Acórdão nº 122786/13.6YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Processo n.º 122786/13.6YIPRT.G1 2.ª Secção Cível – Apelação Relatora: Ana Cristina Duarte (R. n.º 653) Adjuntos: João Diogo Rodrigues Anabela Tenreiro ***Sumário: 1 – Não se encontra fundamentada uma sentença que não indica e interpreta as normas jurídicas aplicáveis aos concretos factos provados.

2 - Ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito) o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, devendo hoje continuar a entender-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam, desprovidos de juízos conclusivos e/ou matéria de direito.

3 – Um animal que tenha mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa é considerado animal perigoso.

4 - O detentor de qualquer animal perigoso é obrigado a possuir um seguro de responsabilidade civil destinado a cobrir os danos causados por este, com um capital mínimo de € 50.000,00.

5 – Não cabe nos deveres de informação de uma seguradora, alertar os seus clientes para a necessidade de celebrarem novos contratos de seguro.

*** Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Unidade Local de Saúde X, EPE requereu Injunção contra Companhia de Seguros A Plc, Sucursal em Portugal, Maria e José, pedindo a notificação dos requeridos no sentido de lhe ser paga a quantia de € 3.277,42 proveniente de cuidados médicos disponibilizados a duas utentes que foram mordidas por cão propriedade dos 2.º e 3.º requeridos, tendo estes transferido para a 1.ª requerida a responsabilidade civil pelos danos causados pelo animal.

Contestou a Companhia de Seguros A PLC – Sucursal em Portugal invocando a inconstitucionalidade material do artigo 192.º da Lei 64/2011 de 30 de dezembro e, bem assim das normas dos números 2 e 3 do artigo 1.º do DL n.º 219/99 de 15 de junho, se interpretadas no sentido de permitir a cobrança de créditos hospitalares no âmbito de uma injunção em que seja demandada outra pessoa ou entidade que não o próprio assistido, ou que não tenha celebrado com a instituição reclamante tal contrato de prestação de serviços. Consequentemente, invocou o erro na forma de processo. Quanto ao mais, declinou a sua responsabilidade, alegando que o cão não estava abrangido pelo contrato de seguro que celebrou com a ré por se tratar de um cão perigoso e, como tal, deveria ter sido feito outro seguro específico respeitante a cães perigosos, bem como que a sua dona não cumpriu os deveres especiais de vigilância e segurança a que estava obrigada. Mais acrescentou, que a apólice em causa apenas cobre os riscos até ao valor de € 14.963,94 e que se encontra pendente ação proposta por uma das vítimas em que é pedido o pagamento de indemnização no montante de € 17.768,36.

Contestaram, também, os réus José e Maria, peticionando a suspensão desta ação até que se encontre julgada outra em que se discute a responsabilidade pelos danos provocados pelo cão. Invocaram a existência do seguro e negaram a perigosidade do animal.

A autora respondeu pugnando pela improcedência das exceções.

A instância foi suspensa.

A ação intentada por uma das vítimas contra os donos do animal foi julgada parcialmente procedente, tendo estes sido condenados a pagar a quantia de € 9.868,36, acrescida de juros de mora, e intentado contra a Companhia de Seguros A ação de regresso para serem ressarcidos do que pagaram, considerando a existência do contrato de seguro.

Foi ordenada a apensação das duas ações.

Na ação apensada, a autora Maria pediu que a Ré Seguradora seja condenada a pagar-lhe:

  1. A título de direito de regresso e pelos valores já pagos a quantia de € 14.092,71 (catorze mil e noventa e dois euros e setenta e um cêntimos); b) A quantia de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos morais; c) Juros de mora vencidos e vincendos sobre todas as quantias reclamadas, calculados à taxa de juro legal, contabilizados desde a citação da presente ação até efetivo e integral pagamento.

    Tal ação foi contestada pela ré.

    Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, que julgou improcedente o pedido de inconstitucionalidade e a exceção de erro na forma do processo e cujo teor decisório é o seguinte: “Em face do exposto, julgo as ações em parte procedentes por provadas e, em consequência decido:

  2. Condenar a Ré Companhia de seguros a pagar ao requerente Unidade Local De Saúde X em primeiro lugar a quantia de 3.277,42 € (três mil duzentos e setenta e sete euros e quarenta e dois cêntimos) acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos a contar da data de 08/05/2011, até integral e efetivo pagamento.

  3. Do remanescente do capital de seguro condenar a Ré Companhia de Seguros a pagar a Autora Maria a quantia de € 9.868,36 (nove mil oitocentos e sessenta e oito euros e trinta e seis cêntimos) a título de direito de regresso pelos valores pagos acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação da presente ação até efetivo e integral pagamento.

