Acórdão nº 1168/16.0T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2018
Magistrado Responsável | MARIA DOS ANJOS MELO |
Data da Resolução | 08 de Março de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - Relatório: Por apenso à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhe move a sociedade Banco A, S.A., com sede na …, Lisboa, veio o executado Manuel, residente na Rua …, Caldas de Vizela, deduzir oposição à execução mediante os presentes embargos de executado.
Para tanto alegou, em síntese e para além da ilegitimidade activa, a prescrição e a inexigibilidade da obrigação.
Arguiu que ao presente contrato é aplicável a prescrição mencionada no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil quer quanto ao capital exequendo, quer quanto aos juros.
Expôs que a obrigação é inexigível uma vez que, ainda que a mesma se encontre qualitativamente determinada e seja liquidável mediante simples cálculo aritmético, o certo é que a mesma não depende de mera interpelação, devendo ser comunicado o respectivo incumprimento e preenchimento pacto de preenchimento do título cambiário, sendo que jamais tal ocorreu.
Concluiu nada dever à exequente, pugnando pela absolvição da acção executiva.
*Notificada dos embargos de executado, a embargada veio deduzir contestação, impugnando toda a factualidade vertida pelo embargante/executado.
Arguiu, em síntese, que, quanto à prescrição, o título dado à execução é uma livrança e não o contrato que lhe esteve subjacente, pelo que a norma aplicável é o art.º 70.º da L.U.L.L., ex vi do art.º 77.º, e não o invocado art.º 310.º do C. Civil.
Relatou que o título executivo sub judice venceu-se em 27 de Novembro de 2015 tendo sido intentado o requerimento executivo em 18 de Fevereiro de 2016, pelo que a obrigação exequenda não se encontra prescrita.
Mais arguiu que a suposta prescrição do direito de crédito consubstancia a alegação de uma excepção de preenchimento abusivo do título de crédito, sendo que, configurando uma excepção do direito material, a sua alegação e prova cumpre ao embargante, por força do n.º 2 do art.º 342º do C. Civil, sendo que este nada alegou nem provou nesse sentido.
Descreveu a relação subjacente ao título executivo, sendo que a prescrição da mesma, por cumprimento do pacto de preenchimento, é de 20 anos – cfr. art.º 309.º do C. Civil.
Expôs, ainda, que o art.º 310.º do C. Civil não é aplicável ao contrato subjacente à livrança dada à execução, uma vez que a obrigação que incumbia ao executado teria de ser efectuada em prestações fraccionadas ou repartidas, estando o capital mutuado desde logo fixado. Pelo contrário, o art.º 310.º do C. Civil aplica-se apenas às prestações periodicamente renováveis, cujo montante global não poderá ser inicialmente fixado, sendo que o número de prestações será determinado pelo decurso do tempo.
Pugnou, ainda, que, ao contrário das prestações periódicas, às prestações fraccionadas aplica-se o disposto no art.º 781.º do C. Civil, isto é, o não pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas, sendo aplicável o prazo ordinário.
Alegou também que a prescrição só se iniciaria a partir da denúncia do contrato, a qual ocorreu aos 4 de Novembro de 2015, pelo que nenhuma parcela se encontra prescrita, tanto mais que o embargante, aos 25-03-2015, solicitou que lhe fosse informado o montante em dívida relativamente ao contrato em apreço, renunciando, desse modo, ao direito de invocar a prescrição do direito de crédito, nos termos do disposto no art.º 302.º do Código Civil.
No que concerne à inexigibilidade da obrigação, arguiu que o embargante foi devidamente interpelado da denúncia do contrato e do preenchimento da livrança, na morada contratualizada.
Concluiu pugnando pela improcedência dos embargos de executado.
*O embargante impugnou todos os documentos juntos pela embragada, esclarecendo que já não residia na morada constante da interpelação.
*Em resposta, a embragada veio, expor, em síntese, que nunca foi realizada a alteração da morada nos termos fixados no contrato.
*Convidada a embargada a explicitar a data de incumprimento do contrato subjacente ao título executivo, aquela veio esclarecer que tal se verificou a partir de 02-04-2008, sendo que em 22-09-2009 houve uma amortização de capital e juros.
*Notificado o embargante da data do incumprimento e convidado a explicitar a afirmação de que nada deve à exequente/embargada, o mesmo manteve tudo quanto ao exposto na petição de embargos de executado.
*Em sede de saneamento dos autos, foi a excepção de ilegitimidade deduzida pela embargante julgada improcedente, tendo os autos prosseguido com a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente os embargos de executado intentados por Manuel contra a sociedade Banco A.
