Acórdão nº 3407/15.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Processo: 3407/15.5TOBRG Comarca de Braga Relatora: Maria Amália Santos 1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte 2º Adjunto: João Diogo Rodrigues BBH. Ltd., melhor identificada nos autos, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra José, Manuel e X - Confecções de Peúgas, Lda., também melhor identificados nos autos, peticionando que sejam os Réus condenados a restituir-lhe a quantia de €110.000,00 por esta prestada durante a fase das negociações com vista à celebração do contrato identificado nos autos, bem como condenados a indemnizar a Autora pelas despesas incorridas durante a fase das negociações e demais prejuízos provocados pela frustração do negócio, em valor a apurar em execução de sentença e nunca inferior a 10.000 €, quantias essas acrescidas de juros vencidos e vincendos.

Fundamentou a Autora a sua pretensão no facto de, após negociações com os Réus, ter chegado a acordo quanto aos termos de um negócio complexo que envolvia a celebração de vários contratos - de cessão de quotas, transmissão de propriedade de um armazém para a sociedade Ré e aumento de capital -, no conjunto dos quais se exigia a intervenção de todos os Réus, e, já depois de ter depositado numa conta do Réu José a quantia de 110.000 €, como princípio de pagamento, o negócio não ter sido concluído porque os Réus exigiram da Autora o pagamento de 465.000 € em numerário, entregue em mão na data das escrituras, com vista a evitar a declaração de tais rendimentos e o pagamento dos respectivos impostos, o que a Autora soube através da comunicação de 30.07.2013 (a fls. l3-verso), ficando a mesma sem a referida quantia e suportando várias despesas, tendo em vista a preparação do contrato de cessão de quotas, nomeadamente em deslocações e estadia em Portugal para negociar, em montante não inferior a 10.000 €.

* Os Réus contestaram, impugnando parte da factualidade alegada pela Autora, e deduziram contra ela reconvenção, pedindo que: - Seja a autora condenada a pagar ao réu Manuel a quantia global de 25.095,41 €; - Seja a autora condenada a pagar à ré X Confecções de Peúgas Lda., a quantia global de 93.299,12 €; - Seja a autora condenada a pagar à ré X Confecções de Peúgas Lda., a quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença, pelos prejuízos referidos nos itens 127, 128, 129 e 130 da p.i.; - Seja a autora condenada no pagamento de juros de mora, calculados à taxa legal. .

Fundamentaram as suas pretensões nos prejuízos alegadamente causados pela conduta da Autora que, segundo eles, estando em curso negociações e após criação de grande expectativa quanto à celebração do negócio em causa, desistiu do mesmo, alegando, entre outros motivos, que não queria fazer o pagamento de 465.000,00 € em dinheiro, conforme condições previamente estabelecidas.

* Replicando, a Autora veio impugnar a matéria de facto que sustenta a reconvenção.

Mais pediu a condenação dos Réus como litigantes de má-fé em multa e numa indemnização a seu favor em montante a apurar em execução de sentença de acordo com o prudente arbítrio do julgador.

* Tramitados regulamente os autos, foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo a acção e a reconvenção totalmente improcedentes e, consequentemente, absolvo os Réus do pedido contra eles formulado nestes autos e absolvo a Autora/Reconvinda do pedido reconvencional.

Mais decido condenar os Réus como litigantes de má-fé em multa que fixo em 5 UC. Custas da acção pela Autora e custas da reconvenção pelos Réus/Reconvintes…”.

* Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a A. interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “i. Está provado que a Autora e os Réus acordaram a celebração de um negócio no valor total de €665.000,00, tendo a Autora entregue a quantia de €110.000,00 durante a fase de negociações como princípio de pagamento do preço total.

ii. Está provado que os Réus procuraram exigir da Autora o pagamento de €465.000,00 em numerário, com vista a esconder tal rendimento e evitar o pagamento dos respetivos impostos.

iii. Está provado que a Autora se recusou a efectuar o pagamento em numerário, tal como os Réus pretendiam, para fugir aos impostos, antes exigindo que o pagamento fosse feito através de cheque ou de transferência bancária.

iv. Está ainda provado que os Réus se recusaram celebrar o negócio em tais condições.

  1. Tendo em conta tais factos provados, deve a ação ser julgada procedente e os Réus condenados a restituir à Autora a quantia por ela prestada durante a fase das negociações, nos termos do artigo 227º do Código Civil, uma vez que está provado que tal quantia lhes foi entregue como princípio de pagamento no âmbito de um negócio que os próprios Réus se negaram concluir, em face da recusa da Autora em pagar €465.000,00 em numerário para eles pudessem fugir ao pagamento de impostos! vi. Tal como ensina o Insigne Professor Antunes Varela: (...) proceder segundo as regras da boa fé, tanto na fase negociatória (…) como no momento decisório (…) do contrato, equivale a impor às partes o dever de atuarem com sinceridade, seriedade, honestidade, correcção e lealdade, por forma a não frustrarem a confiança mútua vii. No âmbito da responsabilidade pré-contratual, não é a recusa em outorgar um contrato depois de negociações com vista à sua celebração que obriga à reparação, mas sim a confiança violada por inobservância das regras da boa fé.

    viii. Todavia, não incorre em responsabilidade pré-contratual somente quem, recusando-se celebrar um negócio, defrauda a legítima expectativa da outra parte na conclusão do mesmo - o que, de resto, sucede no presente caso.

    ix. Também incorre em responsabilidade pré-contratual quem, por exemplo, frusta a legítima expectativa da outra parte em ver restituídas as quantias por si entregues durante a fase de negociações, caso o negócio, sem culpa sua, acabe por se não concretizar.

