Acórdão nº 2326/16.2T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães Esta acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento foi proposta por José contra Têxteis X, Sa.

A empregadora apresentou articulado motivador do despedimento alegando, em síntese: o trabalhador envolveu-se num esquema de sobrefacturação de sal levado a cabo pela fornecedora; ambos simulavam a entrega de fornecimentos, cujas facturas o trabalhador rubricava, correspondentes a 27 cargas, no montante global de 91.659,60€; tal conduta acarretou um prejuízo superior a 300.000,00€; e tais factos pela sua gravidade tornaram inviável a manutenção do vínculo contratual.

O trabalhador contestou alegando, em súmula, no que interessa, não ter praticado os factos que lhe foram imputados na nota de culpa e na subsequente decisão de despedimento.

Pede a condenação da empregadora no pagamento de indemnização (que computa em 21.476,13€), das respectivas retribuições intercalares e de 3.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, para além dos legais juros de mora.

A empregadora respondeu, pugnando também pela improcedência do pedido reconvencional.

Foi proferido saneador, não se fixando objecto do litígio e temas de prova.

Foi realizada audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença segundo a qual “julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada, declarando-se lícito o despedimento do trabalhador José (ocorrido a 27/10/2016), e absolvendo-se a empregadora dos pedidos reconvencionais contra a mesma formulados.”.

O trabalhador recorreu e concluiu: “(…) B – Entendimento do Recorrente: XVII. O elemento motivador do processo disciplinar que culminou na decisão de despedimento do trabalhador/recorrente e que, consequentemente, subjaz à presente acção reside na alegada ausência de descargas de sal correspondentes às facturas melhor identificadas no ponto 11 dos factos provados.

XVIII. Facto que a empregadora/recorrida sustenta a imputação ao trabalhador/recorrente de participação num esquema de sobrefaturação de sal em conluio com o fornecedor dessa matéria-prima.

XIX. Impondo-se, por isso, analisar os elementos de prova em que se suportou a douta decisão que se sindica e que declarou a licitude do despedimento, XX. Em particular, aferir se da prova produzida em sede de audiência de julgamento resultou matéria suficiente para o Tribunal “a quo” dar por provados os pontos 11, 13, 15, 16 e 25, aqui determinantes.

XXI. Para tanto elevam-se como questões essenciais: (a) validade e licitude das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância; (b) validade probatório dos elementos que nelas se suportem; (c) consumos médios diários de sal da empregadora/recorrida e (d) volume de stocks.

VEJAMOS: - Sobre os pontos 13 e 25 (conjugados com o ponto 11) XXII. O processo disciplinar que culminou no despedimento do aqui recorrente tem na sua base factos que se reportam ao período decorrido entre Abril e Julho de 2016, XXIII. tendo a empregadora/recorrida dedicado particular enfoque ao dia 26 de Julho de 2016, já que cimenta a imputação ao trabalhador de participar em esquema de sobrefaturação na existência de uma factura de sal relativa a essa data sem que – como afirma - nesse mesmo dia tenha ocorrido qualquer entrada de camião para descarga de sal nas suas instalações.

XXIV. Ausência de descarga que fundamenta no visionamento das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância instaladas na portaria principal e nos relatórios de portaria elaborados com base nessas mesmas imagens.

XXV. Foi assente (ponto 30 factos provados) que a empregadora dispõe de um sistema de videovigilância, composto por nove câmaras de observação com pontos de acesso a partir do exterior e que foram licenciadas pela CNPD através da autorização nº …, emitido em 18.08.2016.

XXVI. Nesta temática os artigos 20º e 21º do Código de Trabalho fixam os requisitos básicos do recurso a meios de videovigilância em sede laboral, quais sejam: a) autorização prévia concedida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (adiante designada por CNPD); b) proibição da utilização de tais meios pela entidade empregadora com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador; c) e o dever de informar que recai sobre a entidade empregadora, não só sobre a existência de tais meios mas também da finalidade, devendo, nomeadamente, afixar nos locais sujeitos dizeres informativos seguidos de símbolo identificativo (nº 3, do art. 20º).

XXVII. Os normativos que se vem de referir deverão conjugar-se ainda com disciplina prevista na Lei 67/98, de 26.10 (Lei de Protecção de Dados Pessoais), também aplicável à videovigilância (nº 4 do art. 4) aqui se destacando: a) recolha de imagens tem de ser necessária a finalidades determinadas, não podendo os dados ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades (al. b) do nº 1 do art.5); b) Necessidade, adequação, pertinência e proporcionalidade da recolha e tratamento dos dados e a sua finalidade (al. c), do nº 1 do art. 5º); c) Ressalvadas as situações previstas nos nºs 2 e 3 do art. 13º “qualquer pessoa tem o direito de não ficar sujeita a uma decisão que produza efeitos na sua esfera jurídica ou que a afecte de modo significativo, tomada exclusivamente com base num tratamento automatizado de dados destinados a avaliar determinados aspectos da sua personalidade, designadamente a sua capacidade profissional, o seu crédito, a confiança de que é merecedora ou o seu comportamento” (nº 1 art. 13º).