*II-Objecto do recurso Não se conformando com a decisão proferida, veio o embargante interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões: 1. Ocorre manifesto lapso de escrita na sentença recorrida quanto ao vertido na factual idade dada por não provada ao dar por não provado que o "embargante haja recepcionado o escrito mencionado em f).
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Do vertido nas alíneas e), f) e g) da factual idade provada conjugado com o vertido na análise crítica da prova depreende-se que o que se pretendia dizer na sentença era que não resultou provado que o "embargante haja recepcionado o escrito mencionado em e).
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Pelo que, impõe-se, salvo melhor opinião, a rectificação do erro material acima identificado, passando a constar da factual idade não provada que resultou não provada a seguinte factual idade: "embargante haja recepcionado o escrito mencionado em e).
Isto posto 4. Considera a sentença recorrida que não haver possibilidade de pronunciar-se quanto à análise da prescrição da obrigação subjacente, em virtude de o embargante não ter alegado e, muito menos, provado o preenchimento abusivo da livrança que titula a presente execução.
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Entende o recorrente que contrariamente ao decidido e uma vez que estamos no âmbito das relações imediatas e não tendo a livrança entrado em circulação, quanto à mesma não valem os princípios cambiários da autonomia, literalidade e abstracção, podendo lançar-se mão das excepções que venham a existir nas relações pessoais dos sujeitos obrigados na convenção extracartular.
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Com efeito, estamos no âmbito das relações imediatas entre sujeitos da relação cartular, sendo nessa medida legítima a livre discussão das vicissitudes relacionadas com a emissão do título e com a respectiva relação subjacente.
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Pelo que, salvo melhor entendimento, não necessitava - nem se alcança como necessitaria de o fazer, nem tal se encontra devidamente fundamentado e explanado - o embargante/recorrente de ter invocado e provado o preenchimento abusivo da livrança, pois estando no âmbito das relações imediatas, podem ser invocados todos e quaisquer factos impeditivos, modificativos, extintivos do direito emergente da relação subjacente como é o caso da invocada prescrição ao abrigo do regime previsto no artigo 310.
0 do Código Civil.
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Consequentemente, não está correcta a interpretação feita dos factos pelo meritíssimo juiz do tribunal a quo, porquanto aquele, na nossa modesta opinião, deveria ter-se pronunciado sobre a invocada prescrição.
Sem prescindir 9. No caso dos autos estamos perante prestações periódicas renováveis, que se prolongam no tempo e que correspondem à utilização de um capital a prazo, isto é, perante uma prestação renovável consecutivamente, não determinada pelo seu montante total, mas pelo quantum atinente a cada período de utilização reiterada.
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Na verdade, é evidente que, no caso dos autos, qualquer das prestações periódicas emergentes do contrato de crédito ao consumo a que o embargante/recorrente estava obrigado, integram uma componente de capital e ou outra de juros, a pagar conjuntamente, sendo, todavia, todas elas obrigações distintas, embora alicerçadas num único e mesmo vínculo contratual.
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Lançando mão da factualidade dada por provada, conjugada, ao abrigo do disposto no artigo 607.° n.º 4 do NCPC, com o teor do documento n.º 4 apresentado pela exequente/embargada na contestação, julga-se estar, in casu, não perante uma obrigação unitária, de prestação fraccionada, mas antes prestações periódicas renováveis, que se prolongam no tempo e correspondem à utilização de um capital a prazo.
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Por força do contrato de crédito ao consumo celebrado entre as partes executados e exequente - foi acordado o pagamento do montante mutuado em 60 prestações/mensalidades (cinco anos), devendo, consequentemente, a última mensalidade ser paga em Abril de 2009, tendo os executados deixado de cumprir com o pagamento em 02/04/2008.
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Porém, só em 4 de Novembro de 2015 vem a exequente denunciar o contrato e comunicar que iria preencher a livrança, agindo em momento em que o plano acordado há muito se encontrava já esgotado - ipso facto - não havendo, naquele momento (Novembro de 2015), sequer lugar a prestações vincendas, porque todas as inicialmente fixadas se encontravam já vencidas por natureza.
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No entendimento de Ana Filipa Morais Antunes (op. cit) estão contempladas na previsão normativa do artigo 310.° alínea e) do Código Civil direitos que têm por objecto prestações periódicas, valendo o prazo de cinco anos para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo.
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Na opinião da mencionada autora, a alínea e) do artigo 310.° do Código Civil é aplicável "sempre que se tenha estipulado o pagamento do capital em prestações, com juros', isto é, "a previsão normativa é aplicável às prestações de capital repartidas no tempo, a que se soma juros - a pagar conjuntamente - e que representam quotas correspondentes à amortização do capital e ao rendimento do capital disponibilizado".
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Também no caso dos autos faz sentido o entendimento de que "o facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em divida".
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Na alínea e)...
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