Acórdão nº 566/16.3CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Março de 2018
Magistrado Responsável | JORGE BISPO |
Data da Resolução | 05 de Março de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.
RELATÓRIO 1.
No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 566/16.3CHV, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, no Juízo Local Criminal de Chaves, foi proferida sentença, datada e depositada a 14-09-2017, a condenar a arguida, F. B., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravado, previsto e punido pelos arts. 180º, n.º 1, e 183º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz € 840,00 (oitocentos e quarenta euros), bem como, na parcial procedência do pedido de indemnização civil formulado pelo demandante A. F., a pagar a este € 1.600,00 (mil e seiscentos euros), a título de danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a decisão, até efetivo e integral pagamento.
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Inconformada com essa condenação, a arguida recorreu da sentença, retirando da sua motivação, as seguintes conclusões (transcrição [1]): «EM CONCLUSÃO - Os factos ocorridos não estão corretamente enquadrados com o contido nos artigos 180º-1 e 183º-1, a) e b) do Código Penal, porque haverá incorreta aplicação da norma.
- A recorrente não cometeu qualquer crime de difamação ou outro.
- Fez as fotos que fez, sem se referir às lojas propriamente ditas e menos ainda para as denegrir.
- Produziu os comentários que produziu sem intenção de atingir os estabelecimentos ou as pessoas, comentários esses, que foram descontextualizados e umas e outros não possuem qualquer conteúdo difamatório.
- Ao agir como agiu não ofendeu quem quer que seja e menos ainda prejudicou, porque nem de perto pensou que as suas fotos ou comentários tivessem ou que as leituras que as pessoas quiseram dar.
- A recorrente não pensou e não lhe passou pela cabeça qualquer tipo de consequências, porque os seus comentários não as tinham, nem eram motivo para tal.
Nestes termos, Revogando a douta sentença proferida e de que ora se recorre e absolvendo a recorrente se fará a mais elementar JUSTIÇA» 3.
A Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição): «CONCLUSÕES
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O Tribunal a quo condenou a recorrente na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no montante global de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros), pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, agravado, previsto e punido pelos artigos 180.º n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. a) do Código Penal; B) A arguida, em frente ao estabelecimento comercial “Boutique L.” deixou-se retratar, passando a colocar a foto no seu perfil de facebook, aberto ao público, sem restrições de publicidade, acompanhado do texto "NÃO ACONSELHO MUITO ESTAS L.;)"; C) Alega a recorrente que a factualidade dada como provada em sede de Sentença não integra o crime pelo qual foi condenada; D) Discordamos da recorrente; E) Do cotejo da fundamentação de facto com o direito importa ressaltar que a concreta publicação e comentário/texto em causa nos autos consubstanciam, pelo contexto e ‘razão de ciência’ que lhes estão subjacentes, o crime, grave, pelo qual a recorrente foi condenada; F) Foram dados como provados estes factos, com relevo para o objeto do recurso: “(…) 12) O filho do assistente, J. F., é administrador do grupo do Facebook “ (…), Cidade X”, onde o mesmo tem intervenções, no âmbito do seu direito de cidadania, de crítica da gestão camarária e de algumas decisões da Câmara Municipal de (…).
13) No mesmo grupo, A. A., com o nome J. T., intervém e faz críticas, no âmbito do seu direito de cidadania, de crítica da gestão camarária e de algumas das decisões da Câmara Municipal de (…).
14) A arguida fez, nas mesmas circunstâncias, uma publicação no seu perfil de Facebook, com uma foto em que aquela está em frente à loja comercial “V.”, pertencente a A. A., acompanhada com a expressão “Estava eu dizer… não entres A., não entres….”. (…); G) Neste contexto, a publicação referida em B) apenas pode ser interpretada “(…) como um juízo de valor direcionado a denegrir o bom nome e a imagem do estabelecimento comercial e do respetivo proprietário, aqui assistente, lançando a suspeita (genérica) com vista, claramente, a que as pessoas que vissem a publicação não frequentassem o referido estabelecimento e, logo, não adquirissem o que ali se vende.