XXVIII. Releva que da licitude da recolha de imagens por sistema de videovigilância, por devidamente autorizada pela CNPD, não decorre necessariamente a licitude da sua utilização pelo empregador contra o trabalhador para fins disciplinares.

XXIX. Com feito, os diplomas referenciados e que regem esta matéria, não estatuem a possibilidade da utilização das imagens de videovigilância para fins disciplinares, quer as imagens resultem de recolha directamente direccionada para o trabalhador ou fruto de captação ocasional.

XXX. Antes deles resultando que, tais imagens apenas poderão ser utilizadas em sede criminal (nomeadamente no âmbito de investigação) mas não no âmbito de procedimento disciplinar.

XXXI. Neste sentido Acórdão da Relação do Porto, de 09.05.2011, Relator Desembargador Paula Leal Carvalho, www.dgsi.pt: “O empregador não pode, em processo laboral e como meio de prova, recorrer à utilização de imagens captadas por sistema de videovigilância para fundamentar o exercício da acção disciplinar, ainda que a infracção disciplinar, possa, simultaneamente constituir ilícito penal.” XXXII. Mais se diz que, ainda que precedida da competente e necessária autorização da CNPD, a licitude da videovigilância sempre será limitada pelos fins admitidos na respectiva autorização.

XXXIII. Reportando para o caso em concreto temos que as imagens relativas ao dia 26 de Julho de 2016 foram determinantes para a fundamentação da decisão de despedimento – em sede disciplinar – quer para a formação da convicção do Tribunal “a quo” já que, ainda que não visualizadas em sede de audiência, tal facto foi reiteradamente invocado em sede de julgamento, nomeadamente referido nos depoimentos de várias testemunhas indicadas na fundamentação da douta sentença bem como serviram de suporte aos relatórios de portaria relativamente à ausência de descargas de sal.

(I) Da (i)licitude das imagens captadas pelo sistema de videovigilância XXXIV. O sistema de videovigilância existente nas instalações das empregadora/recorrida foi licenciado pela CNPD através de autorização nº … de 18.08.2016 – cfr. docs. 307 e 308 a 312 dos autos.

XXXV. Da autorização concedida resultam os seguintes limites de tratamento: - A recolha de imagens deve confinar-se à propriedade do responsável, não podendo abranger imagens da via pública ou de propriedades limítrofes; - Não podem as imagens ser utilizadas para o controlo da actividades dos trabalhadores, seja para aferir a produtividades seja para efeitos de responsabilização disciplinar.

XXXVI. Tendo presente os normativos que regem a utilização de meios de videovigilância à distância, resulta clarividente que a captação de imagens e a sua utilização no período a que se reportam os factos (anterior a 18.08.2016 – data da autorização concedida pela CNPD) – é ilícita e, por isso, proibida, mormente o invocado dia 26 de Julho de 2016, por não autorizadas.

XXXVII. Mas ainda que nessa data – 26 de Julho de 2016 – a captação de imagens fosse autorizada, seria igualmente ilícita por extravasados os limites de tratamento.

Porquanto, XXXVIII. a autorização emitida pela CNPD é clara: (1) não é permitido o uso das imagens para efeitos de responsabilização disciplinar e (2) a captação não pode abranger a via pública.

XXXIX. Tendo a empregadora aqui recorrida, oferecido como meio de prova as imagens do dia 26 de Julho de 2016 quer no procedimento disciplinar quer, posteriormente no âmbito da acção judicial, sempre se encontraria violado, desde logo, o primeiro daqueles limites. Acresce que, XL. pese embora as imagens não tenham sido visualizadas em sede de audiência de Julgamento, através do depoimento da testemunha Filipe decorre que o alcance de captação das câmaras de videovigilância abrangia a via pública, ultrapassando também o espacial definido pela CNPD: Testemunha Filipe: (…) Complementarmente se diz, XLI. sobre a empregadora recai o ónus de fazer prova da licitude da utilização dos meios de controle à distância, XLII. e ainda que no período a que se reportam os factos (Abril a Julho de 2017) a captação de imagens fosse lícita – o que não se admite – sempre deveria a empregadora/recorrida fazer prova de ter informado o trabalhador e do cumprimento das demais exigências impostas pelo nº 3 do art. 20º do Código de Trabalho, nomeadamente a afixação nos locais correspondentes de dizeres informativos seguidos de símbolo identificativo.

XLIII. O que não logrou fazer.

XLIV. Pelo que, necessário e consequente será inferir...

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