  2. Com efeito, o respeito pelos deveres de seriedade, correção, honestidade e lealdade impõem a uma parte que restitua à outra as quantias por esta entregues durante a fase de negociações caso o negócio se frustre por motivo que não lhe é imputável.

    xi. A Autora não só tinha o direito ou a liberdade de se recusar pagar €465.000,00 em numerário com vista a simular o valor do negócio, como tinha o dever de o (não) fazer, sob pena de incorrer na prática de um crime de fraude fiscal, violando o dever legal e constitucional de pagar impostos.

    xii. Aliás, tal dever impendia igualmente sobre os Réus, os quais tinham a obrigação de celebrar o negócio pelo valor real ou, não o fazendo, a obrigação de, pelo menos, restituir à Autora a quantia por ela entregue durante a fase de negociações.

    xiii. Em vez disso, os Réus tentaram convencer a Autora a aceitar fazer a simulação, argumentando que, no fundo, não estavam a fazer nada de injusto, pois apenas evitariam que o dinheiro fosse "parar aos bolsos dos políticos" e procurando tranquilizá-la com o argumento de que em Portugal se trata de uma prática normal, e que não lhes traria qualquer problema.

    xiv. Em suma, os Réus procuraram convencer a Autora a simular o preço para fugir aos impostos e, em face da recusa desta em fazê-lo, negaram-se concluir o negócio pelo valor real e, além de não concluírem o negócio, também não restituíram à Autora a quantia por ela avançada como princípio de pagamento.

    xv. Tal conduta dos Réus violou o princípio da boa-fé, não respeitando o dever de agir com honestidade, seriedade, correção e lealdade nas negociações, pelo (que) deve o pedido da Autora ser julgado procedente e os Réus condenados a restituir a esta a quantia de €110.000,00 por ela prestada durante a fase de negociações.

    xvi. Acresce que os Réus deram conhecimento à Autora da sua intenção de receber parte do preço em numerário e de fugir ao pagamento de impostos através de e-mail enviado 30-07-2013, em resposta a um e-mail enviado pela Autora, surpreendida com o facto de os Réus estarem a pedir o pagamento em numerário.

    xvii. O que sucedeu numa fase muito avançada das negociações, e já depois de receberem da Autora a quantia de €110.000,00.

    xviii. Não se provou nos autos que a Autora sabia da intenção dos Réus antes dessa data, bem como não está provado que alguma vez tenha aceitado pagar em numerário para possibilitar a fuga aos impostos, como resulta do teor da sentença recorrida.

    xix. Aliás, do confronto das mensagens trocadas em 30-07-2013, resulta evidente que a Autora não sabia até então que os Réus pretendiam receber parte do preço em numerário e fugir ao pagamento dos respetivos impostos, nem os Réus estavam à espera que a Autora o soubesse, ou surpreendidos com o seu desconhecimento.

    xx. Por outro lado, se há coisa (que) ninguém pode por em causa, em face do teor das mensagens trocadas em 30-07-2013, é que os Réus sabiam ou, pelo menos, admitiam que a Autora desconhecia a sua intenção de evasão fiscal, e não estavam à espera que ela a compreendesse.

    xxi. Os Réus receberam a quantia de €110.000,00 da Autora e deixaram as negociações avançar até àquele ponto, apesar de terem absoluta consciência de que a Autora não sabia ou podia não saber da sua intenção em receber parte do preço em numerário para evitar o pagamento de impostos.

    xxii. Tal conduta é absolutamente intolerável, violando o princípio da boa-fé, pois, além de ética e legalmente reprovável, a celebração do negócio nessas condições implicava que a Autora incorresse na prática de um crime fiscal! xxiii. Além do exposto, basta pensar que se o negócio se tivesse efetivamente concluído, incumbia igualmente à Ré o dever de restituir à Autora todas as quantias por esta prestadas, uma vez que o mesmo estaria ferido de nulidade em virtude da simulação, nos termos da norma constante do nº 2 do artigo 240º do Código Civil.

    xxiv. Mesmo que se tivesse conluiado com a Ré na tentativa desta fugir ao pagamento dos impostos, e aceitado simular o valor do negócio, a Autora mantinha, ainda assim, o direito em receber o dinheiro...

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