Acórdão nº 1939/14.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO I – Nos termos do disposto nos art.

os 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do C.P.C., só excepcionalmente é admissível a junção de documentos na fase processual de recurso, sendo duas as situações que a podem justificar: i) impossibilidade da sua apresentação em tempo oportuno, nos termos definidos pelo art.º 423.º, n.º 3, do C.P.C., a qual se reconduz à superveniência, objectiva ou subjectiva do documento; e ii) a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância, face a uma decisão-surpresa (que não quanto ao resultado).

II – Como resulta da Diectiva 1999/44/CE, de 25/05/1999, e do Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que a transpôs para o ordenamento jurídico interno, e da Directiva n.º 2011/83/EU, de 25/10/2011, e ainda da Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho, que a transpôs parcialmente para o ordenamento jurídico interno, a protecção concedida aos consumidores, na aquisição de bens e serviços, pressupõe que o vendedor ou o fornecedor dos serviços exerça com carácter profissional uma actividade económica e tenha actuado, na venda ou no fornecimento, no âmbito dessa actividade.

III – No sistema jurídico português a distinção entre coisas novas e usadas, por não ter consagração legal, não pode servir de fundamento para efeitos de excluir a responsabilidade do vendedor, mas o regime do cumprimento defeituoso só encontra aplicação na medida em que essa falta de qualidade exceda o desgaste normal da coisa.

IV – Só os defeitos essenciais da coisa, ou porque a desvalorizam na sua afectação normal, ou porque a privam das qualidades asseguradas pelo vendedor, é que justificam a aplicação do regime estabelecido nos art.

os 913.º e sgs. do C.C.

V - Mandando aquele art.º 913.º, n.º 1 aplicar à compra e venda de coisas defeituosas, o regime estabelecido nos art.

os 905.º a 912.º, para a venda de bens onerados, o comprador de coisa defeituosa pode pedir: a) a anulação do contrato, por erro ou dolo, se estiverem verificados os respectivos requisitos – art.

os 251.º e 254.º; b) a redução do preço, quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por um preço inferior – art.º 911.º; c) a indemnização do interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu pelo facto de ter celebrado o contrato, cumulável com a anulação do contrato e com a redução ou minoração do preço – art.

os 908.º; 909.º e 911.º; d) a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição, independentemente da culpa do vendedor, se este estiver obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, quer por convenção das partes, quer por força dos usos.

VI – A obrigação do vendedor reparar os defeitos da coisa ou substitui-la, caso seja necessário e ela tiver natureza fungível, funda-se na garantia edilícia prestada pelo vendedor, no âmbito da qual resulta que ele garante tacitamente a inexistência de defeitos no bem vendido.

VII – Uma vez que a obrigação de reparação ou de substituição da coisa não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece, é ele que está onerado com alegação e a prova do desconhecimento e da ausência de culpa sua.

** ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- António intentou a presente acção, comum, contra AF e marido Manuel e ainda contra “HF, Unipessoal, Lda.”, pedindo que estes sejam condenados a: - solidariamente, pagarem-lhe o montante necessário para reparação do veículo automóvel de matrícula ZX; - solidariamente, indemniza-lo por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu.

Mais pede que seja decretada a redução do preço que pagou pelo referido veículo, em montante não inferior a € 2.000, decorrente da reparação efectuada, que lhe altera o valor do mercado.

Pede ainda que os Réus sejam condenados no pagamento solidário dos juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Fundamenta estes pedidos alegando que, em Fevereiro de 2014, adquiriu a viatura de matrícula ZX, marca “Audi A4”, pelo preço de 14.450 Km., a qual, na altura da compra, apresentava 264.263 Km percorridos, tendo-lhe sido comunicado que a mesma se encontrava em excelentes condições, nunca havia sofrido qualquer sinistro, sido alvo de qualquer reparação de grande monta ou alterada relativamente ao estado de “nova”, para além das normais revisões.

Todo o processo negocial decorreu nas instalações de oficina e stand de automóveis da 3.ª Ré, na presença de funcionários desta, decorrendo com a presença do 2.º Réu, servindo aquela como intermediária de todo o processo negocial.

Alega ainda que já no passado tinha adquirido várias viaturas ao 2.º Réu, tendo-se desenvolvido uma relação de amizade entre si e ele, o qual, à data, se encontrava à frente da “F. CAR”, ainda que com outra designação societária e NIPC diverso, mas localizada no mesmo edifício, dedicando-se às mesmas actividades, com os mesmos funcionários, pelo que sempre associou o Réu Manuel à “F. CAR” e não distinguindo entre a pessoa singular e a colectiva.

Aquele Réu continua a exercer as mesmas funções, ainda que as quotas e gerência da sociedade “HF Unipessoal, Lda.” pertençam ao seu filho.