  4. No mais, decido absolver os requeridos Maria e José, do pedido formulado contra si pelo Unidade Local De Saúde X”.

    Discordando da sentença, dela interpôs recurso a ré Companhia de Seguros A PLC – Sucursal em Portugal, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: 1ª – Estão incorretamente julgados os factos considerados como provados na Fundamentação, de facto sob os nºs 1, 2, 3 , 13, 16, 17 e 18 (a parte que diz “o que leva os requeridos a manterem habitualmente o cão preso à corrente”). E estão incorretamente julgados na ação apensa (proc. 765/15.5T8PTL), os factos considerados provados com os nºs 20, 22, 23, 24, 28, 29, 30, 31, 37, 40, 41 (a parte que diz bom e meigo), 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 (a parte que diz soltou-se da corrente), 50, 51 ( a parte que diz confrontada com a necessidade de contestar o processo apresentado pela sinistrada), 52, 53, 54, 55 e 56.

    1. - Os concretos meios probatórios que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida são os seguinte: - Apólice de seguro, doc. de fls. 127 a 132; - Proposta para seguro, doc. de fls. 140 e 141.

      - Depoimento da testemunha A. C., gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 201702502101758_104934_2871864, sessão de 2 de maio de 2017.

      - Depoimento da testemunha R. L., gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20170502105419_1049234_2871864, sessão de 2 de maio de 2017.

      - Depoimento da testemunha João, gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20170502143839_1049234_2871864 (videoconferência), sessão de 2 de maio de 2017.

      - Depoimento da testemunha I. B., gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20170502150242_1049234_2871864, sessão de 2 de maio de 2017.

      - Depoimento da testemunha A. D., gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20170502151407_1049234_2871864, sessão de 2 de maio de 2017.

      - Depoimento da testemunha M. J., gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20170502154719_1049234_2871864, sessão de 2 de maio de 2017.

      - Depoimento da testemunha M. B., gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20170502161240_1049234_2871864, sessão de 2 de maio de 2017.

      - Depoimento da testemunha P. E., gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20170606100120_1049234_2871864, (videoconferencia), sessão de 6 de junho de 2017.

      - Depoimento da testemunha J. J. ,gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 201707606101351_1049234_2871864, sessão de 6 de junho de 2017.

      - Depoimento da testemunha R. J., gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20170606102744_1049234_2871864, sessão de 6 de junho de 2017.

      - Depoimento da testemunha C. M., gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 2017060611813_1049234_2871864, sessão de 6 de junho de 2017.

      - Declarações de parte da autora Maria, gravado através do sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20170606112324_1049234_2871864, sessão de 6 de junho de 2017.

    2. – As passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte são as transcritas no corpo das presentes alegações com indicação dos seus tempos.

    3. – O cão “Boxer depois de ter mordido em 19 de agosto de 2008, na via pública, o corpo da M. S., atacou no dia um de novembro de 2010, na via pública, o corpo de A. C., mordeu na manhã do dia 09 de novembro de 2010, na via pública, o corpo de R. L. e nessa mesma manhã, depois de ter mordido o corpo da R. L., mordeu a seguir, na via pública, o corpo de A. C., as quais não caminhavam juntas, nem sequer próximas uma da outra.

      . o cão não era conduzido pelos seus donos, não era portador de qualquer açaime e não ia seguro com trela (facto assente por acordo das partes na audiência prévia, de 12 de outubro de 2016).

      . A autora Maria e marido tinham habitualmente aberto o portão da sua casa de habitação, que dá diretamente para a via pública, por cuja abertura o cão podia sair.

      . Tal portão dista do alpendre onde era alojado o cão cerca de 50 metros.

      . O alpendre era completamente fechado e dotado de cancela com a altura de dois metros.

      . Impossível, em consequência, a saída do cão para a via pública se a cancela e portão estivessem fechados.

      . O cão saia para a via pública porque tinha abertos, quer a cancela do alpendre, quer o portão de comunicação com a via pública.

      . O que sucedia porque os seus donos assim o queriam –presunção natural-. Por isso e por inobservância dos deveres de cuidado e vigilância deram aqueles intencionalmente azo a que o cão constituísse um permanente perigo para ofender o corpo ou a saúde de outras pessoas.

    4. – Consequentemente, deve ser a factualidade constante na sentença alterada para não provada. E que são os iens da Fundamentação de factos seguintes: 1, 2, 3, 16 (por...

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