Acórdão nº 826/14.8TBGMR-F.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelAFONSO ANDRADE
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: 1. Da comparação entre os regimes jurídicos da qualificação da insolvência e da exoneração do passivo restante, resulta uma grande proximidade teleológica, podendo os dois serem explicados com a necessidade sentida pelo legislador de “punir” aqueles devedores que com dolo ou culpa grave, tenham prejudicado os seus credores, e, ao invés, de “premiar” de alguma forma aqueles devedores que o não tenham feito. 2. Embora não seja automático, na esmagadora maioria dos casos, uma insolvência fortuita irá dar lugar naturalmente à concessão da exoneração do passivo restante, bem como uma insolvência culposa dará lugar necessariamente à não concessão desse benefício. 3. Estando já decidido neste processo (com trânsito em julgado) que a insolvência foi fortuita, está afastada a possibilidade de vir a decidir, no mesmo processo, embora num incidente diverso, que a insolvente incumpriu, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no nº 2 do artigo 188.º, ou que ela incumpriu o dever de requerer a declaração de insolvência.

I- Relatório MARIA, com os sinais dos autos, foi declarada insolvente no processo principal.

Veio também requerer que lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante, alegando que preenche os requisitos previstos nos arts. 235º ss do CIRE.

O Tribunal deferiu ao requerido, e, ao abrigo do disposto no art. 239º,2 C.I.R.E., determinou que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível – até ao montante em dívida - que a devedora venha a auferir se considera cedido à Srª. Administradora de Insolvência.

Inconformados com essa decisão, os credores JOSÉ, e ANA vieram interpor recurso para este Tribunal da Relação, pedindo a revogação da decisão recorrida.

Terminam as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões: I- O despacho recorrido viola e faz uma errada interpretação das disposições legais constantes do artigo 205.º n.º 1 da C.R.P., dos artigos 5.º, 6.º, 7.º, 154.º, n.º 1 e 2, 411.º, 547.º, 602.º, n.º 1, 607.º, 608.º, n.º 2 e 611.º, do C.P.C., estes, adaptáveis por força da norma contida no artigo 17.º do C.I.R.E., e dos artigos 11.º e 238.º, n.º 1, alíneas d) e e), do C.I.R.E, aplicáveis ao caso vertente.

II– Naquela decisão não consta qualquer referência aos fundamentos de facto, mormente, aqueles que resultam da pronúncia deduzida pelos Apelantes e dos factos apurados em sede de incidente de qualificação de insolvência.

III– Deste modo, o Tribunal a quo cometeu uma violação da lei processual por infracção ao princípio da fundamentação especificada dos actos e decisões jurisprudenciais, o que acarreta a nulidade do despacho judicial referenciado.

IV- A decisão sobre a matéria de facto prolatada pelo Tribunal recorrido, não considerou um conjunto de ocorrências evidenciadas e manifestamente relevantes para a decisão da causa, quer alegados pelos Apelante, quer em resultado da instrução da causa ou, mesmo, em virtude do exercício de funções da própria Mma. Juiz a quo.

V– No domínio do direito insolvencial vigora o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 11.º do C.I.R.E., do qual resulta o poder de fundar a decisão em factos não alegados, que contém implícita a faculdade de o juiz, por sua própria iniciativa, os investigar livremente, bem com recolher as provas e informações que entender convenientes.

VI- Para apreciação dos requisitos substantivos inerentes à admissão liminar do procedimento de exoneração do passivo restante, o juiz pode servir-se de todos os factos e documentos constantes do processo, mesmo que não alegados ou carreados pelos credores, podendo também fundamentá-la nos factos que tenha averiguado ou ainda dos que tenha tido conhecimento em virtude das suas funções.

VII– Nesse contexto, com base naquilo que resulta evidenciado, documentalmente, nos autos, mormente, no âmbito do incidente de qualificação de insolvência, deverá ser incluído na fundamentação fáctica da decisão sobre a apreciação liminar do pedido de exoneração do passivo restante, o acervo de facto supra indicado no âmbito do ponto 3.2.1.1 desta peça processual.

VIII– Por sua vez, do Requerimento apresentado pelos Apelantes pronunciando-se sobre a pretensão aduzida pela Insolvente resulta, também, um conjunto de factos provados nos autos e indicados no ponto 3.2.1.2 desta peça processual que, por, manifestamente, relevantes, devem, também, ser incluídos no conjunto da matéria de facto que fundamentará a decisão judicial.