Relativamente às viaturas anteriormente adquiridas nunca teve motivo de reclamação, apresentando-se as mesmas no exacto estado declarado no momento da aquisição.

Sucede que no dia 8 de Agosto do corrente ano, quando, ele, Autor, se deslocava de Vila Verde para Lisboa, na sua primeira viagem de maior dimensão, próximo de Pombal, verificou que saía fumo branco do motor da viatura e, momentos depois, esta desligou-se, pelo que teve necessidade de recorrer à assistência em viagem, que destacou um reboque ao local para transportar a viatura de volta a Vila Verde, registando a mesma, na altura, 264.672km; De imediato contactou, telefonicamente, o 2.º Réu, comunicando-lhe o sucedido e solicitando explicações, solicitando-lhe ainda que indicasse uma oficina para a qual devia deslocar a viatura procurando resolver o problema amigavelmente e apurar verdadeiramente o que sucedeu. Aquele, porém, recusou qualquer responsabilidade.

Tendo levado a viatura a uma oficina, que teve de escolher sozinho, pelos mecânicos desta foi-lhe comunicado que o motor já havia sido alvo de uma reparação anterior e as peças originais tinham sido substituídas por outras sem ser da marca AUDI, designadamente a junta da colaça, entre outras, verificando-se ainda que a cabeça onde assenta a junta da colaça apresenta diversos sinais de abrasão, por lixa, lima ou por qualquer outro meio, estando aposta nesta peça a data em que foi fabricada - 22-11-2012 -, pelo que quando foi aplicada a viatura já era propriedade e estava na posse dos 1.º e 2.º Réus.

Mais lhe comunicaram os mecânicos que aqueles sinais e a aplicação da colaça da concorrência, indicam que o motor foi mexido e a reparação anterior não havia sido realizada de acordo com os ditames da arte, o que foi causa da avaria verificada. Os injectores da viatura apresentam-se danificados, situação que já provinha da anterior reparação mal efectuada e que não foi solucionada à data. O orçamento provisório de reparação, que apresentaram, foi do montante de € 2.716,85.

Daqui se depreende que a viatura que lhe foi vendida pelos Réus sofria de vício, à data da venda, que impede o seu uso para o fim a que é destinada, e não apresenta as qualidades asseguradas pelo vendedor e não realiza o fim para o qual foi vendida.

Se soubesse o Autor dos vícios que a viatura padecia, não a teria adquirido, nem qualquer homem dito médio, colocado na sua exacta situação e perante as mesmas condicionantes.

Apesar de ter feito uma nova tentativa junto dos Réus para que assumissem as suas responsabilidades, estes mantêm a recusa.

Encontra-se privado do uso da viatura desde 8 de Agosto até à presente data, e estará até que ela seja efectivamente reparada, não podendo realizar os habituais passeios em família, deslocações a passeios com amigos, bem assim como todas as deslocações que impliquem o transporte de mais de duas pessoas na mesma viatura automóvel, o que lhe causa enorme transtorno e angustia, bem assim como sentimento de inoperância e impotência, sentimentos exponenciados pelo facto de, pensava ele, Autor, ter adquirido um carro topo de gama que lhe iria oferecer conforto merecido como recompensa do seu trabalho e das economias realizadas, e lhe proporcionaria um nível de vida e conforto mais elevados, o que contribui para um grande sentimento de amargura e frustração, vendo gorados os seus intentos pelos quais arduamente trabalhou.

Tal como havia sucedido em todas as transacções anteriores com o Stand “F. CAR”, em que adquiriu as viaturas na posse deste – que não sua propriedade – mas que estavam a seu cargo para encontrar interessados e proceder à venda, esteve sempre ciente que a “F. CAR” agia como representante de terceiros e que na declaração de venda não constaria em nenhum lado o nome daquele Stand, mas este retira lucros de todas as vendas efectuadas de viaturas a seu cargo, agindo em interesse e nome próprio em cada venda.

A Ré “HF Unipessoal, Lda.” contestou, impugnando parcialmente os fundamentos invocados e excepcionou a sua ilegitimidade, alegando que não vendeu ao Autor, nem por si nem por intermédio de qualquer outra pessoa, qualquer veículo automóvel, nomeadamente o veículo que o autor alega ter-lhe comprado, alegando ainda que não tem um Stand e não foi na sua oficina de desmantelamento de carros que ocorreu o negócio.

Mais alega que, sendo ela, Ré, propriedade de um filho dos 1.º e 2.º Réus, tem as suas instalações no mesmo prédio da moradia dos pais, mas não se confunde com os mesmos, estando inclusive instalada num artigo totalmente autónomo e que em nada se confunde com os restantes. Não tem qualquer ligação comercial com a empresa “F. CAR”, comerciante de automóveis, de que o Autor fala, e...

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