De modo que deve ser rejeitada a interpretação perfilhada nesse douto acórdão, bem como na douta sentença recorrida.
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- DE QUALQUER FORMA, os factos provados “sub judice” não permitem ter por caracterizada uma contribuição causal do risco/perigo próprio da circulação do veículo automóvel para a produção do acidente, o que vale, também se atendermos à posição do Acordão do S.T.J. de 4/10/2007.
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- O embate verifica-se na fila onde circulava o veículo, sem qualquer obstrução à sua frente, e sem trânsito em sentido contrário (ao contrário dos factos discutidos no Acórdão de 4/10/2007), e mais sucede que o peão efectua um movimento imprevisto, e invade uma via própria para veículos, onde é proibida ou censurável a travessia de peões (por existir passadeira a menos de 50 metros), de noite e em local sem iluminação, não sendo assim previsível para o condutor do veículo atentar no irreflectido comportamento do peão.
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- Só o peão pratica um comportamento negligente, ao invadir uma faixa de rodagem, de noite, em local não iluminado, e no qual era proibido ou censurado o trânsito de peões, pois existia passadeira a menos de 50 metros, em estrada onde circulava normalmente um veículo, com dispositivos luminosos ligados.
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- Observados os factos MESMO EM TERMOS DE RISCO, torna-se manifesto que estarmos perante uma conduta do lesado que se enquadra no círculo exoneratório do art. 505º do Código Civil, ou seja, o acidente tem de ser imputado exclusivamente ao peão – o comportamento deste tem de haver-se como a causa única do acidente.
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- No caso concreto decidido pelo Ac. do STJ de 4/10/2007, a condutora do veículo automóvel tinha pouca experiência (cinco meses) e esse facto foi decisivo para a apreciação da sua conduta, em termos de factor criador de risco, e para a condenação da Ré seguradora : “E, em nosso entender, surpreende-se, no caso concreto – enquanto factores que contribuíram para a verificação do acidente – a conjugação do perigo próprio do veículo com a inexperiência da sua condutora, potenciadora desse perigo” – 24ª - Acresce que nesse caso também se acentuou o facto do embate ter sido frontal, e entre dois veículos, circunstância ligada à maior ou menor habilidade para manobrar o veículo, sendo certo que esta manobra só é possível em casos de previsibilidade normal do comportamento dos outros utentes da via, ou seja, sem os obstáculos à (boa) visibilidade que ficaram provados nos nossos autos.
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- Mesmo que a doutrina do Ac. do STJ de 4/10/2007 fosse integralmente aplicada ao sinistro dos nossos autos, sempre a indemnização se deveria ter por excluída, face ao disposto nos arts. 505º e 570º do Código Civil, ou seja, mesmo, com a nova interpretação conjugada dessas normas que esse douto acórdão introduziu.
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- É que o sinistro foi devido unicamente ao comportamento culposo do infeliz peão, não tendo o risco próprio da circulação do veículo qualquer intervenção causal no deflagrar do sinistro.
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- O sinistro, mesmo em termos de risco, é unicamente imputável ao peão, pois o condutor do veículo automóvel nunca por nunca poderia adivinhar esse insólito e imprevisto movimento do peão, nas circunstâncias de facto provadas.
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- Tem de se...
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