(sublinhado nosso); H) A publicitação pública da afirmação, conjugada com a fotografia do estabelecimento, nos termos em que o foi e com os dizeres nele constantes, prejudicou o âmbito da honra que pertence ao assistente, sendo que tal proteção é agravada pelo art.º 183.º, n.º 1, al. a) [« ... ofensa ... praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação»], tanto mais que o Facebook é uma rede social e um meio que facilita naturalmente a sua divulgação; I) As concretas afirmações e publicações proferidas nos autos não podem ser analisadas de forma estanque, como pretende a recorrente; J) Pelo contrário, têm de ser contextualizadas, como o foram sábia e exemplarmente, desde logo do ponto de vista de facto, pelo Tribunal a quo, subsunção que sufragamos e que não nos merece qualquer reparo; K) A recorrente não questiona nem impugna os factos, só discorda da subsunção dos factos ao direito; L) Não põe em causa a medida da medida; M) Deverá improceder o recurso apresentado, de todo, por nenhuma censura nos merecer a Sentença ora recorrida, não se vislumbrando, in casu, violação de qualquer normativo (não invocando sequer a recorrente a violação pelo Tribunal a quo de qualquer norma).
Nestes termos, deverá o recurso improceder, confirmando-se, in totum, a Sentença recorrida, por nenhum agravo ter feito à Lei e por nenhum reparo nos merecer.
Farão, contudo, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a reiterada JUSTIÇA.
» 4.
Também o assistente, na resposta que apresentou, pugnou pela improcedência do recurso, formulando as conclusões que se transcrevem: «1.º A arguida interpôs o presente recurso não indicando se o mesmo versa matéria de direito ou/e matéria de facto e não cumprindo minimamente o disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 412.º do C.P.P. porquanto se limita a dizer, sem mais, que “os factos não estão corretamente enquadrados com o contido nos artigos 180º-1 e 183º 1, a) e b) do Código Penal, porque haverá incorreta aplicação da norma”, pelo que, aqui expressamente se invoca o incumprimento de tal preceito legal, com as legais consequências.
Sem prescindir, 2.º A douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo, porquanto se trata de uma decisão justa, equilibrada, ponderada que faz uma extensiva fundamentação fáctica, enunciando com clareza os factos que julga provados e não provados e os motivos dessa convicção, mostrando-se, assim, completamente acertada no elenco factual, na sua fundamentação e na correta aplicação do direito aos factos.
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O que se depreende do recurso interposto pela arguida é que esta pugna pela sua absolvição única e exclusivamente porque perfilha que atendendo aos factos dados como provados, os quais não impugna e em consequência, entende que foram corretamente julgados, não estão corretamente enquadrados com o contido nos artigos 180.º, n.º 1, alínea a) e 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do Código Penal, considerando que tais normas jurídicas foram, assim, incorretamente aplicadas.
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Contudo, atendendo aos factos dados como provados na douta sentença proferida pelo tribunal a quo não há dúvidas que a arguida cometeu o crime a que foi condenada, fazendo assim, o tribunal a quo uma correta subsunção dos factos dados como provados ao direito.
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A recorrente, não impugnou, como supra se disse, a matéria de facto, pelo que, os parágrafos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º das suas conclusões do recurso, são meras considerações por si tecidas que em nada correspondem aos factos dados como provados na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, pelo que, se devem ter como não escritas, por ausência total de fundamento.
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O artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal traduz uma medida restritiva da liberdade de expressão, conferindo tutela penal ao direito do cidadão à sua integridade moral e aos seus bom nome e reputação, ao estabelecer que comete o crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”.
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O bem jurídico protegido com a incriminação é a honra (que respeita mais a um juízo de si sobre si) e a consideração (que se traduz, normalmente, num juízo dos outros sobre alguém) de uma pessoa.
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Para Beleza dos Santos, in R. L. J.
n° 3152, pág. 167 "A honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa, com legitimidade, ter estima por si, pelo que é e vale". A consideração é, ainda na doutrina daquele autor "aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público". São estes os valores que integram o bem jurídico protegido pelo crime de difamação, sendo certo que a sua consagração constitucional opta pela referência aos conceitos de "bom nome" e "reputação".
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Não está em causa a perceção subjetiva que se tem da valia ética individual ou a maior ou menor sensibilidade ao ataque dessa valia individual (daí ser indiferente, para efeitos de tipificação da conduta do arguido, que o visado, no seu texto, se tenha sentido ofendido) mas antes uma perceção, mediada pela sensibilidade comunitária mediana, daquilo que representa o núcleo essencial das ditas condições morais ou requisitos...
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