IX- O Tribunal da Relação de Guimarães encontra-se habilitado a proceder à modificação da decisão de facto proferida nos presentes autos ou, caso superiormente assim o entenda, a ordenar a renovação da prova produzida ou a produção de novos meios de prova.

X- Esta alteração à decisão da matéria de facto conduzirá a uma diferente fundamentação de facto e, naturalmente, de direito da decisão, o que imporá, a final, o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante deduzido pela Insolvente.

XI- De entre os fundamentos elencados no artigo 238.º, n.º 1, do C.I.R.E., importa salientar que, no caso em apreço, encontram-se, visivelmente, verificados os fundamentos constantes das alíneas d) e e) daquela disposição legal.

XII- A Insolvente não se apresentou à insolvência no momento em que verificou que se encontrava em situação de insolubilidade e não existia perspectiva séria de melhoria da sua situação económica; por acção ou omissão criou ou agravou a situação de insolvência, porquanto, dissipou parte considerável do seu património e celebrou negócios ruinosos em seu proveito e no de pessoas com ela especialmente relacionadas.

XIII- Os actos descritos mais não são do que a concretização de um plano conseguido de retirar o estabelecimento comercial identificado do património da Insolvente, que, assim, ficaria incólume a qualquer ofensiva por parte de credores, mormente, em processo de execução ou de insolvência.

XIV- Perante um manifesto estado de insolvência, a Insolvente, em vez de apresentar-se a Tribunal para requerer a sua declaração de insolvência, optou por alienar parte do seu património, realizando negócios em benefício pessoal e dos seus amigos.

XV- Resulta dos factos conhecidos nos autos que a Insolvente explorou uma loja comercial durante quase 10 anos, tendo tido a seu cargo trabalhadores, o que corresponde à titularidade de uma empresa e como tal estava obrigada a apresentar-se à insolvência nos moldes inscritos no artigo 18.º, do C.I.R.E.

XVI- Presumindo-se inilidivelmente o conhecimento da sua situação de insolvência decorridos pelo menos 3 meses sobre o incumprimento no pagamento das contribuições devidas ao I.S.S., I.P., ocorrido entre Setembro de 2012 a Julho de 2013, e o empréstimo garantido pela hipoteca, relativamente à sua residência, desde 22/11/2012, pelo que tem de se entender que o conhecimento da situação de insolvência ocorreu, pelo menos, a partir de Dezembro de 2012.

XVII- Tomando consciência da sua situação de insolvência pelo menos em Dezembro de 2012, a Insolvente deveria ter-se apresentado à insolvência até ao dia 30/01/2013 – o que não fez, já que a apresentação à insolvência se verificou, apenas, em 24/03/2014.

XVIII- Ao estabelecer que a apresentação extemporânea do devedor à insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei visa os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles que originem novos débitos, a acrescer aos que integravam o passivo que estava já impossibilitado de satisfazer.

XIX- A ausência de apresentação à insolvência prejudicou os credores, pois, tal como resulta dos factos conhecidos, após Fevereiro de 2013 ficaram por pagar várias dívidas e a Insolvente contraiu ainda (novas) dívidas junto da Banco X, de Fernando e de José e Ana, bem como continuaram a vencer-se contribuições devidas ao ISS, I.P. - o que não teria acontecido se a Insolvente se tivesse apresentado à insolvência.

XX– Além disso, daquilo que vem referenciado, conjugado com o que resulta dos presentes autos, é notório que a Insolvente, ante a sua situação presumida de insolvência, inutilizou, ocultou e fez desaparecer uma parte considerável do seu património, causou a celebração de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com ele especialmente relacionadas, dispôs dos seu bens em proveito de terceiros, fez do crédito ou dos seus bens uso em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenha interesse directo ou indirecto, prosseguiu, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saber ou dever saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência.

XXI– Finalmente, importa destacar que a inovadora figura da exoneração do passivo restantes visa permitir reabilitação económica do Insolvente após a realização de um juízo de prognose favorável à pessoa e se a mesma é ou não merecedora de uma nova oportunidade.

XXII- No caso vertente, o juízo de prognose favorável à Insolvente não pode ocorrer pois o seu estado de insolvência manter-se-á futura e indefinidamente, mesmo que lhe venha a ser concedida a exoneração peticionada, pois rendimento mensal alegado é bastante inferior às suas despesas mensais, conforme vem alegado na Petição Inicial, o que redundaria, que a Insolvente manterá um défice mensal.

Não foram produzidas contra-alegações.

II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes: a) ampliação da matéria de facto relevante para a decisão; b) saber se estão reunidos os requisitos para ser concedida a...

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